Em Cibercultura*, o filósofo Pierre Lévy afirmou que a "emergência
do ciberespaço, de fato, provavelmente terá - ou já tem hoje - um
efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações quanto teve, em
seu tempo, a invenção da escrita". Embora não concorde com muitos pontos de vista do pensador francês (como já expus aqui), acho que sua avaliação não foi nem um pouco exagerada.
Lévy defende que a cibercultura "dá forma a um novo tipo de universal: o universal sem totalidade". O processo de interconexão mundial estabelecido pela Internet/Web, segundo ele,
"atinge
de fato uma forma de universal, mas não é o mesmo da escrita estática.
Aqui, o universal não se articula mais sobre o fechamento semântico
exigido pela descontextualização, muito pelo contrário. Esse universal
não totaliza mais pelo sentido, ele conecta pelo contato, pela
interação geral".
Infelizmente,
porém, minha trajetória na educação formal, minha formação profissional
e minha construção como leitor (para além de "consumidor" de
informação) foram baseadas no "fechamento semântico", na busca pela "totalidade"
(uma parte da aspiração, explícita ou implícita, das obras literárias -
como, aliás, de todas as obras de arte - é estabelecer ou simular uma
totalidade, ainda que provisória). Desse modo, confesso, não sem certa
vergonha, minha inadaptação e desconforto em meio a era virtual.
Mas o que isso tem a ver com os blogs?
. . . . . .
Passada
a primeira leva de blogs (embora ainda existam alguns deste tipo), nos
quais as atualizações giravam em torno das trivialidades da vida do
autor ("Comi salada de repolho ontem; peidei a madrugada toda." ou "Vacinei meu gato; o coitadinho parece estar com o Mal da Vaca Louca", etc.), muitos blogueiros começaram a adotar temas
mais específicos. O conteúdo da ferramenta mudou, os textos ficaram
maiores, mas também mais conscienciosos, elaborados e até informativos.
As trivialidades migraram para o Facebook. E junto com elas, os
leitores...
O caderno Tec**, da Folha de S. Paulo,
publicou matéria no dia 02/03/11 tratando justamente da impopularidade
crescente dos blogs, sobretudo entre os mais jovens (mas, curiosamente,
houve aumento de participação na faixa das pessoas entre 34 e 45 anos,
pelo menos nos EUA). O jornal entrevistou Jon Sobel, um dos editores do
Blogcrictics, ligado ao Technorati. O executivo afirma que "ter
um blog, afinal, dá muito trabalho. Você tem que passar um bom tempo
escrevendo e ele precisa estar sempre atualizado (poucos dos novos
blogs conseguem)".
Sobel lembra que "as pessoas são preguiçosas e [ao mesmo tempo] ambiciosas demais. É possível que elas estejam mais realistas sobre as chances de permanecer em um projeto como um blog".
Ele acredita que
a tendência de declínio é irreversível, mas é otimista. Perguntado
sobre qual a motivação para manter ativa a ferramenta, ele diz:
"Para
alguns, são as mesmas razões de quando eles começaram: comunicação,
ficar em contato com conhecidos ou manter um arquivo pessoal. Para
outros é ambição: eles enxergam o blog como um caminho para as coisas
maiores. Também tem gente que tem paixão pelo que faz, um interesse
continuado e até uma obsessão pelo assunto do qual trata".
. . . . . .
Sei que parecerá arrogante e pretensioso o que vou escrever abaixo (e talvez seja mesmo). Paciência.
No atual estágio de minha vida, não me interessa tanto a comunicação. Interessa-me sabedoria.
E tenho feito um uso excessivamente bobo da
Web e que me distancia dessa busca. Inclusive através de meu blog. Há
muita coisa publicada na Rede. O que realmente vale a pena?
Millôr Fernandes certa vez disse mais ou menos o seguinte (infelizmente, não disponho agora da fonte): "Um dia, estaremos todos dentro da televisão. O problema é que não haverá ninguém do lado de fora para assistir".
Parafraseando-o, eu diria que em breve estaremos todos escrevendo
dentro da Web. O problema é que não haverá ninguém do lado de fora - ou
mesmo dentro dela - para ler o que está sendo escrito.
__________
* LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999 [tradução de Carlos Irineu da Costa]
** [Des] caminhos dos blogs. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 mar. 2011, Caderno Tec
BG de Hoje
Eu sei, eu sei, esta banda estava no BG passado, mas acontece que AC/DC é fundamental: If you want blood (you've got it).