quinta-feira, 17 de março de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (7)

Já passou da hora de "vencermos" o ensaio de Octavio Paz* (disponível aqui). Aos quatro últimos excertos escolhidos, pois. Observações pessoais, sob forma de notas, mais adiante, tal como na última postagem.

8) "Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é - ritmo, cor, significado - e, ainda assim, é outra coisa: imagem. A poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. [...] o fato de serem imagens, e o estranho poder de suscitarem no ouvinte ou no espectador constelações de imagens transformam em poemas todas as obras de arte".

9) "Portanto, a leitura de um só poema nos revelará, com maior certeza do que qualquer investigação histórica ou filológica, o que é a poesia".

10) "E não apenas a história nos faz ler com olhos diferentes um mesmo texto. Para alguns o poema é a experiência do abandono; para outros, do rigor [...] Cada leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre: já o trazia dentro de si".

11) "Há uma característica comum a todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação. Cada vez que o leitor revive realmente o poema, atinge um estado que podemos, na verdade, chamar de poético. A experiência pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para ser outro. Tal como a criação poética, se dá na história, é história e, ao mesmo tempo, nega a história [...] Revive uma imagem, nega a sucessão, retorna no tempo. O poema é mediação: graças a ele, o tempo original, pai dos tempos, encarna-se num momento. A sucessão se converte em presente puro, manancial que se alimenta a si próprio e transmuta o homem. A leitura do poema mostra grande semelhança com a criação poética. O poeta cria imagens; o poema faz do leitor imagem; poesia".

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  • Num de seus mais belos poemas** (em minha opinião, claro), João Cabral de Melo Neto nos dá essa "constelação de imagens" de que fala Octavio Paz, partindo do número quatro - símbolo de exatidão para o poeta:
"O número quatro feito coisa
ou coisa pelo quatro quadrada,
seja espaço, quadrúpede, mesa
está racional em suas patas;
está plantada, à margem e acima
de tudo o que tentar abalá-la,
imóvel ao vento, terremotos,
no mar maré, ou no mar ressaca.
Só o tempo que ama o ímpar instável
pode contra essa coisa ao passá-la
mas a roda, criatura do tempo,
é uma coisa em quatro, desgastada".

Muitos dos que hoje se intitulam poetas estão longe de insuflarem no leitor tal sugestão imagética...
  • A leitura de um bom poema nos ensina mais sobre a poesia do que os pesados estudos críticos e/ou analíticos. Como estudioso de Literatura, obviamente, não concordo por inteiro com essa opinião. Ainda assim, o que dizer da leitura de centenas de bons poemas (sem recorrer aos pesados estudos críticos)ao longo de toda uma vida, como o fez Octavio Paz? Não há outra "alternativa": é preciso ler efetivamente os textos!
  • Eu sou do lado do rigor...
  • No excerto nº 11, o escritor mexicano menciona um dos mais fantásticos sentimentos que alguém pode experimentar durante a fruição estética: a sensação de co-autoria em relação ao criador/idealizador da obra de arte. Sábias e belas palavras: "Cada vez que o leitor revive realmente o poema, atinge um estado que podemos, na verdade, chamar de poético. A experiência pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para ser outro".
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* PAZ, Octavio. Poesia e Poema. In: __________. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 15-31 [tradução de Olga Savary]

** MELO NETO, João Cabral de. O número quatro. In: _________. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 [o poema em questão faz parte do livro Museu de tudo, publicado pela primeira vez em 1974]

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Convido o(a) leitor(a) para, nas próximas postagens, refletirmos juntos sobre a blogosfera e o ato de "blogar" (a série sobre poesia será retomada mais à frente, quando falarei sobre Antonio Cicero). Até a semana que vem.

BG de Hoje

O NIRVANA sempre teve um pé no punk. Pouca gente discorda disso, penso eu. E essa "ligação umbilical" fica mais evidente ainda em canções maravilhosas como Breed.