No
primeiro episódio da série de animação Futurama (criada
por Matt Groening) há uma cena muito engraçada, quando Fry conhece o robô Bender, de forma involuntária, dentro de uma cabine de suicídio, na qual o rapaz havia entrado por engano (veja a cena aqui). No futuro imaginado pelos roteiristas da série,
suicidar-se será tão simples e corriqueiro quanto fazer uma ligação
telefônica.
Lembrei-me
dessa cena ao ler a matéria de capa da penúltima edição da
revista Época*. A reportagem, assinada
por Felipe Pontes, entrevistou quatro brasileiros inscritos na
organização Dignitas, que pratica o chamado suicídio assistido, na
Suiça.
A
primeira dos entrevistados (que sofre de ateromatose) diz: “Não me sinto uma suicida, jamais pularia da janela. Apenas quero
morrer dormindo”. A segunda, uma ex-atleta, tetraplégica após
acidente durante um mergulho, fala de como os outros não entendem a
sua decisão: “As pessoas são egoístas, só pensam quanto
elas sofrerão se eu for embora. Não conseguem ter ideia do meu
sofrimento”. Um terceiro considera ser “nobre oferecer
ajuda a quem está sofrendo” e o último dos entrevistados,
mais pragmático, é direto: “As pessoas não fazem seguro de
vida? Vejo o que fiz como um seguro de morte”.
O que se
pode depreender a partir dessas declarações? 1) Suicidar-se, mesmo
que seja para evitar um sofrimento maior é, em si, um ato muito
sofrido (daí o desejo de morrer dormindo) ; 2) ninguém – a
não ser o sofrente – tem a exata noção do que é conviver com o
sofrimento intenso e prolongado ; 3) não se deve “condenar ao fogo
do inferno” quem auxilia aquele que deseja morrer ; 4) e o tema
suicídio assistido deveria ser discutido com menos
passionalidade.
Pessoalmente,
sou favorável ao suicídio assistido. Digo mais: acho que a
sociedade deveria parar de ser tutelada pelas opiniões religiosas,
que condenam invariavelmente o suicídio, e começar a pensar e
discutir esse ato extremo sob outros vieses (e quem sabe até
inventando, no futuro, uma cabine de suicídio).
Aliás, a
matéria da Época não fugiu ao expediente típico (e preguiçoso)
desse tipo de reportagem: ouviu apenas o que tinham a dizer as “autoridades” religiosas. Não se consultou nem um jurista, nem um
psicólogo, nem um filósofo. Ah, o físico Stephen Hawking foi
ouvido... para corroborar a intenção da matéria (que não teve
equilíbrio algum, pendendo para o lado que considera a prática um
pecado). Reproduziu-se na capa da revista, omitindo um trecho
importante, a seguinte declaração do cientista: “Encerrar a
própria vida é um erro. Sempre é possível triunfar”. Mas
no texto da matéria lê-se [grifos meus]: “Acho
que as pessoas têm o direito de encerrar a própria vida,
mas seria um erro [...]”.
E há
aqui ainda outro ponto a ser discutido. O verbo triunfar, de
fato, é intransitivo na maioria de suas acepções e usos; mas
numa delas, de acordo com o “Houaiss” - “livrar-se
de dificuldade; obter bom resultado” - é
transitivo. Se a morte pode ser considerada uma dificuldade (inevitável e invencível), o que
significaria então sempre é possível triunfar? Triunfar
sobre o que, exatamente?
*
Ajuda-me a morrer. Época,
São Paulo, n. 736, 25 jun. 2012, p. 82-91
BG
de Hoje
Das
bandas mais inteligentes e inventivas da história do rock. Estou
falando do TALKING HEADS (aqui num de seus maiores hits: Wild
wild life).