quarta-feira, 27 de novembro de 2024

É hora de ler Osman Lins

 

Gostaria de dividir com o(a) eventual leitor(a) esta avaliação de Braulio Tavares a respeito da escrita de Osman Lins:

"Não conheço muita gente, no Brasil ou fora dele, que tenha escrito uma prosa no mesmo nível de tensão poética da prosa de Osman. Chamo de tensão poética àquela sensação que nos produz uma frase carregada de significado e de linguagem alusiva, diferente destas frases discursivas e lineares que estou enfileirando aqui. A prosa de Osman Lins é o que poderíamos chamar de 'prosa poética', se bem que esse estilo tende a ser uma prosa maneirista, rebuscada. Osman projeta tensão poética em tudo que escreve. Tem um grau extremado de riqueza vocabular e rigor sintático; sua imaginação visual é sem limites; sua competência como contador de histórias está fora de questão. E, por cima de tudo isto, a melhor expressão para descrever seu texto é : um arrebatamento verbal".

Sendo assim, por que quase não se fala desse artista?

A pergunta anterior impõe uma clarificação.

 

Bem, estamos tratando de literatura. 

Mais propriamente, literatura enquanto uma forma de arte. 

Uma forma de arte dependente do exercício da leitura e que, mesmo com todos os avanços tecnológicos testemunhados nas últimas décadas, ainda está muito atrelada ao objeto livro.

Pesquisas como a Retratos da Leitura no Brasil  e levantamentos como o recente  Panorama do Consumo de Livros  indicam que apreciadores de obras literárias não formam um grupo expressivo de pessoas, em termos numéricos. Dizendo com honestidade, ler literatura é uma prática cultural que dificilmente pode ser considerada popular, ou seja, um hábito amplamente disseminado na sociedade ¹. Portanto, não seria mesmo muito factível ouvir algo sobre Osman Lins dentro do ônibus, a caminho do trabalho, na fila da lotérica ou num bom bate-papo no boteco.

Então, quando alego que pouco se fala do autor, refiro-me, por exemplo, às raríssimas menções à sua obra nas ditas seções culturais dos jornais e portais na internet, nas aulas do Ensino Médio ou nos enquadramentos gerais da produção literária brasileira que, acho eu, costumam acontecer nos cursos introdutórios das faculdades de Letras. Outros(as) autores(as) nacionais igualmente marcantes do século XX têm frequência muito maior nesses espaços.

Não fiquei sabendo de muitos eventos e outras iniciativas em torno do escritor pernambucano aproveitando a ocasião de seu centenário, agora em 2024. Uma exceção foi a série de episódios de podcast produzido pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Nem a Academia Brasileira de Letras, até onde eu saiba, prontificou-se a realizar uma conferência (como a que foi feita em 2018, por ocasião dos 40 anos de seu falecimento). Segundo a professora Sandra Margarida Nitrini, num dos episódios mencionados acima, Lins é " imerecidamente pouco difundido".

A adaptação cinematográfica de Lisbela e o Prisioneiro  conseguiu fazer com que o autor fosse apresentado a um público mais amplo alguns anos atrás. Mas seus textos mais importantes, em matéria de aperfeiçoamento e inovação estética - o conjunto de narrativas  Nove, novena  e os romances  Avalovara  e  A rainha dos cárceres da Grécia - carecem de uma revitalização para os leitores de hoje, bem como sua produção ensaística.

Neste momento, preciso fazer uma confissão. 

Mesmo me esforçando para não ser um leitor relapso, os únicos livros de Osman Lins que passaram pelas minhas mãos nesses meus 50 e poucos anos foram o pequeno volume de contos  Os gestos, o romance  O fiel e a pedra  e o já citado  Nove, novena.  Não haveria, pois, melhor momento para corrigir essa falha. Enquanto corro atrás dos outros trabalhos da chamada  fase madura  do autor ( Avalovara  está esgotado atualmente, seu preço nos sebos está meio proibitivo agora e não o encontro nas bibliotecas que tenho frequentado), por que não aproveitar a oportunidade e dizer alguma coisa sobre aquele que guardo em uma de minhas estantes?

Publicado originalmente em 1966,  Nove, novena  reúne escritos que, de primeira, lançam um questionamento sobre a pertinência do gênero literário ao qual presumivelmente se ajustariam: são contos? Se não, como classificá-los? O emprego, por Lins, do vocábulo narrativas  dissipa essas interrogações (embora, para os objetivos desta postagem e para meu "tagueamento" posterior, usarei o termo contos). Qualquer um que percorra o livro também não deixará de notar o emprego de sinais gráficos - tais como ॥, ⊖ , ▽ e outros menos ou mais comuns - para distinguir as diferentes vozes narradoras que compõem a maioria dos nove textos. Destes, Pentágono de Hahn  e  Retábulo de Santa Joana Carolina  são os que mais me interessam; na postagem de hoje, vou me concentrar no primeiro.

Em uma cidade interiorana, a chegada/passagem de uma elefanta de circo chamada Hahn  - ocorrência que poderia resvalar para o pitoresco apenas ou até mesmo o risível   - será o catalisador de cinco outras histórias, todas elas revelando o lado solitário das personagens que as transmitem, como neste trecho, por exemplo:

"Os elefantes vivem em bandos e são afetuosos; há porém os exemplares sozinhos, rebeldes, intratáveis. Os elefantes amam-se e são gentis; os solitários recusam-se a participar de incursões e peregrinações, afugentam as fêmeas, bebem sós, tomam banho sós, envelhecem sós. Eu queria ingressar não importava em qual bando, ser conduzido a alguma convivência, afagar um flanco de mulher". ²
A jornalista e escritora Marta Barbosa Stephens (também num dos episódios do podcast do IEB-USP) observa que: "Hahn é convertida no texto [em] uma espécie de animal essencialmente puro, soberanamente perfeito, capaz de alterar o rumo da vida de quem por casualidade estiver à sua volta". Sua imagem, portanto, é quase mítica. Parte do primeiro parágrafo do conto já busca incutir-nos essa representação:
" Tinha, sempre tive, predileção por essa espécie de animais; embora já contasse quarenta e cinco anos, vibrava ao vê-los. Fascinava-me aquele ser informe, gravado nas cavernas quando nosso destino de homens não se fixara, cunho de moedas, transporte de reis, montaria de deuses, ele próprio reverenciado e apontado como o bicho que suporta o mundo sobre o dorso. Além disso, sabê-los raça tendente a desaparecer impressionava-me, talvez por ser celibatário. Senhorita Hahn entrava ao som da 'Marcha triunfal', da Aída ".

Agrada-me particularmente um dos personagens cujas reflexões vão ao encontro do próprio ofício do escritor.  A seguir, algumas delas:

"Vejo, portanto, Senhorita Hahn, à uma da tarde, abrigada sob o toldo, semelhante a esses potentados do Oriente que presenciamos no cinema, rodeados de sol, parecendo, entre coxins, uns privilegiados, tão orgulhosos do seu quadrado de sombra, como de seus punhais e de suas frescas esmeraldas. Um velho contempla-a. Estão os dois sozinhos, sozinhos à sombra, cercados pelo escaldante silêncio, e Hahn tem no ar uma das patas; executa interminável dança, num vaivém a que seu próprio peso, sua vastidão, imprimem graça, um ritmo solene. É um exemplar asiático: tem cinco unhas nas patas dianteiras, quatro nas outras. A extremidade da cauda evoca a pena de um pavão. Perguntou-me o velho se não acho cruel prender o animal, isolá-lo de seus companheiros, amestrá-lo com banhos, cânticos, agrados enganosos, gritos, tudo por dinheiro. Sorri sem responder. Como poderia concordar, se acho que palavras não domadas, soltas no limbo, sós ou em bando, em estado selvagem, são potestades inúteis?"


"Digo a mim mesmo: 'Compreensível que um homem se volte para o passado, se há nesse olhar um propósito fecundo. Quanto a mim, busco-o porque não tenho coragem de reassumir - ou assumir - a direção dos meus dias'. Escrever. Nisto encontraria a salvação? Assusta-me a indispensável e árdua aprendizagem".


"Observando a elefanta, penso no seu olfato sensível, nos seus ouvidos finos, recordo o velho que me interpelou na véspera. Caçadores, buscando este animal capaz de destruir, em minutos, aldeias inteiras, valem-se de teias de aranha, para saber de que lado sopra o vento, não ser denunciados. Teias de aranha são instrumentos de astúcia, ajudam a enredar os elefantes. Silêncio, perseverança, audácia, paciência, os sentidos alerta, armas que terei de obter, para cercar as palavras, amestrá-las depois com aguilhão e banhos. Haverei que artes de ensinar-lhes? Mas escrever é um modo - não o mais eficaz - de romper o exílio. Atravesso como um bêbado as ruas sob o sol. Não se oferecem nunca por acaso, de improviso, as decisões essenciais de um homem; tal como na obra de arte, vamos chegando a elas devagar, com iluminações, e sobretudo com amadurecimento, esforço, meditação, exercício"

As citações acima também nos permitem verificar de pronto a expressividade tão marcante de Osman Lins, carregada daquela tensão poética mencionada por Braulio Tavares. Na prosa deste autor, tão importante quanto (e até mais importante do que) seguir os acontecimentos e eventos narrados, está o prazer estético provocado pela construção do texto em si.

