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segunda-feira, 8 de junho de 2009

Eu, o bronco

"Só o especialista, no meio dos que o ouvem, sabe que daquilo também não entende nada"

Millôr Fernandes - Millôr Definitivo

 
 
 
Falaria, nessa postagem, sobre Um copo de cólera, novela de Raduan Nassar. Fica para a próxima. Porque no sábado passado li uma breve resenha* sobre O inominável, livro de Samuel Beckett, elaborada por Adriano Schwartz (e nas "letrinhas miúdas" da matéria fez-se questão de frisar que ele é professor de Literatura na USP), e achei que era imperativo escrever sobre o que está implícito nela.

O resenhista afirma que a obra em questão "dinamita de vez todas as convenções do romance: não há personagens, enredo, progressão temporal, ambiente, representação; apenas uma voz que fala, fala e fala, sabe-se lá de onde, sem nenhuma motivação". Ele ainda adverte, tentando fazer graça no final: "cuidado, portanto, com a avaliação abaixo [considerou o livro "ótimo"]: este não é um bom presente para o Dia dos Namorados ou para o amigo secreto da firma".

Bem, eu nunca li Samuel Beckett. Como também nunca li James Joyce (a não ser Dublinenses - o que não vale nada, já que é considerada sua "obra menor"). E ambos - além de serem irlandeses - são considerados os grandes revolucionários da Literatura do século XX. Ah, e também não li J. M. Coetzee, vencedor do Nobel e tido como "discípulo" de Beckett. Mas pode ser que um dia eu consiga chegar a esses autores. Vontade não falta. O assunto aqui, porém, é outro.

Não são poucas as vezes, diante de um texto - seja ele uma narrativa ficcional, um poema ou um estudo crítico - em que paro no meio do fluxo de leitura e me pergunto: E agora, José? Sendo direto: não estou entendendo nada daquilo, aquilo não me provoca nenhum sentimento, a não ser o desalento com minha própria estupidez. E me sinto estranho - e diminuído - porque, supostamente, eu deveria ao menos não "boiar" no meio da barafunda, já que passei, bem ou mal, por um curso de Letras, e esse aprendizado, aliado ao rudimento de cultura literária de que eu dispunha anteriormente é o que me garante a sobrevivência. E, afinal de contas, uma parte generosa - beeeem generosa - de meus dias é dedicada à leitura.

E o que dizer, então, daqueles zilhões de pessoas, que tem dezenas de outras preocupações na vida, diante de textos como este que foi objeto da resenha e que os obrigarão a verdadeiros contorcionismos mentais que nem indivíduos "razoavelmente" treinados conseguem executar? Agora, por que diabos quereriam ler algo do tipo não saberia dizer... E, talvez, nem deveriam tentar fazê-lo, uma vez que se pode argumentar (com alguma razão) que o resenhista visava um grupo bem seleto de indivíduos...

Num dos livros que mudou a minha vida**, Bernard Mouralis faz a seguinte afirmação:

"A cultura literária e artística constitui, pois, como se pode ver, um código que permite a cada um distinguir-se e fazer-se distinguir. Este código não preencherá verdadeiramente a sua função no seio da sociedade senão com a condição de ocorrer no conjunto das classes que a compõem. É pois necessário que todos aceitem utilizá-lo para medir ou fazerem-se medir".

Foi a partir do trabalho de Mouralis (e outros) que comecei a questionar essa ideia de que o conhecimento literário era coisa de "inciados", baseado numa espécie de "sensibilidade superior" que alguns têm e outros, não. Comecei também a pensar que as funções do conhecimento literário na sociedade deveriam ser outras que não aquela discutida, analisada e brilhantemente criticada por Mouralis. Ainda mais num país como o nosso, cuja história da escolarização foi tão acidentada.

Este texto, um tanto confuso, reconheço, não deseja atacar Beckett (quem sou eu!), muito menos Schwartz. Só quer deixar esta pergunta: você que me lê e eu podemos ser considerados assim tão burros por não apreender (ou "sentir", como querem alguns) esse "modernismo extremo" (para usar uma expressão do resenhista) de algumas obras consideradas o nec plus ultra da Literatura?

Eu, bronco, não arrisco uma resposta.
__________
* Samuel Beckett desafia o romance. Folha de S. Paulo. 6 jun. 2009. p - 9 (Caderno Ilustrada)

** MOURALIS, Bernard. As contraliteraturas. Coimbra: Almedina, 1982