sexta-feira, 1 de julho de 2011

Nocautes (10)


A CONFISSÃO DE LEONTINA - Lygia Fagundes Telles


O que está ruim sempre pode piorar... Urubu com uruca: o de baixo caga no de cima... Desgraça pouca é bobagem... Quem nasceu pra vintém nunca chega a tostão... O azarado: se compra um circo, o anão cresce... Fodido? Fodido e meio, então!... Poderia lançar aqui dúzias de expressões e ditos populares de sentido negativo. Pessimista crônico, sou colecionador deste tipo de frase. Outra que incluí na coleção: "Conte só com você que todo mundo já está até as orelhas de tanto problema e não quer nem ouvir falar no problema do outro". É o conselho - pragmático, seco, sem frescuras e nenhuma originalidade, mas, na minha opinião, sapientíssimo - dado pelo personagem Rogério à narradora-personagem do conto A confissão de Leontina, de Lygia Fagundes Telles*.

Tratarei da narrativa mais adiante. Agora, gostaria de reproduzir uma opinião da escritora, colhida em entrevista publicada na extinta revista Palavra**:

"A vontade do escritor é denunciar chagas do seu tempo, denunciar inconformado as coisas que acontecem. E ao mesmo tempo sem ter força, infelizmente, nem econômica, nem política, para modificar nada. O escritor tem somente o poder da palavra".

Sendo assim, para que serve esse "poder da palavra" (se é que ele existe)? Tenho feito essa pergunta a mim mesmo, nos últimos anos, e tentarei respondê-la em outra oportunidade. Vamos ao conto agora.

A confissão de Leontina não é tão "político" quanto o romance As meninas (obra que foi mencionada na resposta de onde extraí a declaração citada anteriormente), mas o tom de denúncia de que fala Lygia Fagundes Telles também está presente nesse trabalho.

Por meio de depoimento (em que lembranças mais antigas e mais recentes se misturam) feito a uma "senhora [que] não pode ajudar", a protagonista apresenta ao leitor sua vida penosa, desde a infância na interiorana e (fictícia) cidade de Olhos d'Água até o momento em que é presa, acusada de homícidio, na capital paulista, onde sobrevivia como garota de "dancing club".

Nesse período, conheceu um bom número de calhordas, de todas as espécies. É importante salientar que o conto transita, o tempo todo, pelo perigoso território do melodrama, o que compromete a verossimilhança da narrativa:  às vezes, é difícil aceitar que Leontina, após tanto sofrimento, permaneça tão ingênua.

De todo modo, as "chagas do nosso tempo" não deixam de ser denunciadas: a violência contra as mulheres; o abuso infantil; o analfabetismo (ainda grave problema do país); a precária e perversa relação do Estado com parte da população (pela qual este deveria zelar especialmente); os privilégios eternos dos endinheirados e a justiça nada justa para os pobres.

Mas o maior trunfo do conto, penso eu, é o personagem Pedro, cujo egoísmo e insensibilidade o tornam absolutamente odioso e, por isso mesmo, inesquecível.
 
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* TELLES, Lygia Fagundes. A confissão de Leontina. In: ________________. A estrutura da bolha de sabão. São Paulo: Rocco, 1999. p. 73-111

** A reinvenção da memória. Palavra, Belo Horizonte, ano 2, n. 14, jun. 2000, p. 12-20 [Entrevista concedida a Heitor Ferraz]

BG de Hoje

Tenho um conhecido que costuma dizer que a as pessoas, no geral, não conseguem ser gente-boa nem com elas mesmas... Gosto de Sad but true, do METALLICA, porque é uma canção cuja letra me lembra que, no fundo, só posso contar comigo e mais ninguém. Ah, e é também um show à parte do baterista Lars Ulrich.