 

Na próxima postagem, falarei de Cem anos de solidão, aproveitando a estreia de uma adaptação do livro produzida pela Netflix.

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¹ Tratar-se-ia então de uma prática (hábito) cultural elitista, exclusivo daquelas fatiazinhas intelectualizadas da população? Não vou entrar nessa discussão, ao menos por ora: meu ponto é apenas argumentar que leitores de literatura assíduos não são fáceis de encontrar. Pelo menos não tanto quanto, por exemplo, espectadores de cinema assíduos ou ouvintes de música assíduos. E creio que isso não é um fenômeno a ocorrer somente no Brasil. Sei que o assunto suscita debate aprofundado, mas não vou me estender sobre esse tema na postagem de hoje. Talvez noutra ocasião.

² LINS, Osman. Nove, novena. 4 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. Todos os excertos do livro citados nesta postagem foram extraídos desta edição.

BG de Hoje

O primeiro disco do FAITH NO MORE foi lançado em 1989, mas só fui comprar o vinil para  ouvir na íntegra, direto, em 1991. É um dos meus álbuns prediletos de todos os tempos (escrevi sobre ele aqui). Já o segundo, não despertou o mesmo entusiasmo de início. Não gostei da "faixa de trabalho" quando a ouvi no rádio e na MTV naquela época. Nada como o passar do tempo, porém: Midlife Crisis é hoje uma das minhas canções preferidas entre as gravadas pelo grupo californiano; adoro estes versos do refrão "You're perfect, yes, it's true/But without me, you're only you". E, graças a ela, aprendi a apreciar, aos poucos, o ótimo disco (Angel Dust) do qual faz parte.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Falou e disse...


"No Brasil, mistura nunca foi sinal de igualdade. Mas isso sempre foi vendido como imagem ideológica de Estado.
[...] Basta ver que no Brasil a população negra não é uma minoria como nos Estados Unidos. É uma maioria, mas uma maioria minorizada na representação política, social, econômica e cultural também". *

 

* Declaração da antropóloga e historiadora Lilia Moritz SCHWARCZ dada em entrevista publicada pela Deutsche Welle, em 21/10/2024. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/no-brasil-mistura-nunca-foi-sinal-de-igualdade/a-70554195>. Acesso em 23/10/2024

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Apenas mais um poluidor

 


"NINGUÉM PEDIU A SUA OPINIÃO !"

Não me recordo de alguém ter me dito essa frase desde que me tornei adulto (na época de criança, entretanto, aconteceu algumas vezes). Não me lembro de vê-la escrita nos comentários de algo que postei, durante o tempo em que fui usuário do Facebook e do Twitter - nunca me arrisquei no Instagram nem no TikTok (e utilizo o WhatsApp apenas para troca de mensagens rápidas e básicas). Também não há registro dela nos comentários do blog, quando a seção para este fim esteve aberta aqui. 

Houve, obviamente, quem desaprovasse ou discordasse de minha fala/postagem. Pensando bem, olhando tudo com franqueza, na imensa maioria das vezes - e é assim para um sem-número de perfis na web -, a fala/postagem não provocou nenhuma resposta. Na verdade, foi simplesmente ignorada.

Estou tentando dizer é que nunca me senti desencorajado a dar opiniões.

Mas, afinal, por que dar opiniões  sobre o que quer que seja?

O que vale uma opinião? 

Aqui no Besta Quadrada  gosto de manter uma crônica escrita pelo Antonio Prata na qual, jocosamente, se faz um alerta para a "praga" das opiniões espalhada de alto a baixo, graças às plataformas e meios digitais. O cronista observa que "hoje, cada ser humano conectado à rede é uma miniempresa de comunicação de si mesmo, atrás de atenção", o que leva muitos a embrulhar sua opinião num envoltório mais chamativo ou estridente para que ela se destaque em meio a zilhões de outras em circulação. Então dá-lhe tiradas humorísticas desumanizantes, bate-bocas pejados de grosseria e desinformação, discursos intolerantes que tentam se vender como "autênticos" e "verdadeiros".

Tudo isso provoca um nivelamento danoso, se me for permitido dizer.

Na atual "bolsa mundial de ideias" - para usar uma expressão do Antonio Prata -, o parecer de um especialista, com anos de estudo e trabalho em determinada área do conhecimento, pode acabar tendo o mesmo peso que o falatório irresponsável de um influencer cuja notoriedade, sei lá, proveio de um vídeo em que ele comia minhocas com molho ao sugo. O(a) eventual leitor(a) deve se lembrar de um sujeito que chegou a defender a existência de um partido nazista no Brasil e era um dos apresentadores de um podcast/mesacast de audiência gigantesca na internet. Recentemente, para poder vender produtos e cursos no mínimo questionáveis, um camarada que afirma ser a diabetes uma doença causada por vermes (!) no pâncreas processou uma bióloga, Ana Bonassa, doutora em Fisiologia Humana, e uma farmacêutica, Laura M. de Freitas, doutora em Biociências, que desmentiram essa alegação absurda (felizmente, o STF suspendeu, algumas semanas depois, a punição imposta às cientistas em primeira instância). 

Mesmo pessoas com um nível de escolaridade satisfatório não conseguem, muitas vezes, diferenciar uma argumentação fundamentada de uma cascata eficientemente maquiada para parecer coisa genuína, porque vivemos cercados por muita poluição informacional/comunicacional.

Bastante tardiamente, estou me dando conta de que sou um dos poluidores.

. . . . . . .

 

Se a procedência das informações deixou de ser relevante para um grande número de pessoas, qual o nível de honestidade e zelo a se esperar nas discussões e debates a serem travados na busca por possíveis entendimentos mútuos? Na formação da chamada opinião pública, por que poderosos grupos de mídia dão mais atenção a determinados indivíduos e não a outros? Assumindo que interagimos uns com os outros num contexto de sobrecarga de informação e estímulos comunicacionais, qual deve ser a melhor postura ética a se adotar para evitar a proliferação de inverdades e notícias mal apuradas? Como nos entendermos em relação à liberdade de expressão: conceito que pode refletir tanto um valor (quase) sagrado como a evasiva perfeita para contaminar o espaço público com toda sorte de farsas e disseminação de ódio?

Esmiucemos um pouco mais esses questionamentos.

Suponho que o(a) eventual leitor(a) já se deparou com o termo tio (ou tiozão) do Zap. Refere-se àquelas pessoas (em sua grande maioria homens) que têm uma grande tendência a acreditar nas chamadas fake news e relatos oriundos da cultura conspiracionista. Pior, o tio do Zap  constantemente repassa desinformação. Como o nome sugere, por causa dos laços de parentesco, esse indivíduo, ao menos em princípio, desfruta de alguma credibilidade dentro da família a que pertence. Em muitos casos, possui uma certa ascendência sobre outros porque ocupa um cargo de chefia ou é dono de um pequeno negócio com alguns empregados. São muitos os tios do Zap  espalhados por aí. Não é só sua capacidade de influenciar outros que me preocupa: é perceber que existe toda uma grande produção (dá pra se falar em indústria?) de mentiras e difamação voltada diretamente para esse público. Vemos hoje políticos que se aproveitam dessa situação, dirigindo-se especificamente para esse segmento, abandonando qualquer escrúpulo na hora de tentar persuadi-lo.

Quando olho para as empresas jornalísticas e de mídia, que lidam profissionalmente com a comunicação e a veiculação de informação e, pelo menos em tese, de forma mais responsável, não me sinto menos desalentado. Dou um exemplo: quase sempre quando a GloboNews chama um economista para discutir algum assunto de sua área aparece alguém vinculado à FGV ou ao Insper ou à XP Investimentos, instituições estreitamente enlaçadas com o mercado financeiro e com o empresariado graúdo. Não estou afirmando que há vigarice nisso, longe de mim, mas será que num país tão amplo como o Brasil não haveria outros economistas com visões e posicionamentos diferentes? A imprensa corporativa - jornalões como Folha de SP, O Globo, Estadão ; emissoras de TV; portais de notícias como o Uol -, a despeito de terem perdido (e continuarem a perder) relevância na transmissão de notícias e na formação das opiniões, ainda tem um significativo papel na circulação das ideias e pontos de vista prevalecentes na sociedade. E muitas vezes nos esquecemos de que essa imprensa não é um imparcial serviço de utilidade pública. Ora, são empresas  (ou seja, visam lucro) cujos interesses coincidem com os de outros estabelecimentos empresariais, frequentemente anunciantes dessa mesma imprensa. Tais interesses, vale dizer, quase nunca beneficiam trabalhadores informais e assalariados de baixa e média renda, que compõem a maioria da população ocupada.

