quinta-feira, 11 de abril de 2013

O que se esconde num pedido de sugestão de leitura?

Raramente - muito raramente - sugiro a leitura de um livro a alguém. Isso é estranho (ou, pior, talvez revele um desleixo) porque trabalho em bibliotecas. Escolares, mais precisamente. Acho que devo me explicar.

Quando opto por apresentar aos estudantes histórias ou obras pré-selecionadas durante a "hora do conto", estou, obviamente, sugerindo materiais de leitura específicos. Da mesma maneira, quando deixo em evidência ou exponho no espaço da biblioteca certos títulos ao invés de outros, forneço indicações aos leitores. Ora, este blog acaba  também sugerindo livros porque geralmente registro aqui impressões de leitura a partir de publicações que me interessam. E, frequentemente, nas conversas que mantenho com outras pessoas, dentro e fora do trabalho, menciono ou cito textos - um outro modo de fazer sugestões.

Ao dizer que poucas vezes indico um livro a alguém, estou me referindo apenas àquelas situações, bastante comuns, nas quais o sujeito - criança, jovem ou adulto - me solicita, diretamente:

A) Um "bom" livro
B) Um livro "legal"
C) Um livro "interessante"

Nesses momentos, vejo-me como um atendente de lanchonete fast food, diante de um freguês sem fome, mas que decidiu enganar o estômago e quer opções. De preferência, apetecíveis e a bom preço. Quanto ao valor nutritivo...

No caso (A), buscam-se enredos mirabolantes - mas não desafiadores a ponto de serem considerados "complexos" - que "prendam" o leitor (como se  diz por aí); em (B), o que se quer é um passatempo ligeiro, passagens cômicas ou trivialidades de almanaque; por último, o livro "interessante" de (C) será aquele (geralmente não ficção) destinado a incrementar o bate-papo no boteco ou no almoço de família do fim de semana. Nos três pedidos, o solicitante está atrás de entretenimento. Sem mais. NOTA: Muito raramente há pedidos por livros de poesia. Isso será assunto noutra postagem.

Nada tenho contra a leitura com fins de entretenimento, vale salientar. Durante toda a minha infância e início da adolescência, fui consumidor voraz de histórias em quadrinhos, com pouquíssimas incursões ao terreno das publicações literárias propriamente ditas*. Os indivíduos, sempre que possível, devem buscar os materiais de leitura que atendam ao seu desejo e às suas expectativas nos momentos específicos de sua formação como leitor. Isso é um direito. Ponto.

Entretanto, para alguns militantes da leitura - sobretudo da leitura  literária, como é meu caso - os textos a serem recomendados ou sugeridos, ainda mais no ambiente escolar, são aqueles em que se pode reconhecer uma intencionalidade artística** que vá além do mero entretenimento. A Literatura, não custa lembrar, é também uma forma de saber. E se queremos nos tornar progressivamente menos ignorantes, não é recomendável permanecermos circunscritos ao universo dos nossos desejos e interesses imediatos. Não pretendo indicar textos que nada exijam de quem os lê (se não for assim, pra que escola?). Seria profissionalmente depreciativo, mesmo trabalhando em unidades públicas de educação básica (com todas as carências e problemas acumulados dos quais já estamos carecas de saber).

Hoje não sou apenas aquele leitor de quadrinhos. Meu repertório de textos se modificou e se ampliou, como acontece com todos os que se dedicam à atividade da leitura. Se alguém me pede uma sugestão de livro, ainda mais dentro das situações anteriormente mencionadas, prefiro dizer que só leio "coisas chatas" hoje em dia (o que é verdade a maior parte do tempo) e não tenho nada agradável a indicar. Porém, encontro outros expedientes para "fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero", como escreve Manuel Bandeira***. Poucas vezes funcionam, mas insisto mesmo assim. Continuo pensando que não nos tornamos leitores melhores se permanecermos somente entretidos.

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* É claro que os quadrinhos conquistaram, legitimamente, o status de manifestação artística, como a fotografia e o cinema. Entretanto, durante bastante tempo, foram malvistos por muita gente (inclusive no meio escolar). Naquela época de garoto, os quadrinhos tinham para mim só o caráter de diversão. Ainda tem, mas tornaram-se mais do que isso, claro.

** A expressão intencionalidade artística, reconheço, é vaga e carece de  formulação mais clara. É cabível perguntar: o que é isso? Quem atribui a intenção: o autor ou o leitor? Quais são os elementos do texto - supostamente literário - passíveis de permitir o reconhecimento de tal coisa? Como quero voltar a esse tema noutra oportunidade, deixo a definição para outra postagem.

*** BANDEIRA, Manuel. Nova poética: In: ____________. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 205 [Este poema foi originalmente publicado em 1948, integrando o livro Belo Belo, dentro das Poesias completas lançadas naquele ano].

BG de Hoje

Tem dia em que você pensa 126 vezes antes de se levantar da cama e encarar o leão que está lá fora. Algumas canções ajudam a tomar a coragem necessária. Uma delas, sem dúvida, é o clássico Baba O'Riley, do WHO.