terça-feira, 24 de julho de 2012

Religião robótica


Um dos melhores contos de Eu, robô * - clássico da ficção científica escrito por Isaac Asimov em 1950 - chama-se Razão.

É uma narrativa bem-humorada na qual QT-1, robô montado para controlar uma Estação Solar e curioso em relação à sua existência, conclui ter sido escolhido pelo "Mestre" (na verdade, o Conversor de Energia da estação) para ser seu profeta.

O que torna o conto ainda mais fascinante é o modo como o robô chegou a tal conclusão.

QT-1 é um racionalista puro (em determinado momento um dos personagens humanos da narrativa, Gregory Powell, diz: "Por Júpiter, um robô Descartes!"). Para se ter uma ideia, quando questionado a respeito das evidências percebidas através dos telescópios que observava, QT-1 reage: "Desde quando a evidência de seus sentidos compara-se à luz clara do raciocínio rígido?". O robô não tem dúvida de que a cadeia de raciocínios que o levou ao "Mestre" é a correta.

Asimov faz questão de ressaltar essa estranha armadilha da lógica. "Você pode provar o que quiser através do frio raciocínio lógico, desde que escolha os postulados adequados", observa o personagem Powell, e acrescenta: "Postulados são baseados em conjecturas e aceitos pela fé. Nada no universo poderá abalá-los".

Importante observar que a palavra , utilizada no excerto acima citado, não foi uma boa escolha (por parte do autor ou, talvez, do tradutor - não sei dizer); melhor teria sido crença, menos carregada de conotação religiosa. E Isaac Asimov não tinha nenhuma simpatia pelas religiões. Daí o lado irônico da narrativa.

Uma das passagens mais divertidas do conto se dá quando QT-1, "olhando para cima devotamente", afirma que "existem coisas que não devem ser investigadas por nós". O profeta robótico, mesmo considerando-se um "ser racional, capaz de deduzir a Verdade a partir das Causas" - mas que não considera os livros "uma fonte válida de informações"  - adota a mesma postura obscurantista e anti-intelectualista da maioria dos adeptos das religiões humanas.
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* ASIMOV, Isaac. Eu, robô.  Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 [tradução de Jorge Luiz Calife]

BG de Hoje

Um clipe infantilmente sádico. Mas eu acho muito engraçado. Ah, e a canção também é ótima: Drunk girls, com o LCD SOUNDSYSTEM