Sempre que penso na sobrecarga de informação e no excesso de estímulos comunicacionais, lembro imediatamente do Youtube. Digo, sem pestanejar, que a mendicância por likes e inscritos, além das súplicas para clicar no sininho de notificações, para doar dinheiro ou tornar-se membro do canal, estão entre os comportamentos mais irritantes da contemporaneidade, peditório que atravessa uma porcentagem enorme dos vídeos lá postados, cada um deles brigando pelo seu bocado na economia da atenção. Porém, nem todos os produtores/criadores de conteúdo (para usar um termo afeito ao meio) parecem preocupados com a  mínima lisura ou com a correção do que propagam no Youtube ou em outros locais da web (e, por favor, não me tomem como um caga-regras lamuriento). Há casos obviamente extremos (como terraplanistas, antivacinas e sites na linha do abjeto InfoWars), sem falar em empreendimentos como a Brasil Paralelo, que se apresenta numa roupagem sóbria e pretensamente equilibrada, mas não é difícil para os menos incautos compreender a natureza de suas produções. O modo como as próprias Big Techs  operam favorece a difusão de material fraudulento. Quem assistiu ao (muito citado) docudrama O dilema das redes  (The Social Dilemma, 2020 - direção de Jeff Orlowski, distribuído pela Netflix) talvez se recorde de uma das falas do cientista da computação Jaron Lanier: 

"Criamos um mundo em que se tornou fundamental ter conexões virtuais, principalmente para as gerações mais novas. Mesmo assim, naquele mundo, sempre que duas pessoas se conectam, o único lucro gerado é por meio de um terceiro que está pagando para manipular aquelas duas. Então criamos uma geração global de pessoas que crescem dentro de um contexto em que o significado da comunicação e o significado de cultura estão atrelados à manipulação. Colocamos a manipulação sorrateira no centro de tudo que fazemos". 

Além disso, é dificílimo responsabilizar essas gigantescas empresas de tecnologia por não tomarem medidas efetivas para coibir os abusos e crimes cometidos pelos seus usuários (o médico Drauzio Varella, por exemplo, moveu um processo contra a Meta, cansado de ver seu nome e imagem sendo usados para vender remédios falsos no Facebook e no Instagram). Esses conglomerados têm alergia a regulações governamentais (sobre esse tema, sugiro a leitura da entrevista do economista (laureado com um Nobel) Joseph Stiglitz, publicada no site OutrasMídias). Vale mencionar, aliás, que o Google claramente se posicionou e agiu contra o PL 2630, conhecido como PL das Fake News.

E quanto à liberdade de expressão? Muita gente por aí crê que ela seja um direito absoluto. Basta, entretanto, observar a legislação brasileira e a atuação do poder judiciário em determinados casos para reconhecer o quanto essa crença não tem fundamento. O Marco Civil da Internet, por exemplo, na Seção III, artigo 19, estabelece a responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros através dos assim chamados provedores de aplicações de internet , quando o dito conteúdo é apontado como infringente. Além disso, várias decisões judiciais (inclusive no STF) tidas por alguns como "censura" ou "cerceamento" da liberdade de expressão ancoram-se na proibição legal dos discursos de ódio (por exemplo, Lei Federal nº7.716, de 05/01/1989 e Lei Federal nº12.288, de 10/07/2010) e de atos que caracterizam tentativas de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Lei Federal nº 14.197, de 01/09/2021). Ora, a maioria de nós sabe o valor do direito de se expressar livremente (e isso inclui  proferir ofensas às vezes, gostemos ou não). Minha exasperação, entretanto, decorre da desonestidade que permeia muitos desses discursos circulando por aí em defesa da liberdade de expressão: não se trata legitimamente da proteção à manifestação do pensamento independente, mas sim de uma artimanha, garantindo ao suposto defensor a oportunidade de se desresponsabilizar, confortavelmente, pelos seus atos e falas, bem como pelas consequências destes.

. . . . . . .

 

É verdade que qualquer indivíduo conectado à internet pode expor e divulgar sua opinião/ponto de vista/crítica/avaliação  concernente a qualquer acontecimento ou entidade (existente ou não) sob o Sol. E até além dele.

Mas, aqui entre nós, na imensa maioria das vezes, essa opinião/ponto de vista/crítica/avaliação  precisava mesmo ser exposta e divulgada?

Veja o caso deste blogueiro que vos escreve.

Abandonei quatro cursos de graduação: não possuo credencial acadêmica alguma para conferir maior substância ao que posto aqui. Não tenho nenhum talento artístico. Atuo como servidor público num cargo que não requer nenhuma formação técnica específica ou habilidade especial. Não sou uma pessoa viajada, nem passei por experiências de vida que rendem aquelas histórias de superação que, às vezes, atraem alguns curiosos. Não sou uma pessoa interessante ou divertida, apenas uma besta quadrada, como está no título deste blog, cujas opiniões/pontos de vista/críticas/avaliações  não têm nada de particularmente excepcional.

Por que diabos venho insistindo então em manter um blog como este?

Por falar na palavra blog  e suas derivadas, não custa lembrar as conotações negativas associadas a elas. Alguns profissionais da imprensa, como razão em muitos casos, desdenham o termo blogueiro - equivalente, para eles, a um pseudojornalista, a um diletante de imaginação fértil ou, na pior das hipóteses, a um enganador hábil a serviço de grupos ou indivíduos interessados em promover desinformação. O vocábulo blogueirinha  é usado depreciativamente para designar influenciadores digitais - em sua maioria, mulheres - que, independentemente do que veiculem em seus espaços na web (em geral, dicas de maquiagem, moda, rotinas de atividade física ou viagem, etc.), são tachadas como fúteis e alienadas.

Voltando a pergunta: por que insisto em manter este blog?

Como escrevi aqui, assim como as outras pessoas, às vezes também sinto necessidade de me comunicar. Minha atividade blogueira remedia parte dessa necessidade, além de me trazer grande satisfação às vezes, quando avalio que consegui produzir um bom texto sobre um assunto de que gosto. Além disso, neste espaço, posso imaginar o interlocutor que gostaria de ter no mundo offline. Acabo falando sozinho, naturalmente, mas o(a) eventual leitor(a) não tem noção de como isso me faz bem. O Besta Quadrada , nesta década e meia de publicações, tornou-se um espaço vital, indispensável para minha sanidade

Nada disso, entretanto - inclusive o fato de que não sou lido por ninguém ¹ -, poderia servir como desculpa para lançar ainda mais contaminantes na descomunal poluição informacional/comunicacional existente, mesmo apelando para esse papo de "escrita terapêutica". 

Iniciei minha trajetória "bloguística" escrevendo sobre Literatura. Mais tarde, resolvi lançar meus pitacos sobre Filosofia. Quando dei por mim estava até arriscando análise política e observações a respeito de fenômenos sociais. 

Mas quem foi que me perguntou alguma coisa? Foda-se a minha opinião/ponto de vista/crítica/avaliação !

Acho que devo parar. Só que ainda não consigo.

O que fazer? 


[ Atualização em 12/12/2024 ] O Supremo Tribunal Federal começou a julgar, no dia 27 de novembro, a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da internet. Tem-se a avaliação, dentro e fora do STF, de que seria preciso fazer uma revisão neste item da Lei Federal nº12.965/2014, pois o ambiente na web modificou-se tremendamente no últimos 10 anos, com as Big Techs acumulando um enorme poder. O debate remete a questões ligadas à liberdade de expressão, mas também leva em conta o dano que os conteúdos mal-intencionados e ilegais, veiculados através dessa corporações gigantescas, causa a indivíduos e instituições. Pessoalmente, tendo a concordar com o voto (já manifestado) do relator, Dias Toffoli, que considera o artigo inconstitucional e aumenta a responsabilidade dessas empresas (para além dos usuários) com relação a postagens criminosas. Talvez valha a pena publicar algo sobre essa discussão aqui no blog posteriormente.

_____________________

¹ Se você, eventual leitor(a), chegou a este texto, a afirmação de que não sou lido por ninguém cai por terra, claro. Mas ela foi empregada apenas como força de expressão, querendo dizer que este blog não tem público, não atrai qualquer tipo de atenção significativa.


BG de Hoje

"Se a gente falasse menos
Talvez compreendesse mais".

LUIZ MELODIA, Congênito.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Adeus a Antonio Cicero (1945 - 2024)

 

Devo dizer que fiquei um pouco pesaroso, hoje, ao saber da morte do poeta, filósofo e letrista musical Antonio Cicero.

Tinha (e tenho) grande admiração por sua escrita e também pela maneira de expressar seu pensamento a respeito de tópicos como racionalidade e modernidade, inclusive em textos voltados para um público mais amplo (Cicero foi colunista na Folha de S. Paulo  entre 2007 e 2010). Isso não quer dizer que houvesse sempre concordância de minha parte.

Li alguns de seus livros, falei de alguns de seus poemas aqui no Besta Quadrada e sempre recomendei seu blog (Acontecimentos) desde que me instalei neste espaçozinho internético. Por falar em seu blog, eu havia mesmo estranhado a falta de atualização das publicações (a última aconteceu em 23/10/2023), uma vez que o autor não costumava ficar muito tempo sem postar algo.

Diagnosticado com Alzheimer, Cicero resolveu (antes que os sintomas do mal piorassem muito, ao que parece) viajar para Zurique e, lá na Suíça, submeter-se a um procedimento de suicídio assistido - prática legalmente permitida naquele país e que, a meu ver, denota alto teor civilizatório e de decência.

Sua carta de despedida foi simples ¹; ainda assim, significativa e tocante.

 

"Queridos amigos,


Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.

Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.

Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.

Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.

Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.

Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.

A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.

Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.

Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.

Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"

 

Encerro com um um trecho de Inverno, uma das composições de Antonio Cicero que mais aprecio. Serviu de letra para uma canção de Adriana Calcanhoto, presente no disco A fábrica do poema (1994). Alguns anos depois, foi incluída no livro Guardar.


"Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?

Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
                                                         sem amarras, barco embriagado ao mar"


________________________

¹ A carta foi reproduzida em matéria do G1. Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/10/23/antonio-cicero-escritor-membro-da-abl-morre.ghtml>. Acesso em 23/10/2024

domingo, 8 de setembro de 2024

Pausa

NO RAIN

All I can say is that my life is pretty plain
I like watching the puddles gather rain
And all I can do
Is just pour some tea for two
And speak my point of view
But it's not sane
It's not sane

I just want someone to say to me
I'll always be there when you wake
You know, I'd like to keep my cheeks dry today
So stay with me and I'll have it made

And I don't understand why I sleep all day
And I start to complain that there's no rain
And all I can do is read a book to stay awake
And it rips my life away, but it's a great escape
Escape
Escape
Escape

All I can say is that my life is pretty plain
You don't like my point of view and I'm insane
It's not sane
It's not sane

I just want someone to say to me
I'll always be there when you wake
You know, I'd like to keep my cheeks dry today
So stay with me and I'll have it made



No Rain foi lançada em 1993. É uma canção de que gosto muito. Sua autoria foi creditada a todos os membros do Blind Melon - Brad Smith, Christopher Thorn, Glenn Graham, Rogers Stevens e (o falecido vocalista) Shannon Hoon -, mas sabe-se que o baixista Smith foi quem a escreveu quase sozinho. É fácil notar que a levada de No Rain - alegrinha e alto-astral - contrasta diretamente com a letra, que relata um estado depressivo (e o compositor Brad Smith confirmou que essa é mesmo a temática). Há, porém, um outro tópico nela: a solidão ("I just want someone to say to me/I'll always be there when you wake"), condição que vem sendo apontada como um dos grandes males atuais e do qual acredito que não conseguirei me livrar. 

Não estou elevando essa letra à categoria de poema, nada disso; cito-a neste momento porque representa bem meu estado de espírito nos últimos oito, nove anos. Minha cabeça (minha vida em geral) está uma imensa pilha de merda. E, olhando ao redor, sinto cada vez mais desesperança no país em que vivo e no mundo em geral. 

É muito difícil atualizar o blog. Preciso dar um tempo de novo. Espero voltar.
 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A violência e o sexo

"Assim como Sade, ele podia conceber que o amor não existisse e que o sexo viesse do mesmo desejo que leva o homem a matar. Mas, assim como o amor burguês era insustentável a longo prazo (e o fim do sexo no casamento lhe parecia uma prova cabal), também o prazer do assassinato não podia sobreviver aos segundos do gozo. Ele estava entre a cruz e a caldeirinha".

O narrador, em Simpatia pelo demônio, de Bernardo Carvalho

 

 

Somente no último mês de julho consegui assistir a série Killing Eve.

Sempre soube do burburinho em torno da produção britânica, mas, na época (2019, acho), eu não era assinante do streaming que a exibia aqui no Brasil (Globoplay). Quando o programa chegou à Netflix, a coisa ficou mais fácil. 

Estou entre os espectadores que vibraram com as duas sensacionais primeiras temporadas e que depois se decepcionaram com as duas últimas, sobretudo aquele episódio final horrível (terá sido um efeito da pandemia?).

As belíssimas locações, os cenários, os personagens atrativos (pelo menos o foram nas duas primeiras temporadas), os toques de humor desconcertantes e mórbidos, as performances das atrizes principais (particularmente Jodie Comer), entre outros ingredientes, explicam o interesse que a série despertou. Entretanto, gostaria de ressaltar um outro aspecto de Killing Eve

Óbvio que a violência é um componente importante nas histórias ali contadas - afinal, uma das protagonistas é uma psicopata cuja profissão é justamente matar pessoas. O sexo, entretanto, é um outro elemento muito bem explorado, mesmo que quase não haja cenas representando o ato.

A começar por Villanelle, constantemente reclamando de tédio. Ser bem paga, vestir-se esplendorosamente bem, viajar por importantes cidades europeias - além do êxtase que devia experimentar na execução dos assassinatos -, tudo isso mostra-se insuficiente para aplacar seu fastio. Como costuma acontecer com os psicopatas, os outros seres humanos são para ela apenas objetos ou peças às vezes úteis para alcançar certas finalidades (entre estas, a satisfação sexual), exceção para Konstantin e, claro, Eve Polastri, pelos quais demonstra emoções diferentes. É na tensão, inclusive erótica, entre ela e Eve que acontecem alguns dos momentos mais marcantes da série. 

A propensão para o sexo, no princípio, não parece ser um traço acentuado em Eve, mas isso vai mudar, à medida que, por meio de avanços e recuos, as coisas se intensificam na sua busca por Villanelle. Ela também ficará mais violenta: a mulher que atira na cabeça de um dos líderes dos "12" na última temporada difere daquela analista do MI5/MI6 dos primeiros episódios, brilhante mas meio desajeitada, observando fotos e relatórios dentro de um escritório mixuruca. E o espectador concorda com a criminosa quando ela diz a certa altura que Eve só se tornou uma pessoa mais interessante por causa dela, Villanelle.

E o que dizer da personagem Carolyn Martens (ótima atuação de Fiona Shaw), com amantes que ocuparam (e ocupam) cargos na diplomacia e nas agências de inteligência estrangeiras, aos quais ela poderá recorrer - ou usar - se necessário?

Estava marginalmente pensando nisso - não tem muito a ver, eu sei - enquanto lia Simpatia pelo demônio, romance de Bernardo Carvalho publicado em 2016 pela Companhia das Letras.

No mesmo ano de lançamento, o escritor deu uma curta entrevista para o Correio Braziliense. Quando perguntado se era possível dizer que o livro é sobre as relações de domínio, afirmou:

"Toda relação amorosa tem um pouco a questão do poder. Em toda questão sexual e afetiva, querendo ou não, o poder está embutido. Nas relações sexuais, sobretudo nas fantasias sexuais, a coisa do poder está muito presente, da pessoa que se submete e da outra que domina, isso faz parte das perversões, das taras".

Nunca pesquisei a respeito, mas suponho que a associação entre sexo e poder deve ser o tema central de diversos textos, ficcionais ou não, assim como a associação entre sexo e violência (pois o poder muitas vezes se manifesta violentamente).

Em Simpatia pelo demônio, são contadas duas histórias, vividas pelo mesmo personagem (o Rato) : a tentativa do pagamento de um resgate numa zona de guerra em algum lugar do Oriente Médio e um relacionamento amoroso que culmina na derrocada de um dos sujeitos. 

Carvalho é conhecido por conjugar diferentes vozes narrativas em alguns de seus livros. Neste romance, contudo, temos, aparentemente, um único narrador em terceira pessoa. Digo aparentemente  porque há uma certa mudança de registro quando se olha para determinadas partes da narrativa. Na primeira (A agência humanitária) e na última (O resgate), em que a ação predomina, o leitor depara-se com um narrador mais convencional, direto. Nas três partes intermediárias (sobretudo em Perdeu), o tom adotado me pareceu ligeiramente mais zombeteiro (sem ser cômico, porém) e o foco passa a ser o sofrimento e a desilusão do Rato após conhecer e se apaixonar pelo - assim alcunhado - chihuahua. A marca, digamos, cosmopolita do autor permanece, situando os acontecimentos em diferentes lugares do planeta: Berlim, Rio de Janeiro, Nova York, uma região não especificada do Oriente Médio...

No livro, o protagonista acabou seguindo, em seu malogrado caso,  

"o manual do homem de meia-idade que, inconformado com a decadência natural, termina por se adiantar à morte, achando que está renovando um contrato com a vida. Tendo reduzido a vida a uma série de desilusões, só lhe resta um remédio para voltar a viver: nascer de novo, se apaixonar de novo, mas com a intensidade de um inocente - pela primeira vez, o que é impossível"

Acaba ficando a mercê de um parceiro mais jovem (o chihuahua), narcisista e maldoso, acostumado a manipular seus amantes. O Rato trabalhava em uma agência humanitária que atuava em áreas de conflito armado pelo mundo. Escrevera uma tese de doutorado em que se debruçava sobre as causas da violência. Nada disso conseguiu salvá-lo de um relacionamento altamente destrutivo: "O Rato havia se preparado profissionalmente para as guerras, mas era um amador nas questões amorosas [...] A valentia na guerra encobria uma vulnerabilidade íntima e irremediavelmente imatura. Corria menos riscos na guerra do que na vida amorosa".

Em um trecho do livro, o narrador nos diz que, durante uma viagem de cerca de dois anos, algo aconteceu ao personagem central, ainda jovem, que o levou "a buscar a violência e a combatê-la de perto". Não nos é revelado o que aconteceu nesse período. A motivação estava mais ligada a "uma fuga e um desvio do que lhe era insuportável" do que qualquer outra justificativa. Para o Rato, "era mais fácil combater o mal onde ele já se encontrava definido e circunscrito", como nas diversas zonas de guerra espalhadas pelo globo. Mas o que fazer quando o mal nos chega de forma insidiosa, em alguém que (falsamente) não oferece perigo e que (pelo menos na superfície) parece ter afeição por nós?

Ainda que não figure entre os meus favoritos na obra de Bernardo Carvalho, Simpatia pelo demônio está muito longe de ser um livro que se lê apenas para desenfadar-se. Penso em trazê-lo de volta aqui assim que eu der conta de outras leituras proteladas.

