Graças a um dos melhores professores de quem já tive a felicidade de ser aluno, Murilo Marcondes de Moura, aproximei-me da poesia de outro Murilo - no caso, o Mendes - sem ficar com o pé atrás. Como se sabe, após a morte do pintor Ismael Nery, seu amigo, o poeta mineiro converte-se de vez ao catolicismo. Seu texto poderia se tornar tão chato quanto o de Jorge de Lima, mas felizmente não foi o que aconteceu. Foi o professor Murilo quem me auxiliou a olhar para a obra do escritor deixando o preconceito religioso de lado.
Falemos agora de um de seus melhores poemas: Jandira* (que pode ser encontrado na íntegra aqui).
O leitor é fisgado desde o verso inicial - "O mundo começava nos seios de Jandira". É um poema fortemente imagético, algo a se esperar de um artista tão tocado pelo surrealismo:
Ou, de maneira mais sintética:
E por meio da sua "ginofilia extrema" (a expressão é de José Guilherme Merquior), o poeta imprime um erotismo nada velado a seus versos, algo que me surpreendia por imaginá-lo, antes de conhecer mais profundamente sua poesia, um tremendo carola:
Ou
Foi através de uma das aulas dadas pelo professor Murilo Marcondes de Moura que atentei para a pretensão mítica deste poema, revelando uma das características mais singulares desse poeta tão intenso: a "constante incorporação do eterno ao contingente", nas palavras de Manuel Bandeira**.
E repare: Jandira, surgida do caos e engendrando o mundo, quase divina, é a mesma a fazer as famílias tropeçarem nas conversas e um padre esquecer o sinal da cruz durante a missa. Para aumentar o prosaísmo, seu marido morre na epidemia da gripe espanhola... O sublime e o corriqueiro casam-se perfeitamente no texto do poeta: seu surrealismo se manteve "à margem dessa ' maldição ' semiótica, a obscuridade visceral da criação moderna", como notou Merquior.
É pena Murilo Mendes ser lembrado, principalmente nos círculos escolares, apenas por sua História do Brasil (a propósito, um ótimo livro), mas O visionário e A poesia em pânico, por exemplo, são também excelentes.
Falemos agora de um de seus melhores poemas: Jandira* (que pode ser encontrado na íntegra aqui).
O leitor é fisgado desde o verso inicial - "O mundo começava nos seios de Jandira". É um poema fortemente imagético, algo a se esperar de um artista tão tocado pelo surrealismo:
"[...]
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados,
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira..."
Ou, de maneira mais sintética:
"[...]
E sua boca era um disco vermelho
Tal qual um sol mirim
[...]"
E por meio da sua "ginofilia extrema" (a expressão é de José Guilherme Merquior), o poeta imprime um erotismo nada velado a seus versos, algo que me surpreendia por imaginá-lo, antes de conhecer mais profundamente sua poesia, um tremendo carola:
"[...]
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
E eram precipitados nas delícias do inferno
[...]"
"[...]
E Jandira se casou
E seu corpo inaugurou uma vida nova,
Apareceram ritmos que estavam de reserva,
Combinações de movimento entre as ancas e os seios".
Foi através de uma das aulas dadas pelo professor Murilo Marcondes de Moura que atentei para a pretensão mítica deste poema, revelando uma das características mais singulares desse poeta tão intenso: a "constante incorporação do eterno ao contingente", nas palavras de Manuel Bandeira**.
E repare: Jandira, surgida do caos e engendrando o mundo, quase divina, é a mesma a fazer as famílias tropeçarem nas conversas e um padre esquecer o sinal da cruz durante a missa. Para aumentar o prosaísmo, seu marido morre na epidemia da gripe espanhola... O sublime e o corriqueiro casam-se perfeitamente no texto do poeta: seu surrealismo se manteve "à margem dessa ' maldição ' semiótica, a obscuridade visceral da criação moderna", como notou Merquior.
É pena Murilo Mendes ser lembrado, principalmente nos círculos escolares, apenas por sua História do Brasil (a propósito, um ótimo livro), mas O visionário e A poesia em pânico, por exemplo, são também excelentes.
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* MENDES, Murilo. Jandira. In: ________________. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 202-204 [Este poema integra o livro O visionário, publicado pela primeira vez em 1941] OBS: As citações de José Guilherme Merquior incluídas nesta postagem foram extraídas dos texto Notas para uma Muriloscopia, integrante dessa edição das obras completas.
** BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. In: _____________. Seleta de prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997
** BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. In: _____________. Seleta de prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997
BG de Hoje
TIM MAIA, a despeito de seu trabalho como compositor, foi também um grande intérprete. Escolhi Lábios de mel para o BG, mas poderia ter optado por outras do disco Reencontro, de 1979. Esse álbum, comprado por uma de minhas irmãs mais velhas, não saia do toca-discos da nossa antiga casa.