terça-feira, 16 de setembro de 2014

"Como disse o Millôr..."


Semanas atrás, a 12ª edição da FLIP (Feira Literária Internacional de Parati) - talvez o evento do gênero com maior visibilidade hoje no Brasil - homenageou Millôr Fernandes (falecido em 2012).

O autor carioca foi um multimídia avant la lettre e é difícil destacar qual era sua principal atividade (Dramaturgo? Tradutor? Cartunista? Poeta? E outras mais...). Entretanto, não há dúvida de que ele será lembrado com um dos maiores humoristas do país, com uma produção de textos e desenhos sempre muito alta. Às vezes, seu trabalho é marcado pela sofisticação; noutras, pela simplicidade (e nem por isso menos engraçado, como nesta pequena biografia*):

"Millôr nasceu. Aos 13 anos de idade, já estava. O que não invalida. No entanto, sua atuação teatral, até onde se sabe dos livros publicados, foi constatado sem qualquer dúvida. Ao concluir seu Mestrado, percebeu logo. Um dia, depois de um longo programa de televisão, foi que. Amigos e pessoas vagamente interessadas, naturalmente. Onde e como, mas talvez, Millôr jamais, no caso. Ao ser agraciado disse, e não foi à toa. Entre os tradutores brasileiros. E tanto em 1960 quanto em 1978. Mas nem todo mundo concorda. O resto, diz ele. Ou seja, hoje em dia, como ninguém ignora".

A obra de Millôr Fernandes teve sempre grande alcance, chegando a "um público abrangente, [mas] sem perder a erudição", como observou o diretor geral da FLIP, Mauro Munhoz. Numa das mesas do evento (O guru do Méier), seus participantes - os jornalistas Hugo Sukman e Sérgio Augusto, ao lado dos cartunistas Claudius e Cássio Loredano - ressaltaram a insubmissão do artista a credos partidários ou ideológicos de ocasião. Loredano lembrou ainda uma frase antológica (e aparentemente nonsense) de Millôr: "Não gosto da direita porque ela é de direita e não gosto da esquerda porque ela é de direita".

E por falar em frases... É frequente em diversas ocasiões, ao presenciar um acontecimento ou envolver-me nalguma situação, falar "como disse o Millôr..." e emendar uma frase do artista, concernente àquele episódio. E estou certo de que muitas pessoas Brasil afora fazem o mesmo. Millôr Fernandes foi o mais genial autor de ditos curtos e epigramas da cultura brasileira, anos-luz à frente de Apparício Torelly (o "Barão de Itararé), Nelson Rodrigues ou Sérgio Porto (o "Stanislaw Ponte Preta"). Quando, em 1994, foi lançado Millôr definitivo: a bíblia do caos**, os admiradores do escritor regalaram-se com a publicação, reunindo 5142 pequenas joias do humorista. Eis algumas das que mais gosto:

"Bota na tua cabecinha que amanhã pode acontecer uma grande desgraça. O dia de hoje vai ficar muito melhor". 
"As coisas nem sempre são tão ruins quanto parecem. Mas quase sempre são". 
"Quantas vezes eu já fui agredido por bêbados em minha vida? Muitas. Mas poucas em relação ao número de vezes em que fui agredido por semi-ideias, por tolices ditas pomposamente, por ideologias malmastigadas e filosofias maldigeridas. Assim a pergunta é pertinente - quem é mais perigoso: o cara que bebe mal ou o cara que lê mal?" 
"Um pessimista é o único que está preparado para ser otimista quando seu pessimismo der certo". 
"Só conheço uma forma infalível de planejamento familiar - a prosperidade". 
"O cinismo é o máximo da sofisticação filosófica. Só ele se aproxima da verdade". 
"Caras brilhantes fazem frases brilhantes e idiotas as repetem. Não vá repetir essa pros seus amigos". 
"A hipocrisia já é um progresso ético" 
"Sou humanista: Isso não significa ser bonzinho ou acreditar que o homem é bonzão. Significa apenas que aceito o homem como é - medroso, primário, invejoso, incapaz, acertando por acaso e errando por vaidade e ignorância: meu irmão", 
"Se a ocasião faz o ladrão, a falta de oportunidade faz a honestidade?" 
"Eu jamais suportaria como amigo um cara que me dissesse 10% do que eu digo a mim mesmo em certas madrugadas de insônia".
E outras duas, provenientes de outras fontes:

"O mundo é cheio de idiotas. Felizmente estão sentados nas outras mesas" (durante uma conversa com Tom Jobim, num bar no Rio de Janeiro) 
"Quem está na merda não filosofa (moral que encerra a fábula Os perigos da filosofia)

Noutra das mesas da FLIP (O estilo Millôr), Reinaldo (ex-integrante do Casseta & Planeta) contou que começou "lendo Millôr na idade em que os garotos hoje lêem Harry Potter, ele era onipresente. Tinha O Cruzeiro em qualquer sala de espera, e eu já tinha aprendido que naquela revista tinha duas páginas de Millôr, que eu sempre procurava”. Lembrei-me então de duas experiências pessoais que marcaram meu contato com a obra desse autor. Era ainda criança quando tentava entender os cartuns publicados por Millôr na revista Veja, disponível em nossa casa graças a uma assinatura paga por meu irmão mais velho. Depois, aos 13 anos, numa inesquecível atividade escolar promovida por uma professora de português muito dedicada, senti grande prazer com a leitura de A morte da tartaruga. Felizmente, uma de minhas irmãs possuía o livro Fábulas fabulosas, no qual esse texto fora publicado originalmente, e pude lê-lo por inteiro. Daí em diante, sempre me mantive próximo da obra de Millôr Fernandes.

Link para o site da 12ª edição da FLIP: http://www.flip.org.br/

Caso o(a) leitor(a) tenha interesse, link para uma entrevista muito boa concedida por Millôr ao programa Roda Viva (TV Cultura) em 1989: http://tvcultura.cmais.com.br/millor


* Pode ser encontrada numa das "orelhas' do livro 100 fábulas fabulosas (Editora Best Seller, 2011, 7ª edição). Mas há também uma "autobiografia de mim mesmo à maneira de mim próprio", também engraçadíssima, e com alguns trechos incluídos na apresentação das Novas fábulas fabulosas (Editora Nórdica, 1997, 5ª edição).

** O exemplar que atualmente possuo desse livro é uma edição de bolso mais recente da L&PM.

BG de Hoje

Domingo passado, estava tomando cerveja num bar agradavelmente decadente em bairro próximo à minha residência. O dono trocava, vez ou outra, os discos (de vinil) que compunham a "trilha sonora" da birosca. E um destes foi Do fundo do nosso quintal (do grupo FUNDO DE QUINTAL), um álbum que, em outras épocas, ouvi até cansar, principalmente por causa de Eu não quero mais, um samba de partido-alto, contagiante e bem humorado, como há muito não se encontra por aí.