BG de Hoje 

O heavy metal (um gênero de que gosto, aliás) costuma ser muito repetitivo, não conseguindo escapar de certos clichês (mas, para ser franco, que vertente não é assim dentro da indústria musical?). De vez em quando, porém, aparecem grupos com um tipo de approach que, se não significa algo totalmente distinto do som habitual, pelo menos traz algum frescor. Foi o caso da banda nova-iorquina HELMET, que lá na década de 1990, explodiu com o disco Meantime, com destaque para a excelente faixa Unsung

quinta-feira, 25 de julho de 2024

"As novas tecnologias alteraram em definitivo a textura da ignorância"


A essa altura, dá pra dizer que o recurso veio para ficar aqui no Besta Quadrada.

Apesar de ser um espaço profuso em citações - afinal, faz parte da proposta do blog -, eu não costumava reproduzir integralmente  os textos de outras pessoas. 

Mas isso mudou nos últimos sete anos, mais ou menos. Agora, toda vez que leio um artigo (não tão longo) publicado num veículo jornalístico, num site, etc. e trata de uma questão da maneira que acho que deveria ser tratada, não hesito muito em replicar em meu espaçozinho na web. É o caso deste excepcional escrito que se segue.

 

SOBRE A IGNORÂNCIA ARTIFICIAL *

                                                                                                                                      Eugênio Bucci

Quando alguém tenta imaginar o que seja a ignorância, a primeira imagem que lhe ocorre é o vazio. De fato, enquanto o saber tem para nós o aspecto de casa cheia e feliz, o não-saber é seu oposto: um lugar macambúzio, desocupado e triste. O conhecimento lembra uma constelação de fagulhas inspiradoras, como um salão de janelas amplas, ensolaradas, cheio de gente bonita indo de um lado para o outro; a estultice é sombra e mutismo, um galpão deserto, escuro, sem ninguém e sem utilidade.

O espírito dos sábios cintila em signos vibrantes, representações abstratas e sensibilidade de muitas claves; a massa cinzenta de quem não sabe nada é só um pedaço de carne amorfa, incapaz de qualquer contemplação. Portanto, é com acerto que temos o costume de dizer que as pessoas cultas têm uma vida interior rica e ativa, ao passo que os boçais têm a cabeça oca. Nada mais justo. Nada mais preciso. Nada mais óbvio.

Ocorre que isso mudou drasticamente. As novas tecnologias alteraram em definitivo a textura da ignorância. Ela não é mais o que sempre foi, não é mais uma cabeça oca, e já não decorre da escassez de informação e de conhecimento. Na era digital, ela decorre do inverso: o excesso de desinformação, de bugigangas do entretenimento, de quinquilharias imaginárias e de fanatismos virtuais.

Hoje, a ignorância não é uma casa inabitada, desprovida de ideias, mas uma edificação repleta de baboseiras desarticuladas, uma gosma de densidade pesada que ocupa todos os espaços. E é pisca-piscante: revestida de milhões de luzes feéricas, mais ou menos como um cassino em Las Vegas, e lotada de gente robotizada perambulando aleatoriamente, como a Praça dos Três Poderes sendo depredada no dia 8 de janeiro de 2023.

O que temos agora não é mais a ignorância da vacuidade, mas outra, a da overdose, a ignorância fabricada por algoritmos gelados e por tentáculos de silício. Estamos falando da ignorância artificial, uma forma densa e totalizante que ocupa e vicia o hospedeiro. Ao contrário do pensamento, que liberta e dá a ver, a ignorância artificial aprisiona e cega. Ela é o insumo de maior valor nas estratégias dos autocratas: entregue de graça para cada indivíduo, custa caro, muito caro, para a sociedade.

Por isso, os ignorantes de hoje não são mais como os de antigamente. Não são como a terra bruta ou a flor inculta, que nunca receberam o toque do jardineiro – foram adestrados pela selvageria e andam carregados até as tampas de preconceitos e de estereótipos, destituídos de imaginação própria. Não são um campo aberto à espera da luz e da letra – são corpos fechados e blindados contra qualquer gota de cultura. A ignorância artificial é a maior epidemia do nosso tempo.

E agora? Existirá cura para tamanha enfermidade? Talvez não. Para entendermos melhor essa resposta, voltemos no tempo. Mais exatamente, recuemos até à Grécia clássica. No  Laques, de Platão, o general Nícias, ao tratar do tema da coragem, comenta a hipótese da criança que, por desconhecer o perigo, age com aparente destemor. Nícias argumenta: nesse caso, a ação aparentemente livre de todo medo não traz nada de audácia, é apenas falta de conhecimento.

Com esse raciocínio, sugere que a bravura verdadeira requer consciência do risco: para ser valente de fato, o sujeito precisa ter instrução e juízo, precisa saber o que faz. Quanto aos idiotas, patriotas ou não, a exemplo das crianças pequenas, jamais estarão à altura da virtude da coragem.

Nícias, a exemplo de seus contemporâneos, vê semelhanças entre a falta de ilustração do adulto e a inocência infantil: ambas resultam da carência de saber, e por isso têm cura. Definidas pela ausência, as duas podem ser superadas pela presença – a presença do logos, da educação e da experiência. Em resumo, para essas duas formas naturais de ignorância, existe remédio.

Para a ignorância artificial, porém, o tratamento não tem a menor eficácia. Com sua substância maciça e, ao mesmo tempo, maleável, a ignorância artificial fecha todas as saídas e barra todas as entradas, de tal maneira que para os fanáticos não há educação ou experiência que dê jeito: nenhuma informação de qualidade os alcança; nenhum conhecimento os afeta.

Os novos ignorantes foram abduzidos por uma argamassa de obscurantismo luminescente que os impede de saber de si, de perguntar ao outro, de duvidar do que veem, de repensar o mundo. Eles não têm senso de humor. A ignorância da era digital os ocupa feito uma forma de trabalho que não os deixa trabalhar. É uma forma de torpor que não os deixa gozar – e um bordão hipnótico que não os deixa conhecer a si mesmos.

Ao menos no horizonte imediato, não há esperança. Nesses dias de tantas proezas tecnológicas e tantas máquinas miraculosas, não é apenas a inteligência que se tornou artificial, não é somente a intimidade que pode ser confeccionada pelos chips, não é apenas o espírito que pode ser replicado em laboratório. A ignorância também. A ignorância, quem diria, até ela, agora também é fabricada pela técnica.

 

* O artigo foi publicado originalmente no jornal  O Estado de São Paulo. Como não sou (nem nunca seria) assinante do periódico, cheguei ao texto através do site  A terra é redonda (link)


BG de Hoje

Eis uma das gravações mais impactantes do LED ZEPPELIN: When The Levee Breaks. Como é comum em se tratando do grupo britânico, a inspiração - *cof* roubo*cof,cof* - veio do blues negro norte-americano, embora, nesse caso, Jimmy Page e companhia pelo menos deram crédito a Memphis Minnie como uma das compositoras da canção. Num excelente artigo - Led Zeppelin and the folkloric integrity of the blues -, o musicista e professor Ethan Heine observa que a canção em si é meio boba, mas, graças ao excelente trabalho de engenharia de estúdio, a faixa sobe de patamar. Destaque para a gaita tocada por Robert Plant e a bateria majestosa de John Bonham, numa de suas mais exuberantes execuções, arrisco dizer. OBS: Quando se fala nessa banda é comum destacarmos Bonham, Plant e Page, mas quase nunca realçamos o quarto integrante, o que é uma injustiça. John Paul Jones é um multi-instrumentista no mesmo nível de talento dos outros, apenas mais low-profile.

 

Creio que vale a pena também conferir essa versão dentro do projeto Playing For Change, da qual John Paul Jones participou.

terça-feira, 16 de julho de 2024

"Gracilianas" (IV) - S. Bernardo


Nos dois últimos meses de 2013, estava disposto a escrever uma sequência de textos curtos sobre livros de Graciliano Ramos, mas - não me lembro por que - acabei cobrindo apenas três títulos: Cartas  (disponível aqui), Infância  (disponível aqui) e Angústia  (disponível aqui e aqui). Como reli S. Bernardo  por esses dias, resolvi acrescentar mais um capítulo à série, mesmo com quase 11 anos de atraso.

. . . . . . .

Por que alguns comentadores, através de S. Bernardo, ligam Graciliano Ramos a Balzac?

Honoré de Balzac poderia ser definido tranquilamente como o romancista do dinheiro, pois, em muitas de suas narrativas, a abundância ou a falta de recursos financeiros são elementos cruciais da trama. No segundo livro do escritor brasileiro, por sua vez, o protagonista (e também narrador) faz de tudo para firmar-se como um homem de posses, cujo símbolo máximo é a fazenda que dá nome ao romance.

Sabemos que Ramos foi um leitor atento do autor francês. Não seria um disparate dizer que o arrivismo de Paulo Honório espelha algumas figuras da Comédia Humana, ainda que temperado com as características do interior alagoano dos anos 1920-30.

Não pretendo, porém, fazer esse exercício comparativo na postagem de hoje. Menciono a aproximação primeiramente para bancar o ilustrado e, em segundo, para confessar minha simpatia por escritores que destacam o peso que o dinheiro tem no mundo.

