"NINGUÉM PEDIU A SUA OPINIÃO !"
Não me recordo de alguém ter me dito essa frase desde que me tornei adulto (na época de criança, entretanto, aconteceu algumas vezes). Não me lembro de vê-la escrita nos comentários de algo que postei, durante o tempo em que fui usuário do Facebook e do Twitter - nunca me arrisquei no Instagram nem no TikTok (e utilizo o WhatsApp apenas para troca de mensagens rápidas e básicas). Também não há registro dela nos comentários do blog, quando a seção para este fim esteve aberta aqui.
Houve, obviamente, quem desaprovasse ou discordasse de minha fala/postagem. Pensando bem, olhando tudo com franqueza, na imensa maioria das vezes - e é assim para um sem-número de perfis na web -, a fala/postagem não provocou nenhuma resposta. Na verdade, foi simplesmente ignorada.
Estou tentando dizer é que nunca me senti desencorajado a dar opiniões.
Mas, afinal, por que dar opiniões sobre o que quer que seja?
O que vale uma opinião?
Aqui no Besta Quadrada gosto de manter uma crônica escrita pelo Antonio Prata na qual, jocosamente, se faz um alerta para a "praga" das opiniões espalhada de alto a baixo, graças às plataformas e meios digitais. O cronista observa que "hoje, cada ser humano conectado à rede é uma miniempresa de comunicação de si mesmo, atrás de atenção", o que leva muitos a embrulhar sua opinião num envoltório mais chamativo ou estridente para que ela se destaque em meio a zilhões de outras em circulação. Então dá-lhe tiradas humorísticas desumanizantes, bate-bocas pejados de grosseria e desinformação, discursos intolerantes que tentam se vender como "autênticos" e "verdadeiros".
Tudo isso provoca um nivelamento danoso, se me for permitido dizer.
Na atual "bolsa mundial de ideias" - para usar uma expressão do Antonio Prata -, o parecer de um especialista, com anos de estudo e trabalho em determinada área do conhecimento, pode acabar tendo o mesmo peso que o falatório irresponsável de um influencer cuja notoriedade, sei lá, proveio de um vídeo em que ele comia minhocas com molho ao sugo. O(a) eventual leitor(a) deve se lembrar de um sujeito que chegou a defender a existência de um partido nazista no Brasil e era um dos apresentadores de um podcast/mesacast de audiência gigantesca na internet. Recentemente, para poder vender produtos e cursos no mínimo questionáveis, um camarada que afirma ser a diabetes uma doença causada por vermes (!) no pâncreas processou uma bióloga, Ana Bonassa, doutora em Fisiologia Humana, e uma farmacêutica, Laura M. de Freitas, doutora em Biociências, que desmentiram essa alegação absurda (felizmente, o STF suspendeu, algumas semanas depois, a punição imposta às cientistas em primeira instância).
Mesmo pessoas com um nível de escolaridade satisfatório não conseguem, muitas vezes, diferenciar uma argumentação fundamentada de uma cascata eficientemente maquiada para parecer coisa genuína, porque vivemos cercados por muita poluição informacional/comunicacional.
Bastante tardiamente, estou me dando conta de que sou um dos poluidores.
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Se a procedência das informações deixou de ser relevante para um grande número de pessoas, qual o nível de honestidade e zelo a se esperar nas discussões e debates a serem travados na busca por possíveis entendimentos mútuos? Na formação da chamada opinião pública, por que poderosos grupos de mídia dão mais atenção a determinados indivíduos e não a outros? Assumindo que interagimos uns com os outros num contexto de sobrecarga de informação e estímulos comunicacionais, qual deve ser a melhor postura ética a se adotar para evitar a proliferação de inverdades e notícias mal apuradas? Como nos entendermos em relação à liberdade de expressão: conceito que pode refletir tanto um valor (quase) sagrado como a evasiva perfeita para contaminar o espaço público com toda sorte de farsas e disseminação de ódio?
Esmiucemos um pouco mais esses questionamentos.
Suponho que o(a) eventual leitor(a) já se deparou com o termo tio (ou tiozão) do Zap. Refere-se àquelas pessoas (em sua grande maioria homens) que têm uma grande tendência a acreditar nas chamadas fake news e relatos oriundos da cultura conspiracionista. Pior, o tio do Zap constantemente repassa desinformação. Como o nome sugere, por causa dos laços de parentesco, esse indivíduo, ao menos em princípio, desfruta de alguma credibilidade dentro da família a que pertence. Em muitos casos, possui uma certa ascendência sobre outros porque ocupa um cargo de chefia ou é dono de um pequeno negócio com alguns empregados. São muitos os tios do Zap espalhados por aí. Não é só sua capacidade de influenciar outros que me preocupa: é perceber que existe toda uma grande produção (dá pra se falar em indústria?) de mentiras e difamação voltada diretamente para esse público. Vemos hoje políticos que se aproveitam dessa situação, dirigindo-se especificamente para esse segmento, abandonando qualquer escrúpulo na hora de tentar persuadi-lo.
