quinta-feira, 5 de junho de 2014

O fim da juventude e a solidão


" 'Que triste engano', pensou Drogo, 'talvez tudo seja assim; acreditamos que ao redor haja criaturas semelhantes a nós, e ao contrário, só há gelo, pedras que falam uma língua estrangeira; preparamo-nos para cumprimentar o amigo, mas o braço recai inerte, o sorriso se apaga, porque percebemos que estamos completamente sós' ".


Dino Buzzati - O deserto dos tártaros



Encontro em O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati*, a desiludida e (por isso mesmo) admirável representação literária da perda da juventude, a chegada da velhice e a inevitável aproximação da morte.

Mesmo partindo de um lugar-comum - a noção de "fuga do tempo"** - através da trajetória apagada e monótona do tenente Giovanni Drogo numa insignificante fortificação militar (alguém contaminado pelo "torpor dos hábitos"), o escritor italiano constrói um texto extraordinário, progressivamente tomado pela amargura.

Para Drogo, no início, a vida é percebida como "inesgotável, obstinada ilusão". Ele ainda não sabe que dispõe de "uma vida simples e normal, uma pequena juventude humana, avaro dom, que os dedos das mãos eram suficientes para contar e que se dissolveria antes de se dar a conhecer". À espera, durante anos e anos, de um acontecimento glorioso que talvez pudesse elevá-lo, o personagem, ao final, vê sua grande chance escapar, dada a doença, associada à velhice.

Este é um ponto essencial de O deserto dos tártaros: o protagonista, durante a maior parte do romance, mantém a expectativa de que possui méritos e de que algo valoroso está reservado para ele. Com o passar do tempo, entretanto, começa a se perguntar: "[...] e se realmente estivesse errado? Se fosse um homem comum, a quem por direito não cabe senão um destino medíocre?". Giovanni Drogo (e a maioria de nós, talvez), ao envelhecer, aprende a "querer cada vez menos", como lhe diz um outro personagem do livro.

Conta-nos o narrador que

"Justamente naquela época [após o fim da juventude] Drogo deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso o que causa a solidão da vida".

O viver não promete recompensas - essa é uma das duras lições que extraio do livro de Dino Buzzati.

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* BUZZATI, Dino. O deserto dos tártaros. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003 [Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade]

** A expressão fuga do tempo, aliás, aparece três vezes, textualmente, ao longo da narrativa.

BG de Hoje

Tenho saudades da "antiga" MTV. Boa parte do que me interessa, musicalmente falando, conheci através daquele canal. Muitas iniciativas, apesar do desgaste do formato ao longo do tempo, são inesquecíveis. Falo, por exemplo, dos acústicos. O programa  que reuniu artistas do sul do país foi um dos últimos a ser gravado. Desse programa, gostei das participações de Cachorro Grande e ULTRAMEN, destacando o musicaço Dívida, com participação do Falcão (O Rappa)