Para exemplificar, observemos a cena narrada no capítulo XXXII. Acontece após o enterro de Madalena. D. Glória resolve ir embora de S. Bernardo e comunica ao proprietário. Ainda que a decisão demonstre todo o seu brio, sendo ela pobre e idosa, como iria se virar sozinha? Paulo Honório então diz: " - Pense no aluguel das casas na cidade, pense no preço dos remédios. Adoecer é fácil, d. Glória, mas tirar a moléstia do corpo é um trabalhão. Pense no mercado, no cobrador de luz, na pena-d'água. Hoje em dia a vida é difícil em toda parte, mas na cidade a vida é um buraco, d. Glória" ¹.

Ela acaba aceitando a fixação de uma pensão. Dessa maneira, o fazendeiro cumpre a promessa feita à esposa na noite anterior à morte dela. É um sujeito bruto e terrível, mas como negar o acerto de suas palavras a respeito dos custos para se viver na cidade (ou os custos para se viver em qualquer outro lugar)? D. Glória detestava Paulo Honório, o suicídio da sobrinha muito provavelmente só aumentou essa aversão. Entretanto, o pequeno estipêndio não é recusado.

No célebre ensaio Ficção e confissão, Antonio Candido afirma: "Em Paulo Honório, o sentimento de propriedade, mais do que simples instinto de posse, é uma disposição total do espírito, uma atitude geral diante das coisas. Por isso engloba todo o seu modo de ser, colorindo as próprias relações afetivas. Colorindo e deformando".²

A despeito da sensatez demonstrada na conversa com D. Glória, não me parece ser alguma irrupção de bondade que leva Paulo Honório a estatuir a pensão. É certo que se empenhou em procurar e acolher a velha Margarida em sua fazenda e decidiu proteger as filhas de Mendonça, o vizinho que ele mandou matar. Em todos esses casos, porém, o que temos é o pagamento de dívidas : as relações do personagem central com as demais deriva de seu sentimento de propriedade, um sentimento que confere a todos os vínculos um caráter comercial.

Sendo um texto totalmente centrado em seu protagonista-narrador, a psicologia deste é fundamental para a devida compreensão do romance. Segundo Candido, o "ritmo psicológico" de Paulo Honório é caracterizado por dois movimentos:

"[...] um, a violência do protagonista contra homens e coisas; outro, a violência contra ele próprio. Da primeira, resulta São Bernardo-fazenda, que se incorpora ao seu próprio ser, como atributo penosamente elaborado; da segunda, resulta São Bernardo-livro-de-recordações, que assinala a desintegração da sua pujança. De ambos nasce a derrota, o traçado da incapacidade afetiva".

Essa incapacidade afetiva fica escancarada numa das passagens mais sensacionais do livro:

"Já viram como perdemos tempo em padecimentos inúteis? Não era melhor que fôssemos como os bois? Bois com inteligência. Haverá estupidez maior que atormentar-se um vivente por gosto? Será? Não será? Para que isso? Procurar dissabores? Será? Não será?"

Ainda que elemento importantíssimo na vida em geral, o dinheiro, contudo, no caso de Paulo Honório, não foi suficiente para dar-lhe tranquilidade. 

Não é comum, mas um feroz capitalista conhece derrotas às vezes.

_______________

¹ RAMOS, Graciliano. S. Bernardo. 87 ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. Todas as citações do romance nesta postagem foram extraídas dessa edição.

² CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão. In: ____________. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. 3 ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006. p. 17-99

BG de Hoje

Estou de férias. Glória aos direitos trabalhistas (e ao regime estatutário também) ! Ah, como eu gostaria que o clima preponderante (pelo menos em alguns dias) desse período fosse o da canção exibida abaixo: Quando a polícia chegar  (AUTORAMAS).

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Os mais difíceis aprendizados

 

 "Conhece-te a ti mesmo".

 

Qual o significado dessa frase? 

No frigir dos ovos, quer dizer o quê?

Dando uma rápida passeada pelo Google, achei a máxima num artigo de empreendedorismo do Sebrae, noutro de uma fundação vinculada ao espiritismo e também no texto de uma consultoria para "educação corporativa", entre outros URLs.  Pelo visto, o  dito também dá o ar da graça em páginas e perfis do Facebook e do LinkedIn como ponto de partida para mensagens motivacionais. Em comum nessas várias aparições está a ideia de que conhecer-se a si mesmo deve ser algo como um exercício de autoanálise com vistas a fazer do sujeito uma pessoa supostamente melhor - a depender do enfoque, uma pessoa mais equilibrada, ou mais produtiva, ou mais preparada para a liderança, etc.

Na cultura pop, a frase fez algum sucesso graças a Matrix, lançado em 1999. O(a) eventual leitor(a) deve se lembrar da cena em que Neo entra num prosaico apartamento para consultar o oráculo e saber se é ou não o Escolhido. É recebido por uma senhora que assava biscoitos. Ela aponta para uma plaqueta na porta da cozinha em que está escrito Temet nosce. Marilena Chaui faz uso dessa cena em Convite à Filosofia (um livro voltado principalmente para o Ensino Médio¹), explicando que ela "é a representação, no futuro, de um acontecimento do passado, ocorrido há 23 séculos, na Grécia",  no qual figurava Sócrates.

Chaui estabelece outras relações entre o protagonista do filme e o personagem mais destacado dos diálogos platônicos para, algumas páginas adiante, apresentar uma definição:

"Alguém que tomasse essa decisão [de colocar em questionamento os outros e a si próprio] estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a cumprir o que dizia o oráculo de Delfos: 'Conhece-te a ti mesmo'. E estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica" [grifo da autora]

E complementa: "Assim, uma primeira resposta à pergunta 'O que é filosofia?' poderia ser: 'A decisão de não aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido' ".

Temos então um outro sentido: conhecer-se a si mesmo deve ser parte importante de uma disposição que leve o sujeito a desenvolver uma atitude filosófica (ou seja, uma atitude inquiridora) perante à existência, sem aquiescer pura e simplesmente às convenções e praxes vigentes e, quem sabe, capacitando-o a filosofar  futuramente (claro, se isso for de seu interesse).

Essas duas noções - conhecer-se a si mesmo como parte de uma estratégia de autoaprimoramento  e conhecer-se a si mesmo como "ferramenta" essencial para a adoção dessa chamada atitude filosófica - revelam diferenças, embora tenham a mesma fonte (a inscrição no templo de Apolo, em Delfos, posteriormente incorporada ao legado de Sócrates).

A primeira perspectiva, encontrada em textos relacionados ao discurso empreendedorista, nas dicas de como progredir no mundo corporativo ou simplesmente em mensagens "positivas", "good vibes", publicadas em mídias sociais, é resultado, penso eu, de um entendimento curto, não necessariamente errôneo, do aforismo délfico. Vou reproduzir um trecho do artigo encontrado no site do Sebrae para melhor ilustrar o que estou querendo dizer: "A famosa frase de Sócrates se transformou no que hoje chamamos de autoconhecimento, uma habilidade cujas pessoas que conhecem a si mesmas e sabem o que são e o que representam têm [sic]. A partir do autoconhecimento, é possível identificarmos as habilidades e capacidades que possuímos e o que nos motiva, evidenciando, assim, nosso propósito de vida".

Nesse caso, conhece-te a ti mesmo poderia ser traduzido como: liste suas virtudes e defeitos, seus pontos fortes e fracos, faça uma autoavaliação e veja como tudo isso auxilia ou atrapalha sua profissão/ocupação ou suas decisões financeiras (porque, afinal, essa perspectiva casa muito bem com a conformação capitalista).

Por outro prisma, a segunda interpretação vai além do simples autoconhecimento como competência a ser adquirida para determinado fim: nesse caso, conhece-te a ti mesmo poderia ser traduzido como: busque as razões de suas crenças, de suas convicções e de seus sentimentos e torne-as matéria de reflexão.

Há quem defenda - bambambãs do mundo acadêmico, como Paulo Ghiraldelli Jr, por exemplo - que a incorporação daquela mensagem colocada lá no templo de Delfos séculos e séculos atrás tem pouco ou nada a ver com isso, pois deriva de uma visão vulgarizada de Sócrates, não muito condizente com as circunstâncias históricas. Quem sou eu, porém, para imiscuir-me nesse debate, um reles blogueiro que nem sequer conseguiu terminar a graduação.

Além do mais, o tema do "conhece-te a ti mesmo" me ocorreu por causa de uma canção de Gilberto Gil, lançada há cerca de 51 anos, escutada por mim tantas outras vezes ao longo da vida, mas que só me fez parar para pensar mesmo há apenas algumas semanas. 

E é essa canção que desejo realmente discutir na postagem de hoje. 

Começo reproduzindo a letra:

 

PRECISO APRENDER A SÓ SER
                                                                            

Sabe, gente,
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir
O que dizer, o que calar, a quem querer.

Sabe, gente,
É tanta coisa que eu fico sem jeito
Sou eu sozinho e esse nó no peito
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.

Sabe, gente,
Eu sei que, no fundo, o problema é só da gente
E só do coração dizer não, quando a mente
Tenta nos levar pra casa do sofrer.

E quando escutar um samba-canção
Assim como: 
Eu preciso aprender a ser só
Reagir e ouvir o coração responder:
Eu preciso aprender a só ser.

Sabe, gente,
É tanta coisa que eu nem quero saber.