Quando olho para as empresas jornalísticas e de mídia, que lidam profissionalmente com a comunicação e a veiculação de informação e, pelo menos em tese, de forma mais responsável, não me sinto menos desalentado. Dou um exemplo: quase sempre quando a GloboNews chama um economista para discutir algum assunto de sua área aparece alguém vinculado à FGV ou ao Insper ou à XP Investimentos, instituições estreitamente enlaçadas com o mercado financeiro e com o empresariado graúdo. Não estou afirmando que há vigarice nisso, longe de mim, mas será que num país tão amplo como o Brasil não haveria outros economistas com visões e posicionamentos diferentes? A imprensa corporativa - jornalões como Folha de SP, O Globo, Estadão ; emissoras de TV; portais de notícias como o Uol -, a despeito de terem perdido (e continuarem a perder) relevância na transmissão de notícias e na formação das opiniões, ainda tem um significativo papel na circulação das ideias e pontos de vista prevalecentes na sociedade. E muitas vezes nos esquecemos de que essa imprensa não é um imparcial serviço de utilidade pública. Ora, são empresas (ou seja, visam lucro) cujos interesses coincidem com os de outros estabelecimentos empresariais, frequentemente anunciantes dessa mesma imprensa. Tais interesses, vale dizer, quase nunca beneficiam trabalhadores informais e assalariados de baixa e média renda, que compõem a maioria da população ocupada.
Sempre que penso na sobrecarga de informação e no excesso de estímulos comunicacionais, lembro imediatamente do Youtube. Digo, sem pestanejar, que a mendicância por likes e inscritos, além das súplicas para clicar no sininho de notificações, para doar dinheiro ou tornar-se membro do canal, estão entre os comportamentos mais irritantes da contemporaneidade, peditório que atravessa uma porcentagem enorme dos vídeos lá postados, cada um deles brigando pelo seu bocado na economia da atenção. Porém, nem todos os produtores/criadores de conteúdo (para usar um termo afeito ao meio) parecem preocupados com a mínima lisura ou com a correção do que propagam no Youtube ou em outros locais da web (e, por favor, não me tomem como um caga-regras lamuriento). Há casos obviamente extremos (como terraplanistas, antivacinas e sites na linha do abjeto InfoWars), sem falar em empreendimentos como a Brasil Paralelo, que se apresenta numa roupagem sóbria e pretensamente equilibrada, mas não é difícil para os menos incautos compreender a natureza de suas produções. O modo como as próprias Big Techs operam favorece a difusão de material fraudulento. Quem assistiu ao (muito citado) docudrama O dilema das redes (The Social Dilemma, 2020 - direção de Jeff Orlowski, distribuído pela Netflix) talvez se recorde de uma das falas do cientista da computação Jaron Lanier:
"Criamos um mundo em que se tornou fundamental ter conexões virtuais, principalmente para as gerações mais novas. Mesmo assim, naquele mundo, sempre que duas pessoas se conectam, o único lucro gerado é por meio de um terceiro que está pagando para manipular aquelas duas. Então criamos uma geração global de pessoas que crescem dentro de um contexto em que o significado da comunicação e o significado de cultura estão atrelados à manipulação. Colocamos a manipulação sorrateira no centro de tudo que fazemos".
Além disso, é dificílimo responsabilizar essas gigantescas empresas de tecnologia por não tomarem medidas efetivas para coibir os abusos e crimes cometidos pelos seus usuários (o médico Drauzio Varella, por exemplo, moveu um processo contra a Meta, cansado de ver seu nome e imagem sendo usados para vender remédios falsos no Facebook e no Instagram). Esses conglomerados têm alergia a regulações governamentais (sobre esse tema, sugiro a leitura da entrevista do economista (laureado com um Nobel) Joseph Stiglitz, publicada no site OutrasMídias). Vale mencionar, aliás, que o Google claramente se posicionou e agiu contra o PL 2630, conhecido como PL das Fake News.
