terça-feira, 3 de junho de 2014

Outras duas sugestões - Literatura juvenil

Geralmente os (bons) livros juvenis esforçam-se por oferecer a seu público tramas e enredos com boa urdidura. Isso acontece, claro, nos dois trabalhos de Eliane Ganem aqui sugeridos - até porque são histórias policiais (ou "de detetive", como prefiro chamar). Mas o principal atrativo desses textos encontra-se na sua figura central: Judith Gonçalves Porto (ou Tide, para os íntimos). Excêntrica e perspicaz, como convém aos "resolvedores" de crime dos romances policiais*, trata-se de uma personagem cujas características poderiam, a princípio, desinteressar um leitor adolescente.

Idosa septuagenária, pintora amadora e afeita à leitura (embora tivesse "frequentado até a quinta série primária, e só"), Tide envolve-se em situações arriscadas de forma não premeditada mas, por ser um tanto abelhuda (e também sensível aos problemas alheios), não larga a encrenca até que esta seja resolvida. Depois de conhecê-la, o inspetor Ernesto, em O outro lado do tabuleiro,** procurou reparar

"melhor naquela velha metida. Já não tão metida, agora achava. Uma figura estranha, não mais tia como da primeira vez, nem avó, mas uma mulher misteriosa, quem sabe. Depois achou que não, apenas uma mulher experiente, vivida, interessante. Nessa idade, pensou, por quanta coisa ela não passou. E assim desse jeito, de bem com a vida, inteira, quase sem marcas. Só as rugas. Vincadas a ferro e fogo, toda ela marcada de alegria e dor".

Nesse mesmo livro (provavelmente o título mais conhecido da escritora carioca, publicado originalmente em 1984), no qual a protagonista ajuda a solucionar o sequestro de uma garotinha chamada Alice, há um capítulo sensacional (X), narrando os pequenos furtos que Tide executa no supermercado, na véspera de Natal, escondendo os produtos surrupiados numa "bolsa feita de encomenda praquelas ocasiões".

Em O caso do elefante dourado***, é a própria velhota a ser sequestrada e passa apuros entre um falsificador de arte, a polícia corrupta e um traficante de droga (aliás, esta é uma das marcas da obra de Eliane Ganem: a abordagem de problemas sociais). Num trecho de certo modo surpreendente, a narração nos dá uma amostra do pensamentos nada convencionais de Tide:

"Então Rogério [filho dela] tem razão [...] por isso não legalizam as drogas. Um negócio legalizado ia gerar empregos, impostos que seriam vantajosos para o governo, mas não pro bolso desses corruptos desgraçados - Tide berrou sozinha enquanto acabava de ler a lista pela décima vez. Afinal, proibir drogas só criava cartéis mafiosos, como aconteceu na Lei Seca dos Estados Unidos".

E embora a verossimilhança e a fluidez narrativa fiquem um pouquinho comprometidas em O caso do elefante dourado, sua personagem central permanece sendo o melhor elemento de composição, assim como acontece em O outro lado do tabuleiro.

Para saber mais sobre Eliane Ganem, visite o site da escritora: http://www.elianeganem.com

Na próxima postagem, escreverei sobre o romance O deserto dos tártaros, do escritor italiano Dino Buzzati.

* E, nesse caso, é difícil não lembrar da Ms. Marple, presente em algumas histórias de Agatha Christie

** GANEM, Eliane. O outro lado do tabuleiro.17 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

*** ___________. O caso do elefante dourado. Campinas, Verus, 2012.


BG de Hoje

Não sei por que cargas d'água passei quase o dia inteiro cantarolando Proteção (PLEBE RUDE). Procurando no Youtube, achei essa apresentação mais recente. Incidentalmente, os caras incluem Pátria Amada (dos Inocentes) - bastante apropriado, pois o Clemente, apresentador do programa do qual proveio o vídeo abaixo, toca junto com eles - e ainda Geração Coca-Cola.