quinta-feira, 2 de junho de 2011

Nocautes (6)


PEQUENAS DISTRAÇÕES - Gregório Bacic

 
Antes de escrever sobre o texto em questão, se me permite, gostaria de relatar como cheguei a ele.

Conheci Pequenas distrações* não através da leitura direta, mas por meio da programação televisiva. Explico. A TV Cultura, durante um curto período (infelizmente) exibiu ótima atração chamada Contos da Meia-Noite, dirigida por Eder Santos. Atores como Matheus Nachtergaele, Antonio Abujamra, Lázaro Ramos (dos quais me lembro) e atrizes como Marília Pêra, Maria Luisa Mendonça, Giulia Gam (das quais me lembro) apresentavam narrativas escritas por Artur Azevedo, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, João do Rio, Murilo Rubião e diversos outros escritores. Uma das performances que mais me impressionou, entretanto, foi a de Beth Goulart "lendo" Pequenas distrações, de Gegório Bacic (disponível aqui).

Falemos do conto.

A primeira frase já nos atinge em cheio: "A antiga mureta subiu com a rapidez com que sobem os tijolos de uma sepultura". A partir daí o narrador descreve "os mecanismos de metassegurança" adotados por uma família de privilegiados (social e economicamente falando) na tentativa de proteger seu patrimônio. E qual seria este?

"O patrimônio da família - o medo - estava provisoriamente a salvo; medo dos ladrões, dos sequestradores, dos estupradores, medo dos ventos, das enchentes, dos miseráveis, dos poderosos, dos fiscais, medo do terror, dos traficantes, dos negros, dos nordestinos, medo dos maloqueiros da favela, dos vendedores, dos cobradores, dos pregadores fanáticos, dos moto-boys que fumam maconha, dos ônibus lotados que despencam pela rua, medo da liberdade, medo da morte, medo da vida, medo do outro".

Para demonstrar o paroxismo atingido por esse medo, o contista lança mão de um humor desconcertante, ainda que o texto culmine em horror (como nos diz o narrador em determinado trecho, "os que vivem de esperar a tragédia são os que melhor sabem atraí-la"). Exemplo desse humor  estranho é a descrição da "Operação Margherita I" - após a qual surgiram a II, III, IV e assim por diante. Membros da família em total prontidão, alguns com metralhadoras, para não correrem o risco de serem atacados ao receber uma pizza...

A personagem que centraliza o conto  é "a filha mais nova, de 15 anos, vista em casa como perigosamente distraída" (e essa expressão se repetirá em outros momentos da narrativa, criando um ótimo efeito).

Poucas vezes vi num texto a união perfeita da crítica social com os artifícios necessários à linguagem literária, tal como se dá em Pequenas distrações.

Na próxima postagem Onde andam os didangos?, conto triste - mas muito bonito - de José J. Veiga.

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* BACIC, Gregório. O peão envenenado e outras provocações. São Paulo: Escrituras, 2002

BG de Hoje

Os fãs puristas do punk torcem o nariz para o OFFSPRING, talvez pelo sucesso alcançado pela banda com o segundo disco, Smash (que eu acho ótimo), e que levou o grupo para o mainstream. Mas penso que basta ouvir canções como Kick Him When He's Down (esta do primeiro álbum, Ignition) pra não desprezar o som desse pessoal.