O trânsito, em condições ideiais, deveria ser o espaço da obediência à lei e à norma, do tratamento e do reconhecimento igualitário entre seus diversos participantes. Ou seja, não deveria ocorrer o uso pessoal (personalista) das vias. Atentemos, entretanto, para este trecho do livro de DaMatta:
" Não existe motorista (nem cidadão-pedestre brasileiro) que não tenha ficado raivoso, impaciente, irritado ou até mesmo tenha entrado em surto neurótico com o automóvel da frente, de trás ou do lado, tomando-o como um adversário, jamais como parceiro ; que não tenha deliberadamente ultrapassado com alto risco um sinal, em nome de alguma tarefa urgente ou superior ; que não tenha demorado para sair de uma vaga com a intenção de perturbar ou sacanear, como falamos coloquialmente, aquele carinha - o outro motorista que, impaciente, espera por sua vez ; e que não tenha, como um bárbaro assassino em potencial, indignado e ofendido, enfiado o pé na tábua ao ver um pedestre aflito deslocando-se alguns metros à sua frente. A menos que um contato visual, acompanhado de um gesto adequado, indicativos de deferência ou reconhecimento pessoal, atenue essas atitudes tradicionais e esperadas de hostilidade e distanciamento, a alteridade negativa predomina em todos os tipos de interação social realizados em ambientes marcados pelo anonimato e pela impessoalidade na sociedade brasileira. Em outras palavras, o motorista ao lado é um inimigo - um outro absoluto - até que ele ou nós façamos um gesto que nos permita reconhecê-lo e transformá-lo numa pessoa. Aí ele instantaneamente perde sua desumanidade, deixa de ser imbecil ou panaca sujeito a agressão, e passa a ser cocidadão digno de respeito e de consideração ".
Bem antes da leitura deste livro já adotava, como estratégia preventiva, o contato visual e gestual ao atravessar as ruas apinhadas de carros da cidade em que moro ; já desconfiava de que a maioria dos motoristas deseja que nós, pedestres, demonstremos deferência para com eles.
O trânsito brasileiro é personalista. Pior: como demonstra Roberto DaMatta ao longo do livro, reproduz comportamentos aristocráticos arraigados em nossa sociedade e que comprometem qualquer tentativa de regulação e ordenação do espaço público (no caso, as ruas e avenidas dos grandes centros urbanos). Continuo na próxima postagem.
* DaMATTA, Roberto. Fé em Deus e pé na tábua ou Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010 [colaboram João Gualberto M. Vasconcellos e Ricardo Pandolfi]
Não quer dizer que por ouvir rock pesado a maior parte do tempo eu não aprecie outros modos de ser fazer música: não sou um "xiita do heavy metal". Por isso, o BG de hoje traz o samba Nada de rock rock, bem bolada crítica à invasão de música estrangeira que começava a acontecer no Brasil na década de 1950, composta por HEITOR DOS PRAZERES.
Bem antes da leitura deste livro já adotava, como estratégia preventiva, o contato visual e gestual ao atravessar as ruas apinhadas de carros da cidade em que moro ; já desconfiava de que a maioria dos motoristas deseja que nós, pedestres, demonstremos deferência para com eles.
O trânsito brasileiro é personalista. Pior: como demonstra Roberto DaMatta ao longo do livro, reproduz comportamentos aristocráticos arraigados em nossa sociedade e que comprometem qualquer tentativa de regulação e ordenação do espaço público (no caso, as ruas e avenidas dos grandes centros urbanos). Continuo na próxima postagem.
* DaMATTA, Roberto. Fé em Deus e pé na tábua ou Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010 [colaboram João Gualberto M. Vasconcellos e Ricardo Pandolfi]
BG de Hoje
Não quer dizer que por ouvir rock pesado a maior parte do tempo eu não aprecie outros modos de ser fazer música: não sou um "xiita do heavy metal". Por isso, o BG de hoje traz o samba Nada de rock rock, bem bolada crítica à invasão de música estrangeira que começava a acontecer no Brasil na década de 1950, composta por HEITOR DOS PRAZERES.