quarta-feira, 13 de março de 2019

Falou e disse...

ANTES DO NOME *

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o 'de', o 'aliás',
o 'o', o 'porém' e o 'que', esta incompreensível 
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

* PRADO, Adélia. Antes do nome. In: ________. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991. p. 22 (Este poema integra o livro Bagagem, publicado originalmente em 1976)