Interrompo a série Nocautes para falar de Educação.
Uma vez disse aqui que o ensino superior era uma espécie de "educação de perfumaria". Sem dúvida, fui muito exagerado e injusto. Tratava-se de um desabafo. E a Web é um péssimo lugar para isso, deveria saber. Mas atire o primeiro mouse aquele que nunca deu uma queixadinha via Internet...
Lembrei-me dessa declaração outro dia ao ver e ouvir uma das participantes do programa Salto para o futuro, da TV Brasil (que ninguém assiste, aliás), falando dos "desafios" do ensino fundamental. A "especialista", doutoranda em Educação, dava conselhos a professores. Olhei com atenção: ela devia ter, pelo menos, 12 anos a menos que eu (estou com 39). Num cálculo rápido, concluí que sua experiência de trabalho no nível básico de ensino deve ter sido mínima, se é que passou algum tempo numa escola, além do período do estágio obrigatório da graduação. E ela aconselhava professores!
Não acho, é claro, que o tempo de serviço de qualquer pessoa seja garantia de competência profissional. Mas, como quase todo mundo, também tenho meus preconceitos e não costumo dar muita bola para quem é "verde" (e permanecerá "verde") em algumas áreas de trabalho.
Assistindo ao programa mencionado, recordei-me também duma palestra a que assisti no final do mês passado, em evento promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. Na ocasião, Walda de Andrade Antunes, bibliotecária e professora aposentada da UnB, provocou um anticlímax no V Fórum de Integração da Biblioteca com a Sala de Aula.
Antes dela, havia falado o escritor e jornalista Márcio Vassallo. Com o jeitão de um comediante de stand-up, tratou do encantamento necessário para formar leitores. A maioria da audiência (eu, inclusive) curtiu sua apresentação. Walda Antunes - serena, por vezes enfática, objetiva - nos fez voltar para uma realidade incômoda, entretanto. E ainda bem que fez isso.
Exultei quando a professora, de cabelos totalmente brancos, fez questão de dizer que acumulava 25 anos de experiência de trabalho exclusivamente na educação básica, sobretudo pública. Apresentou um quadro preocupante, referente a práticas efetivas de leitura no Brasil. Mas foi uma observação feita de passagem por ela, a propósito dos estudantes universitários atualmente, que interessa mais de perto a esta postagem.
A professora aposentada falou sobre a (má) qualidade das produções escritas, da verbalização e da discussão de muitos alunos - até no mestrado e no doutorado - com os quais travou contato. Importante: ela, em momento algum, fez qualquer menção a aspectos ligados à superfície textual (ortografia, concordância verbal/nominal, etc.), nem à variante de língua oral usada pelos estudantes (como o predomínio de gírias, por exemplo). Ela se referia à dificuldade que estes tinham de ser fazer entender, à pobreza de argumentação, à incapacidade de compreenderem e realizarem abstrações. Essa dificuldade, acredita ela (e eu também) decorre, em grande parte, da péssima qualidade da escola básica que estes alunos frequentaram. Décadas de descaso com a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio começam a "dar o ar de sua graça" no até então imune e (ainda) confortável ambiente de trabalho das faculdades.
NOTA: Quando critico alguma coisa no ensino superior, conhecidos meus dizem que o faço movido pelo despeito, pois não tive capacidade, disciplina ou talento para seguir vida acadêmica. É provável que estejam certos, mas vou concluir a postagem mesmo assim.
No início dos anos 1990, era aluno do curso de Letras (UFMG) e, espantado e constrangido, ouvi e li - mais de uma vez, é bom que se diga - declarações afirmando que aqueles a viver no mundo universitário formavam a "elite intelectual do país". Alguns professores, com um mal disfarçado orgulho classe-média-com-o-cartão-de-crédito-em-dia, faziam questão, aliás, de se colocarem bem distantes da realidade da educação básica, como se esta não lhes dissesse respeito (mesmo empregados em cursos de licenciatura!)
Hoje, muitos deles talvez tenham em suas mãos trabalhos de estudantes com características idênticas àquelas descritas pela professora Walda Antunes. O ensino superior - cisne historicamente contraposto ao patinho feio da educação básica - não é mais tão elite assim...
BG de Hoje
A composição de Moacyr Franco (mais conhecido por seu trabalho de humorista) casou-se perfeitamente como o jeitão-RITA LEE-de-ser, em Tudo vira bosta: "O ovo frito, o caviar e o cozido/o cinzento e o colorido/a ditadura e o oprimido/o prometido e o não cumprido/e o programa do partido/tudo vira bosta".