quinta-feira, 5 de julho de 2012

"Sempre é possível triunfar"... Sobre o quê?



No primeiro episódio da série de animação Futurama (criada por Matt Groening) há uma cena muito engraçada, quando Fry conhece o robô Bender, de forma involuntária, dentro de uma cabine de suicídio, na qual o rapaz havia entrado por engano (veja a cena aqui). No futuro imaginado pelos roteiristas da série, suicidar-se será tão simples e corriqueiro quanto fazer uma ligação telefônica.

Lembrei-me dessa cena ao ler a matéria de capa da penúltima edição da revista Época*. A reportagem, assinada por Felipe Pontes, entrevistou quatro brasileiros inscritos na organização Dignitas, que pratica o chamado suicídio assistido, na Suiça.

A primeira dos entrevistados (que sofre de ateromatose) diz: “Não me sinto uma suicida, jamais pularia da janela. Apenas quero morrer dormindo”. A segunda, uma ex-atleta, tetraplégica após acidente durante um mergulho, fala de como os outros não entendem a sua decisão: “As pessoas são egoístas, só pensam quanto elas sofrerão se eu for embora. Não conseguem ter ideia do meu sofrimento”. Um terceiro considera ser “nobre oferecer ajuda a quem está sofrendo” e o último dos entrevistados, mais pragmático, é direto: “As pessoas não fazem seguro de vida? Vejo o que fiz como um seguro de morte”.

O que se pode depreender a partir dessas declarações? 1) Suicidar-se, mesmo que seja para evitar um sofrimento maior é, em si, um ato muito sofrido (daí o desejo de morrer dormindo) ; 2) ninguém – a não ser o sofrente – tem a exata noção do que é conviver com o sofrimento intenso e prolongado ; 3) não se deve “condenar ao fogo do inferno” quem auxilia aquele que deseja morrer ; 4) e o tema suicídio assistido deveria ser discutido com menos passionalidade.

Pessoalmente, sou favorável ao suicídio assistido. Digo mais: acho que a sociedade deveria parar de ser tutelada pelas opiniões religiosas, que condenam invariavelmente o suicídio, e começar a pensar e discutir esse ato extremo sob outros vieses (e quem sabe até inventando, no futuro, uma cabine de suicídio).

Aliás, a matéria da Época não fugiu ao expediente típico (e preguiçoso) desse tipo de reportagem: ouviu apenas o que tinham a dizer as “autoridades” religiosas. Não se consultou nem um jurista, nem um psicólogo, nem um filósofo. Ah, o físico Stephen Hawking foi ouvido... para corroborar a intenção da matéria (que não teve equilíbrio algum, pendendo para o lado que considera a prática um pecado). Reproduziu-se na capa da revista, omitindo um trecho importante, a seguinte declaração do cientista: “Encerrar a própria vida é um erro. Sempre é possível triunfar”. Mas no texto da matéria lê-se [grifos meus]: Acho que as pessoas têm o direito de encerrar a própria vida, mas seria um erro [...]”.

E há aqui ainda outro ponto a ser discutido. O verbo triunfar, de fato, é intransitivo na maioria de suas acepções e usos; mas numa delas, de acordo com o “Houaiss” - “livrar-se de dificuldade; obter bom resultado” - é transitivo. Se a morte pode ser considerada uma dificuldade (inevitável e invencível), o que significaria então sempre é possível triunfar? Triunfar sobre o que, exatamente?

* Ajuda-me a morrer. Época, São Paulo, n. 736, 25 jun. 2012, p. 82-91

BG de Hoje

Das bandas mais inteligentes e inventivas da história do rock. Estou falando do TALKING HEADS (aqui num de seus maiores hits: Wild wild life).