terça-feira, 12 de novembro de 2013

"Gracilianas" (IIIa) - Angústia


Referindo-se à obra de Graciliano Ramos, Otto Maria Carpeaux observou que

"Toda literatura pessimista encontra uma resistência fanática: leitores e críticos não gostam disso. Sentem vagamente que arte e pessimismo se contradizem. Mas em vez de estudarem esteticamente a possível contradição, entrincheiram-se em regiões fora da arte, na filosofia, na ética, para bombardear o romancista com censuras de 'pouca generosidade' ou de niilismo insaudável. Não admito preconceitos. O pessimismo não é nem uma moral nem uma filosofia. É um estado de alma".

Parece ser este o estado de alma predominante em quase toda a obra de Graciliano Ramos. E tal pessimismo é ainda mais perceptível naquele que considero o melhor livro do artista alagoano: Angústia*.

Escrito em primeira pessoa, Angústia depende inteiramente do que nos conta o personagem-narrador Luis da Silva. Sob esse aspecto, portanto, assemelha-se a São Bernardo. A diferença está nas personalidades dos protagonistas. Paulo Honório é um homem de ação decidido; não são seus "estados mentais", digamos assim, que traduzem a força do romance e sim seus atos. Por outro lado, em Angústia, o mais fundamental para o leitor é saber o que se passa na consciência do atormentado Luis da Silva. Mas, afinal, quem é esse sujeito?

Um "molambo que a cidade puiu demais e sujou", ele nos diz no início do livro. Empregado numa "ocupação estúpida e quinhentos mil-reis de ordenado", chega a manifestar algum inconformismo: "Não sou um rato, não quero ser um rato". Mas acaba assumindo-se como um "percevejo social", que se ressente dos "sujeitos remediados que me desprezam porque sou um pobre-diabo".

O termo pobre-diabo, a propósito, lembra-me um ótimo ensaio escrito por José Paulo Paes, intitulado justamente O pobre diabo no romance brasileiro**. Neste artigo, Paes analisa esse tipo de personagem a partir da sua presença em pelo menos quatro livros: Os ratos (Dionélio Machado), O Coruja (Aluísio Azevedo), Recordações do escrivão Isaías Caminha (Lima Barreto) e, naturalmente, o de Graciliano Ramos. O ensaísta busca estabelecer um conceito (de inspiração socioeconômica):

"Embora o pobre diabo se situe por definição num dos estratos inferiores da pirâmide social - sua pobreza o condena a eles - não pode pertencer nem ao proletariado nem ao lumpemproletariado". Acaba sendo um "patético pequeno-burguês quase sempre alistado nas hostes do funcionalismo público mais mal pago, vive a beira do naufrágio econômico que ameaça atirá-lo a todo instante à porta da fábrica ou ao desamparo da sarjeta, onde terá de abandonar os restos do seu orgulho de classe".


Uma abordagem bastante adequada para compreender o Luis da Silva de Angústia. Tentarei ampliá-la um pouquinho mais na próxima postagem.
__________
* RAMOS, Graciliano. Angústia. 32 ed. Rio de Janeiro: Record, 1986

** PAES, José Paulo. O pobre diabo no romance brasileiro. In: ________. A aventura literária: ensaios sobre ficção e ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 39-61

BG de Hoje

Essa canção me intrigava muito quando eu era garoto. E até hoje me impressiona. Mal necessário, na interpretação de NEY MATOGROSSO.