E quanto à liberdade de expressão? Muita gente por aí crê que ela seja um direito absoluto. Basta, entretanto, observar a legislação brasileira e a atuação do poder judiciário em determinados casos para reconhecer o quanto essa crença não tem fundamento. O Marco Civil da Internet, por exemplo, na Seção III, artigo 19, estabelece a responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros através dos assim chamados provedores de aplicações de internet , quando o dito conteúdo é apontado como infringente. Além disso, várias decisões judiciais (inclusive no STF) tidas por alguns como "censura" ou "cerceamento" da liberdade de expressão ancoram-se na proibição legal dos discursos de ódio (por exemplo, Lei Federal nº7.716, de 05/01/1989 e Lei Federal nº12.288, de 10/07/2010) e de atos que caracterizam tentativas de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Lei Federal nº 14.197, de 01/09/2021). Ora, a maioria de nós sabe o valor do direito de se expressar livremente (e isso inclui proferir ofensas às vezes, gostemos ou não). Minha exasperação, entretanto, decorre da desonestidade que permeia muitos desses discursos circulando por aí em defesa da liberdade de expressão: não se trata legitimamente da proteção à manifestação do pensamento independente, mas sim de uma artimanha, garantindo ao suposto defensor a oportunidade de se desresponsabilizar, confortavelmente, pelos seus atos e falas, bem como pelas consequências destes.
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É verdade que qualquer indivíduo conectado à internet pode expor e divulgar sua opinião/ponto de vista/crítica/avaliação concernente a qualquer acontecimento ou entidade (existente ou não) sob o Sol. E até além dele.
Mas, aqui entre nós, na imensa maioria das vezes, essa opinião/ponto de vista/crítica/avaliação precisava mesmo ser exposta e divulgada?
Veja o caso deste blogueiro que vos escreve.
Por falar na palavra blog e suas derivadas, não custa lembrar as conotações negativas associadas a elas. Alguns profissionais da imprensa, como razão em muitos casos, desdenham o termo blogueiro - equivalente, para eles, a um pseudojornalista, a um diletante de imaginação fértil ou, na pior das hipóteses, a um enganador hábil a serviço de grupos ou indivíduos interessados em promover desinformação. O vocábulo blogueirinha é usado depreciativamente para designar influenciadores digitais - em sua maioria, mulheres - que, independentemente do que veiculem em seus espaços na web (em geral, dicas de maquiagem, moda, rotinas de atividade física ou viagem, etc.), são tachadas como fúteis e alienadas.
Voltando a pergunta: por que insisto em manter este blog?
Como escrevi aqui, assim como as outras pessoas, às vezes também sinto necessidade de me comunicar. Minha atividade blogueira remedia parte dessa necessidade, além de me trazer grande satisfação às vezes, quando avalio que consegui produzir um bom texto sobre um assunto de que gosto. Além disso, neste espaço, posso imaginar o interlocutor que gostaria de ter no mundo offline. Acabo falando sozinho, naturalmente, mas o(a) eventual leitor(a) não tem noção de como isso me faz bem. O Besta Quadrada , nesta década e meia de publicações, tornou-se um espaço vital, indispensável para minha sanidade.
Nada disso, entretanto - inclusive o fato de que não sou lido por ninguém ¹ -, poderia servir como desculpa para lançar ainda mais contaminantes na descomunal poluição informacional/comunicacional existente, mesmo apelando para esse papo de "escrita terapêutica".
Iniciei minha trajetória "bloguística" escrevendo sobre Literatura. Mais tarde, resolvi lançar meus pitacos sobre Filosofia. Quando dei por mim estava até arriscando análise política e observações a respeito de fenômenos sociais.
Mas quem foi que me perguntou alguma coisa? Foda-se a minha opinião/ponto de vista/crítica/avaliação !
Acho que devo parar. Só que ainda não consigo.
O que fazer?
[ Atualização em 12/12/2024 ] O Supremo Tribunal Federal começou a julgar, no dia 27 de novembro, a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da internet. Tem-se a avaliação, dentro e fora do STF, de que seria preciso fazer uma revisão neste item da Lei Federal nº12.965/2014, pois o ambiente na web modificou-se tremendamente no últimos 10 anos, com as Big Techs acumulando um enorme poder. O debate remete a questões ligadas à liberdade de expressão, mas também leva em conta o dano que os conteúdos mal-intencionados e ilegais, veiculados através dessa corporações gigantescas, causa a indivíduos e instituições. Pessoalmente, tendo a concordar com o voto (já manifestado) do relator, Dias Toffoli, que considera o artigo inconstitucional e aumenta a responsabilidade dessas empresas (para além dos usuários) com relação a postagens criminosas. Talvez valha a pena publicar algo sobre essa discussão aqui no blog posteriormente.
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¹ Se você, eventual leitor(a), chegou a este texto, a afirmação de que não sou lido por ninguém cai por terra, claro. Mas ela foi empregada apenas como força de expressão, querendo dizer que este blog não tem público, não atrai qualquer tipo de atenção significativa.
BG de Hoje
LUIZ MELODIA, Congênito.
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