segunda-feira, 22 de abril de 2013

"Historinha"?... Faça-me o favor!



Cheguei a mencionar rapidamente, na penúltima postagem, meu interesse pelos quadrinhos. Hoje escreverei de forma mais detida sobre o assunto.

Não fui diferente de outros garotos aficionados por HQs de super-heróis. Colecionei durante muito tempo  (e juntava moeda por moeda para comprar) revistas da editora Abril repletas dos principais personagens da Marvel e da DC Comics - empresas, aliás, que dominavam (e ainda dominam) comercialmente o setor. Não vou mentir: quando lia uma história dos X-Men, por exemplo, ou do Conan* estava só atrás de entretenimento. Porém, mesmo a indústria cultural - representada pelas companhias norte-americanas já citadas - acabou percebendo que os leitores de quadrinhos não eram (e não são) os acéfalos que se costuma supor e passaram a lançar obras mais sofisticadas. Foi o caso das graphic novels. Algum(a) eventual leitor(a) talvez se lembre das obras-primas lançadas na segunda metade da década de 1980, como Batman, o cavaleiro das trevas, de Frank Miller e Watchmen, escrita pelo genial Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons. Sem falar no fabuloso - e assustador -  mundo onírico criado por Neil Gaiman**.

Fiz todo esse preâmbulo para dizer uma obviedade (pelo menos no momento atual): a produção quadrinística não se restringe a revistinhas de super-heróis. E, claro, vai além da ideia infantilizada do gibi. Também não se resume às tirinhas eventualmente publicadas nos jornais. Certo, certo: tudo isso permanece sendo quadrinho. Há, entretanto, muito mais sendo feito.

Vejamos o caso do mangá Na prisão, de Kazuichi Hanawa*** Em 1994, o quadrinista japonês foi preso, acusado de porte ilegal de armas. Ao sair da cadeia, decidiu narrar sua experiência. Estamos diante de uma obra com muitas características do documentário, embora conserve atributos da ficção. Hanawa é meticuloso ao descrever as refeições servidas, os uniformes e a composição das celas, bem como a rotina altamente controlada do presídio.

Muitos que leram Na prisão ressaltaram "a total ausência do tom de denúncia", como observou o crítico literário Tomohide Kure (no prefácio da edição de que disponho). Não se trata de um elogio à detenção, mas tampouco o autor nos apresenta aquelas cenas típicas dos relatos da vida prisional, cheias de violência e crueldade.

É quase impossível ler o livro sem comparar a cadeia japonesa lá retratada com os inumanos presídios brasileiros. Ainda assim, a rigidez de comportamento lá exigida da parte dos prisioneiros chega a exasperar. A esse respeito, vale ler o capítulo A barreira do "por favor". Os detentos trabalham numa fábrica dentro da penitenciária. Não podem olhar para os lados, conversar ou deixar o posto sem autorização de um oficial (até para ir ao banheiro). Há regras expressas de como se deslocar pelos corredores e que posturas assumir diante dos carcereiros. Qualquer descumprimento implica punições. Para dirigir-se aos oficiais, o detento precisa sempre dizer "por favor" - que significa reconhecimento da autoridade, mais do que gesto de gentileza  - até para apanhar uma borracha que caiu no chão acidentalmente. Apesar do relativo conforto da cadeia japonesa, prisões nunca vão deixar de ser lugares opressivos.

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Até hoje, por incrível que pareça, encontramos pessoas que se referem aos quadrinhos, no geral, como "aquelas historinhas" para "a garotada", num tom depreciativo, como se estes fossem a mais rematada bobagem. "Historinha"?... Faça-me o favor! Trabalhos como Na prisão, de Kazuichi Hanawa são tão valiosos como outras narrativas - literárias ou cinematográficas - que já trataram desse tema.

Na próxima postagem, escrevo sobre a adaptação para quadrinhos de Em busca do tempo perdido.

* Conan é uma criação do escritor Robert E. Howard nos anos 1930. Posteriormente, o personagem foi revivido em novas histórias  produzidas por roteiristas e desenhistas da Marvel.

** Para quem não conhece esse autor, é bom esclarecer que as histórias publicadas em Sandman - trabalho mais conhecido de Neil Gaiman - não focalizavam super-heróis, embora ele também tenha trabalhos nessa linha.

*** HANAWA, Kazuichi. Na prisão. São Paulo: Conrad, 2005 [tradução de Drik Sada]

BG de Hoje

Num país com tantas cantoras talentosas fica difícil, às vezes, ouvir com a devida atenção algumas delas. CÉU é das artistas que tenho ouvido com o maior cuidado, em meio a tanta gente boa. Visgo de jaca, presente - como faixa-bônus - no segundo disco dela (Vagarosa, 2009), é uma das minhas preferidas. OBS: Essa canção já havia sido gravada pelo Martinho da Vila tempos atrás. Nada contra o sambista de Vila Isabel, mas a versão da cantora paulistana ficou muito melhor.