Há dois escritores brasileiros pelos quais tenho grande admiração (o que não quer dizer que sejam meus preferidos): Lima Barreto e Graciliano Ramos. Já li toda a obra de ambos. Apesar disso, neste blog, só tratei do primeiro autor em duas ocasiões (Nocautes 3 e ...Revolução silenciosa chamada literatura). Ao segundo (mais grave ainda), não dediquei uma postagem sequer. Começo a remediar a falta imperdoável, a partir de hoje, com esta nova série de impressões de leitura, prevista para durar até o dia 12 de dezembro, quando o Besta Quadrada entrará em recesso. E começo com a reunião das Cartas*, que foram dadas à publicação em 1980 por Heloísa Ramos, viúva do escritor alagoano.
Destaco, entre os 112 escritos reunidos nesse volume, a carta 77, cuja data é 3 de abril de 1935. Graciliano Ramos encontrava-se em Maceió, ocupando o cargo de Diretor da Instrução Pública de Alagoas. A carta foi destinada a Heloísa, que, na época, estava no município de Palmeira dos Índios. A essa altura, Caetés e São Bernardo já circulavam nos meios literários.
Ramos relata ter escrito duas correspondências "a dois sujeitos de Minas" (Oscar Mendes e Jaime de Barros, articulistas na imprensa), cujo assunto principal era o livro São Bernardo. Os textos enviados, segundo o escritor, eram "umas cartas literárias, cheias de merda de galinha". E lamenta:
Em cartas anteriores a essa, destinadas a uma das irmãs, ao pai e ao amigo de toda a vida, J. Pinto da Mota Lima Filho, o escritor havia revelado sua desconfiança e receio quanto a seu talento para persistir na carreira literária. Esses sentimentos não o abandonam, mesmo aos 43 anos, com dois romances publicados e um terceiro (Angústia) em fase final de elaboração.
Mas há um outro ponto essencial dessa carta que demonstra o modo como Graciliano Ramos compreendia a sua condição de escritor:
Visão semelhante terá o Luís da Silva, personagem central de Angústia. Longe de se colocar num terreno exclusivista, reservado aos artística ou intelectualmente "superiores", Ramos indica, por meio de uma avaliação acerba, o que são os literatos (e, por consequência, o que são todos aqueles envolvidos e interessados pela Literatura):
Ao término da carta, responde à esposa sobre a possibilidade de voltar a viver em Palmeira dos Índios:
O escritor, como é sabido, não veio para Minas. Mas certamente encontraria os "doentes" de que fala, caso viesse. "Doentes" como este blogueiro, que leem com dedicação a obra desse autor essencial.
Na próxima postagem, falarei sobre Infância.
Ramos relata ter escrito duas correspondências "a dois sujeitos de Minas" (Oscar Mendes e Jaime de Barros, articulistas na imprensa), cujo assunto principal era o livro São Bernardo. Os textos enviados, segundo o escritor, eram "umas cartas literárias, cheias de merda de galinha". E lamenta:
"Eu sou um literato horrível, e só dou para isso. Tenho procurado outras profissões. Tolice. Creio que meu pai e minha mãe me fizeram lendo o Alencar, que era o que havia no tempo deles. O Estado está pegando fogo, o Brasil se esculhamba, o mundo vai para uma guerra dos mil diabos, muito pior que a de 1914 - e eu só penso nos romances que poderão sair dessa fornalha em que vamos entrar".
Em cartas anteriores a essa, destinadas a uma das irmãs, ao pai e ao amigo de toda a vida, J. Pinto da Mota Lima Filho, o escritor havia revelado sua desconfiança e receio quanto a seu talento para persistir na carreira literária. Esses sentimentos não o abandonam, mesmo aos 43 anos, com dois romances publicados e um terceiro (Angústia) em fase final de elaboração.
Mas há um outro ponto essencial dessa carta que demonstra o modo como Graciliano Ramos compreendia a sua condição de escritor:
"Alagoas tem um milhão e duzentos mil habitantes [naquele tempo], mas na minha estatística há apenas uns três indivíduos, uns três e meio, quatro no máximo. Os que fazem política, os que vendem ou compram fazendas, os que plantam algodão e os que fabricam açúcar são de espécie diferente da minha".
Visão semelhante terá o Luís da Silva, personagem central de Angústia. Longe de se colocar num terreno exclusivista, reservado aos artística ou intelectualmente "superiores", Ramos indica, por meio de uma avaliação acerba, o que são os literatos (e, por consequência, o que são todos aqueles envolvidos e interessados pela Literatura):
"Somos uns animais diferentes dos outros, provavelmente inferiores aos outros, duma sensibilidade excessiva, duma vaidade imensa que nos afasta dos que não são doentes como nós. Mesmo os que são doentes, os degenerados que escrevem história fiada, nem sempre nos inspiram simpatia: é necessário que a doença que nos ataca atinja outros com igual intensidade para que vejamos nele um irmão e lhe mostremos as nossas chagas, isto é, os nossos manuscritos, as nossas misérias, que publicamos cauterizadas, alteradas em conformidade com a técnica. Tudo isto é muito pedante e muito besta, mas é continuação das cartas que escrevi ao Oscar Mendes e ao Jaime de Barros. Apenas suponho que esta vai saindo melhor, o que é ridículo".
Ao término da carta, responde à esposa sobre a possibilidade de voltar a viver em Palmeira dos Índios:
"É possível que nos metamos outra vez em Palmeira, que eu compre algodão e venda trapos, mas com certeza hei de comprar e vender muito mal. Comprando algodão ou vendendo fazenda, construindo o terrapleno da lagoa ou entregando os diplomas às normalistas [...], hei de fazer sempre romances. Não dou para outra coisa. Ora aqui [a capital Maceió] há uns dois ou três indivíduos que falam comigo. Aí não há nenhum. Estou, pois, com vontade de ir para Minas, onde há muitos leprosos. Talvez encontre outros doentes como eu".
O escritor, como é sabido, não veio para Minas. Mas certamente encontraria os "doentes" de que fala, caso viesse. "Doentes" como este blogueiro, que leem com dedicação a obra desse autor essencial.
Na próxima postagem, falarei sobre Infância.
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* RAMOS, Graciliano. Cartas. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 1986
[Atualização em 13/10/2016]: Após esta postagem, já escrevi outras três vezes sobre Lima Barreto: aqui, discutindo o romance Recordações do escrivão Isaías Caminha; e aqui e aqui, falando de aspectos biográficos do escritor carioca.
BG de Hoje
Entre tantas maravilhosas canções compostas por PAULINHO DA VIOLA, esta é das minhas prediletas: 14 anos.