Como escrito acima, as primeiras apresentações da canção para uma plateia ocorreram em 1973, ano seguinte ao retorno do cantor e compositor baiano ao Brasil, após o exílio. Uma dessas performances foi particularmente marcante: um show na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (mais tarde registrado no disco Ao vivo na USP), realizado após o sequestro, tortura e morte de um estudante da instituição pelo DOI-CODI. Houve participação direta do público, dialogando com o artista sobre variados temas. A apresentação é encerrada justamente com a canção da qual estamos falando.

Segundo Vinícius R. Souto e Almir C. Barreto, em artigo publicado em 2021 ², "apesar de elaborada sob a repressão da ditadura militar que assolava o país, a canção de Gil é também marcada pelos valores libertários trazidos pela contracultura". Entre estes, "destacavam-se a liberdade de expressão das escolhas comportamentais individuais e a investigação de preceitos e práticas das filosofias orientais. Esse último é central em  Preciso aprender a só ser".

Mencionado em duas passagens, "o coração - símbolo do sensível, da intuição, do espontâneo - é a solução para as questões provocados pela mente - símbolo da racionalidade, da lógica, da cultura ocidental". Ainda de acordo com os mesmos articulistas:"Esse modo de ser e estar no mundo, que reconhece os pensamentos em sua abundância e fugacidade como algo a ser moderado e balanceado, está identificado com o que, de maneira geral, as filosofias das culturas orientais propagam"  - por exemplo, o taoísmo (ou daoísmo, como queiram).

O ouvinte, imediatamente a partir do título, sabe que a criação de Gil faz uma conexão direta com outra (Preciso aprender a ser só), cujos autores são Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, lançada em 1964, e interpretada por vários artistas (minha versão favorita é com Alaíde Costa). Para além do jogo de palavras (ser só - só ser), ambas pertencem ao gênero que se convencionou chamar de samba-canção e "o centro tonal de Preciso aprender a só ser está em Lá maior, assim como na canção referência", observam Souto e Medeiros. O importante aqui, porém, são as distinções. Embora as duas tematizem a solidão e a angústia, os sentimentos expressos no trabalho dos irmãos Valle advêm da desilusão amorosa, enquanto que, na composição de Gilberto Gil, o primeiro estado (a solidão) é proposto "como local de recolhimento, de liberdade" - nas palavras do próprio autor: 'resgate do prazer dessa solidão, como um grande refúgio, igual a um grande casulo onde você é você' -, e o segundo estado (a angústia), por sua vez, "é de caráter existencial, do indivíduo diante das tantas possibilidades e responsabilidades a respeito de como colocar-se no mundo".

Na conclusão de seu artigo, Souto e Medeiros escrevem:

"Quem esperava que Gilberto Gil exaltasse os ânimos da audiência na USP, abalados pela morte de Alexandre Vannucchi Leme [o estudante sequestrado pelo DOI-CODI], talvez tenha se decepcionado. Cantada como um acalanto, ao final de um show carregado de discussões e reflexões, Preciso aprender a só ser afirmou a necessidade de uma reestruturação pessoal, íntima. A busca proposta era de conciliar os próprios contrários, o oriental e o ocidental de  Oriente, Chiclete com banana - música que se seguiu a  Oriente na apresentação -, o Objeto sim, objeto não, os públicos da música de protesto e os tropicalistas, e [...] o 'ser só' com o 'só ser', a solidão como abrigo. É o contraditório como humano, a pluralidade de opções vista como potência, os opostos como complementares, valores fundamentais de uma democracia subtraída naquele momento [1973]. Nas palavras do próprio Gilberto Gil sobre sua canção, 'é como se ela [Preciso aprender a só ser] colocasse o interlocutor à vontade e fosse feita para humanizar os ambientes' "

Quando se tem em conta o contexto histórico, versos como "O que cantar, como andar, onde ir,/ O que dizer, o que calar, a quem querer" - para além do cerceamento típico das ditaduras - nos fazem pensar num certo patrulhamento com que o artista baiano talvez fosse obrigado a lidar; afinal ele e os tropicalistas não eram vistos, por parte da esquerda da época, como suficientemente engajados na luta contra a ditadura (mesmo Gil tendo sido preso pelos militares e composto, por exemplo,  Cálice, junto com Chico Buarque). 

Analisar a canção contextualmente é bastante enriquecedor, não há dúvida, mas vou me permitir ir um pouco além, mirando-a com os olhos de hoje, sem, contudo, forçar os limites da interpretação. Se concordarmos que  Preciso aprender a só ser  afirma "a necessidade de uma reestruturação pessoal, íntima", tal "conselho" vale em qualquer época.

Há, de fato, "tanta coisa pra gente saber". E há também muita cobrança em torno disso. Junto aos deveres que se espera de um cidadão com um mínimo de escrúpulo no século XXI, existe a avalanche de informação que nos engole todos os dias, chegando até a sufocar. Não sei você, eventual leitor(a), mas inúmeras vezes me pego perguntando: é essa a conduta que devo mesmo seguir em tal ou qual questão? Será que agi suficientemente cônscio nessa ou naquela situação?

Aqui o conhece-te a ti mesmo  e o  preciso aprender a só ser  se encontram. Pouca coisa no mundo é mais difícil do que se investigar - admitir os próprios preconceitos, reconhecer falhas pessoais, dar-se conta das próprias limitações (intelectuais e emocionais) - e do que se aceitar (o advérbio    é pequenininho, tem apenas duas letras, mas assume um significado imenso na letra de Gil). A meu ver, são aprendizados que nunca chegarão a um término.

Diante disso, os dois últimos versos da canção atualmente têm me feito um bem danado:

"Sabe, gente,/ É tanta coisa que eu nem quero saber".

Uma forma de escapismo? Não creio. Acho que é mais a constatação de que, apesar de tanto esforço (e não se pode simplesmente deixar o mundo pra lá, se nos pensamos como indivíduos responsáveis), não conseguiremos compreender o tanto que gostaríamos de compreender.

_______________

¹ Convite à Filosofia (Editora Ática, 14ª edição, 2012) é uma publicação, a meu ver, de introdução à disciplina e, portanto, pode ser lida por qualquer interessado em se iniciar nesse campo do conhecimento, independentemente de ser ou não um estudante secundarista. Aliás, nunca é demais lembrar que, desde a implementação do famigerado Novo Ensino Médio, a Filosofia não tem mais um espaço específico na grade curricular dessa etapa da educação básica, convertendo-se num componente da área Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

² SOUTO, Vinícius Rangel; BARRETO, Almir Cortes. Do 'ser só' ao 'só ser': uma análise da canção Preciso aprender a só ser, de Gilberto Gil, e seus (con)textos. Per Musi : Scholarly Music Journal, n°41, 2021, p.1-21. Disponível em:  <https://doi.org/10.35699/2317-6377.2021.33529>.  Acesso em 09/06/2024

BG de Hoje

Obviamente, Preciso aprender a só ser, de GILBERTO GIL.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Distanciar-se do embrutecimento

 
"A ciência, com muita poesia,
descobriu que somos feitos
com a mesma matéria
das estrelas,
e até nossos pensamentos
brilham, estelarmente.

Por isso convém andar
com delicadeza e cuidado:
nossos gestos e palavras
- já que também 
somos estrelas -
podem mudar o universo.

Universo, de Roseana Murray - Manual da delicadeza: de A a Z

 

 

Está difícil, cada vez mais difícil, o convívio em áreas urbanas.

Além dos riscos e da violência decorrentes das ações criminosas propriamente ditas (assaltos, extorsões, homicídios, estupros, etc.), sempre se pode acrescentar algo à lista de problemas: montes de lixo e entulho largados onde não se deve; o cheiro insuportável de urina nas localidades centrais; poluição sonora nas mais variadas formas; as vias entupidas de carros estacionados ou tentando se locomover; a descortesia como primeira reação diante de qualquer contratempo, mesmo os menores...

Fomos (e continuamos a ser) condicionados a desvalorizar a ideia do viver coletivamente,  levados a evitar a colaboração uns com os outros. Somos, isso sim, instigados a agir isoladamente: pessoas que precisam levar vantagem e se dar bem sobre os outros em tudo. A (mal denominada) lei de Gerson. Farinha pouca, meu pirão primeiro. A exacerbação do individualismo. No limite, o risco de não conseguirmos reverter os efeitos da atomização social.

Para piorar, há aqueles que sentem dentro de si uma irrefreável necessidade de promover intimidação. Entre estes, eu incluo, sem qualquer receio, os criadores/donos/tutores de cães da raça pitbull.

Não é aconselhável generalizar. Evitarei, contudo, a precaução nesse caso. Duvido muito que a ferocidade e a robustez dessa variedade específica de cachorro não são os principais motivos para que seja comprada (pois também não acredito que os muitos exemplares do animal encontrados por aí vieram de adoção). Quem mantém um pitbull quer aterrorizar os outros, simples assim, ainda que alegue ser para vigilância e proteção (não caio nessa). O sujeito passeando na rua com o bicho ao lado parece almejar uma espécie de mutualismo (perdoem-me os biólogos pelo abuso no emprego do termo), tomando emprestado para si - pelo menos imageticamente - o terror que o cão infunde. O recado dado é: "Também sou uma ameaça. Vai encarar?".

Eu não vou. Se, mesmo à distância, avisto o cachorro e seu acompanhante fanfarrão, retrocedo, mudo de rota, entro em alguma loja, tudo para não me aproximar.

