Como havíamos observado, em O mal-estar na civilização*, Freud emprega o termo programa de tornar-se feliz. A expressão me remete a um pensamento recorrente na obra do antropólogo Clifford Geertz - autor do clássico A interpretação das culturas -, que nos lembra que os seres humanos são dotados da capacidade de viverem diversos tipos de vida, mas, infelizmente (ou felizmente, depende do ponto de vista) limitam-se (ou são limitados) a apenas uns poucos.
Mas antes de procurarmos entender melhor quais os meios a serem empregados para atingir à felicidade (se é que isso é possível), observemos este trecho, anterior àquele citado na postagem precedente:
"O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação (de preferência, repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas como manifestação episódica. Quando qualquer situação desejada pelo princípio do prazer se prolonga, ela produz tão-somente um sentimento de contentamento muito tênue. Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas. Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência: do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro".
Tendo admitido que suas observações (pelo menos nos dois primeiros capítulos de seu livro) não estão em desacordo com o pensamento corriqueiro, Freud destaca, na passagem acima mencionada, o quanto a felicidade é efêmera. Depende sempre de um "contraste", não sendo possível que o princípio do prazer faça-a prolongar-se até atingir um "determinado estado de coisas". A felicidade é impermanente, infrequente. Por sua vez, a infelicidade beira a ubiquidade. E das três direções das quais pode vir, a pior resulta dos "nossos relacionamentos com os outros homens".
Vem, então, a pergunta óbvia: como lidar com a infelicidade? E outra questão, esta fundamental: por que justamente no atual estágio civilizatório - tão caracterizado pelas traquitanas tecnológicas, pelas realizações científicas e pela dinamização da economia - a experiência da infelicidade é ainda mais intensa?
Fica para a próxima postagem da série.
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* FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os pensadores) [tradução de José Octávio de Aguiar Abreu]
AFINAL, COM QUEM SE PARECEM OS BRASILEIROS (OU AS BRASILEIRAS)?
Vendo as partidas da fase classificatória do Grand Prix de Vôlei Feminino - esporte pelo qual sou fanático -, fiquei pensando como deve ser curiosa, para os torcedores de outros países, a composição da Seleção Brasileira. A diversidade de biotipos e etnias chama atenção: só as norte-americanas conseguem ser tão multirraciais. Negras (Fabiana, Sassá, Regiane), louras (Mari, Thaisa), morenas (Sheilla, Dani Lins) e até uma oriental "típica" (a levantadora Ana Tiemi, cujos pais nasceram no Japão), tornam esse time adoravelmente heterogêneo e servem para constatar que os brasileiros (e as brasileiras, no caso) parecem-se com qualquer habitante de qualquer lugar do mundo.
A propósito, a fase final da competição começa a ser disputada nesta madrugada e a Seleção Brasileira tenta o oitavo título na competição.