sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Urbanoide sem culpa



Ultimamente tenho pensado muito num poema do Ferreira Gullar, chamado Bicho Urbano *:

" Se disser que prefiro morar em Pirapemas
            ou em outra qualquer pequena cidade
            do país
            estou mentindo
ainda que lá se possa de manhã
lavar o rosto no orvalho
e o pão preserve aquele branco
sabor de alvorada

Não não quero viver em Pirapemas
Já me perdi
Como tantos outros brasileiros
me perdi, necessito
deste rebuliço de gente pelas ruas
e meu coração queima gasolina  ( da 
comum )
         como qualquer outro motor urbano

A natureza me assusta.
Com seus matos sombrios suas águas
suas aves que são aparições
me assusta quase tanto quanto
este abismo
                     de gases e de estrelas
aberto sob minha cabeça ".

Um de meus amigos costuma dizer que sou um urbanoide (o termo é proferido num tom que mistura consternação e uma dose de raiva). Não me importo; pelo contrário. Assumi a qualificação sem titubear.

Certas pessoas começaram a adotar um bucolismo new age, meio fajuto, que não consigo suportar. Vivem falando em aumentar o "contato com a natureza" e em   buscar "qualidade de vida"... Ora, quem  repete  até babar a expressão  "contato com a natureza" é a mesmíssima pessoa que, se estivesse num acampamento, não se disporia a limpar a bunda com folha de mamona e quererá logo saber onde está a água encanada; os mesmos que buscam a tal "qualidade de vida" são os que não abrem mão do carro com ar condicionado - comprovadamente um dos meios de transporte mais poluentes e um transtorno cada vez maior para a fruição da vida citadina.

Sou urbanoide. E não me sinto culpado por isso: diferentemente daquele bicho urbano inscrito no poema de Gullar, que diz estar em perdição. Mas, semelhante a ele, também "necessito / deste rebuliço de gente pelas ruas", embora, às vezes, sinta, involuntariamente, desejo raivoso de me livrar de alguns passantes.

. . . . . . .

Numa entrevista longa e bem editada, concedida há quase 13 anos **, Ferreira Gullar formulou uma definição para   o   artista :  "Os artistas são pessoas que ficam permanentemente teimando, no fundo são meninos... Um menino que não amadurece. Mas que diabos é amadurecer? Virar um cadáver adiado, como dizia o Fernando Pessoa? O artista é, na verdade, a necessidade que o mundo tem de manter viva a fantasia, a ilusão, que no fundo é o que vale a pena".

Só a ilusão vale a pena.... Como considero a Literatura uma produtora de ilusões necessárias, tendo a concordar com o poeta maranhense.
___________
* GULLAR, Ferreira. Bicho urbano. In: _______________. Toda poesia. 16 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p. 327 [ esse poema foi publicado originalmente em 1980, no livro Na vertigem do dia ]

** A poesia que nasce do espanto. Palavra. Belo Horizonte, ano 1, n. 8, nov. 1999. p. 8-18

BG de Hoje

O TOOL é geralmente classificado como uma banda de "metal progressivo". Não sei se o termo descreve adequadamente o que é o som do grupo. Gosto de ouvir deitado na cama ou no sofá, curtindo ressaca, quando me sinto cheio de tédio e amargura. Além do mais, os clipes da banda são espetaculares.  É  o  caso  de   Prison Sex, canção  do primeiro disco deles (Undertow, de 1993 )