Outro dia estava num bar que frequento aqui em Belo Horizonte e me aparece um tipo desses: senta-se à mesa na calçada, cheio de si, trazendo um pitbull marrom imenso, seguro apenas pela coleira ¹. Foi-se embora a pouca satisfação que estava tendo ao tomar minha cerveja e minha dose de cachaça no balcão. Pedi a conta e saí. Vale dizer que o cidadão foi estudante em uma escola onde trabalhei anos atrás e era o típico aluno-problema (não vou aqui me deter na adequação ou não do termo). Agora que é um adulto, não o tenho como exemplo de pessoa cordial.

O(a) eventual leitor(a) certamente ouviu ou leu a respeito de ataques de pitbull que resultaram em gente morta ou com ferimentos graves. Em alguns incidentes, a vítima era o próprio criador/dono/tutor do cachorro. Para ser honesto, não se tem, até onde eu saiba, nenhum estudo que aponte essa raça como sendo inerentemente mais agressiva do que outras. Como escrevi acima, contudo, não procurarei ser precavido na minha arenga. Esses cães são pavorosos.

Existem cerca de 340 a 350 raças reconhecidas pela Federação Cinológica Internacional e uma parte dessas com certeza é de animais grandes e capazes de fazer um potencial delinquente pensar duas vezes antes de arriscar qualquer coisa. Não é frequente, porém, vermos muitos desses outros cachorrões sendo exibidos por aí. A preferência pelo pitbull não tem a ver com a procura por um cão de guarda ou porque se tem uma afeição particular pelo monstrengo. Escolhe-se, como escrevi acima, para se mostrar como alguém que intimida (a má reputação da fera garante isso) e, portanto, alguém que não deve ser contrariado.

Penso que os criadores/donos/tutores desse tipo de cachorro são pessoas embrutecidas. Desconfio que vários desses indivíduos já deviam manifestar uma aptidão para a escrotice desde pequenininhos, mas, ao falar em embrutecimento, quero dizer com isso que houve (e há) escassez de delicadeza na vida desse pessoal.

Aqui vai uma autocrítica. Nunca me vi como uma pessoa especialmente gentil e sensível. Preciso estar sempre vigilante para conter meu primeiro impulso - a rispidez - no trato com outras pessoas no dia a dia. Demoro a identificar refinamentos e perceber o que há de belo em muitos objetos e fenômenos com as quais me deparo. E tenho dificuldade em me enternecer. 

A leitura literária, entretanto, há muito veio em meu socorro e ajudou a atenuar esses traços detestáveis. Falo a verdade: já fui poupado de muitos constrangimentos e embrulhadas nessa vidinha ordinária porque, graças à literatura, consegui atingir certa compreensão - restrita, mas valiosa - do que nos faz ser o que somos, bem como passei a ter um olhar menos obtuso sobre as coisas. A literatura me trouxe delicadeza, posso dizer.

Tenho quase certeza que criadores/donos/tutores de pitbull não tentam se colocar no lugar dos outros. Não ouvem boa música. Não abandonam nem por um segundo sua crença no cada-um-por-si.

Muito provavelmente, claro, também não leem literatura.

Em abril deste ano, a poeta Roseana Murray foi atacada por três cães pitbull numa manhã, quando saiu para fazer atividade física. Bastante ferida, permaneceu 13 dias internada e teve um dos braços amputados. Os animais, provenientes de uma das casas vizinhas, estavam soltos na rua e sem focinheira, descumprindo a legislação do Estado do Rio de Janeiro. Até onde sei, as três pessoas (dois homens e uma mulher) identificadas como responsáveis pelos cachorros estão sendo denunciadas por maus-tratos, não terem guardado com a devida cautela os animais e lesão corporal culposa, mas respondem ao processo em liberdade.

Esse caso é bem ilustrativo do que estou tentando expor hoje. Uma senhora de mais de 70 anos, artista da palavra, sai de casa para se exercitar e - boom! - a brutalidade da vida urbana ² avança sobre ela impiedosamente, devido à negligência e (ouso dizer) a insensibilidade de vizinhos.

Como a grande maioria dos leitores, conheci o trabalho de Roseana Murray através de seus livros voltados para crianças e adolescentes. Classificados poéticos (1984) tornou-se um clássico da literatura infantojuvenil brasileira, mas meu preferido é Casas (1994). Em 2001, a escritora publicou um volume intitulado justamente Manual da delicadeza. Espero que o(a) eventual leitor(a) concorde comigo que ler poemas é uma forma de nos distanciarmos do embrutecimento.

Em 2002, Hebe Coimbra organizou um conjunto de textos de Murray escritos em períodos de tempo diferentes e que tinham como destinatário o público adulto: Poesia essencial (Editora Manati). Dois poemas ali reunidos me deram o que pensar quando estava na preparação desta postagem. Reproduzirei os dois abaixo:

ESCRITA
 
com seus labirintos vazios
o que dói é a vida
o destino desarrumando as esquinas
 
um mistério atravessa 
nossos olhos distraídos
como um barco que invisível
cruzasse as montanhas
 
o que dói é a vida
e sua indecifrável escrita

 

 

ESTILHAÇOS
 
hoje alguma coisa se quebrou
como um cálice atrás do palco
todos os dias alguma coisa se quebra
varrer para debaixo da alma
essa água quebrada
esse silêncio estragado
 

Quem dera que tudo fosse literatura. Mas a realidade, essa escrita que passamos o tempo todo nos esforçando em desvendar, nunca descansa. Não para de despedaçar as coisas, estragar os silêncios. 

Porém, meu texto preferido na coletânea é este:

 
A MESMA FONTE
 
eu quero te contar
a minha vida
espalhar na mesa
os vidrilhos as lãs
com que fiei meus sonhos
e te falarei dos meus infernos
e precipícios
de quantas mortes morri
enquanto me olhava no espelho
eu quero te falar
de longas esperas
em plataformas vazias
te falar de um trem
que nunca chegava
de um navio de areia
escorrendo entre os dedos
eu quero te contar
a minha vida
em suas insignificantes
nuances
sem esconder os fantasmas
nos bolsos internos da alma
eu quero te contar
a minha vida
no que ela tem de náusea
e desejo
amassando as palavras
como se fossem de argila
eu quero te falar
dos ventos que embaralhavam
a casa
das minhas caixas e cofres
das minhas magoadas estrelas
eu quero te falar
da minha vida
como se escrevesse em tua 
pele
e me inscrevesse nela
porque em algum recanto
sombrio
a minha vida tem folhas
que são da tua
e não me pertence apenas
o meu cotidiano
é feito com a mesma
esgarçada renda do teu
e nesse lugar
à beira do imaginário
nos encontramos
e bebemos da mesma fonte

 

É difícil demais encontrar alguém com quem se possa "falar de longas esperas/em plataformas vazias", "de um trem/que nunca chegava", alguém que perceba que nosso cotidiano "é feito com a mesma/esgarçada renda". 

No seu blog (que não é atualizado há anos, é preciso dizer), Roseana Murray anotou numa postagem:

"Logo no princípio do Dr.Fausto, do Thomas Mann, lemos que nem as religiões podem reprimir as forças arcaicas e destruidoras que habitam o homem. Apenas a literatura pode fazer isso. Escrevo sentada num Café e não tenho o livro comigo para fazer a citação exata. Mas é mais ou menos isso. Sabemos que os regimes totalitários sempre queimaram livros. A própria Igreja Católica tinha o seu índice de livros proibidos. Penso que essas forças arcaicas podem sim ser domadas com a literatura, pois é quando nos misturamos com um personagem, assumimos sua vida e suas dores, que aprendemos a compaixão no melhor sentido da palavra e exercitamos a empatia".
 
Talvez seja depositar uma confiança exagerada na arte literária.  

Mas, se a alternativa é o embrutecimento, por que não?

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¹ Aqui em Belo Horizonte, o Decreto Nº 11.215/2002 proíbe a livre circulação dos pitbulls sem o "uso de focinheira e correntes". No nível estadual, a legislação não é tão categórica em relação aos apetrechos exigidos para controlar os pitbulls (e outros cães ferozes) quando saem para a rua. A Lei Nº 16.301/2006 menciona que é "obrigatória a utilização de equipamentos de contenção do animal" (artigo 6º), mas não há detalhamento (basta apenas coleira simples? e quanto à focinheira, não precisa?). Essas regras, contudo, entram para o grupo daquelas incontáveis leis que "não pegam": o artigo 4º  da norma estadual explicitamente proíbe "a adoção, a procriação e a entrada de cães da raça pitbull no Estado", mas esses impedimentos não tem significado quase nada.

² Embora o município de Saquarema (onde reside Roseana Murray) tenha em torno de 90 mil habitantes, não dá para ser considerada uma cidadezinha singela do meio rural, pois não está tão distante assim da capital do Rio de Janeiro.

BG de Hoje

Registros (em áudio ou vídeo) de performances musicais ao vivo raramente me agradam. Entretanto, essa apresentação de TINA TURNER na segunda metade dos anos 1980, interpretando Addicted To Love, de Robert Palmer, é sensacional. Na época, a cantora estava em turnê pela Europa, embora eu não saiba exatamente em que ano e em que cidade ocorreu a gravação abaixo. A interação com o público (e a própria euforia da plateia), a boa disposição dos músicos, os diferentes ângulos da filmagem, o jeito de dançar - meio engraçado, mas bacana - de Turner, a voz poderosa... tudo resulta numa combinação de arrasar!