Peço, por gentileza, a atenção do(a) eventual leitor(a) deste blog ao seguinte excerto:
"Os riscos de uma revolta contra a escola são imprevisíveis, mas não menos horríveis que os riscos de uma revolução que principiasse em qualquer outra grande instituição. A escola ainda não está organizada para a autoproteção tão eficazmente quanto um Estado-nação ou uma grande corporação. A libertação das amarras da escola poderia acontecer sem derramamento de sangue. As represálias dos inspetores escolares e dos seus aliados nas cortes e agências de empregos poderão assumir formas cruéis contra o transgressor individual, especialmente se for pobre, mas serão impotentes contra o surgimento de um movimento de massa".
Essa passagem foi retirada do livro "maldito" Sociedade sem escolas*, de Ivan Illich. Reflexo dos agitados e pretensamente contestadores anos 1960**, Sociedade sem escolas "fez a cabeça" de muita gente nas décadas subsequentes (li-o pela primeira vez por volta de 1996). Era um livro "contra o Sistema", as pessoas diriam na época de seu lançamento. Não suscitou, contudo, grandes modificações nas visões dos pedagogos (por isso coloquei o adjetivo "maldito" entre aspas). Desqualificaram-no por ser frágil, sociologicamente falando, na apresentação de dados que corroborassem seus argumentos***.
Ainda assim, nunca vi alertas que me incomodassem tanto, a respeito da problemátca escolar, a não ser na obra de Pierre Bourdieu (curiosamente, um pensador bastante diferente do autor de Sociedade sem escolas).
O trecho citado acima foi incluído para aproveitar a atmosfera "manifestativa" dos últimos dias, além de servir como demonstração do estilo rascante adotado pelo autor em seus escritos (há uma frase de efeito cunhada por ele da qual nunca me esqueci: "A escalada das escolas é tão destrutiva quanto a escalada armamentista, apenas que menos visível"). Vejamos outro exemplo desse modo verdadeiramente polêmico de se expressar:
"A escola não é, de forma alguma, a única instituição moderna que tem por finalidade primordial bitolar a visão humana da realidade. O secreto currículo da vida familiar, do recrutamento militar, da assistência médica, do assim chamado profissionalismo, ou dos meios de comunicação de massa têm importante papel na manipulação institucional da cosmovisão humana, linguagem e demandas. Mas a escola escraviza mais profunda e sistematicamente, pois unicamente ela está creditada com a função primordial de formar a capacidade crítica e, paradoxalmente, tenta fazê-lo tornando a aprendizagem dos alunos - sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a natureza - dependente de um processo pré-empacotado. A escola nos toca tão de perto que ninguém pode esperar ser dela libertado por meio de outra coisa qualquer".
Considero exagerado (e até falso) dizer que "a escola escraviza", mas, por outro lado, quem, sinceramente, acredita que essa instituição consegue "formar a capacidade crítica"? E é assustador como aceitamos, há décadas - naturalmente e sem colocar em dúvida - que a escolarização obrigatória, por si só, é benéfica para a sociedade. E nunca imaginamos alternativas a isso (a esse propósito, gostaria de falar sobre a proposta de Illich denominada "Serviço de consultas a educadores em geral", mas fica para outra oportunidade).
Mais outra passagem, pois diz respeito ao que tento fazer (em vão, aliás) no meu atual emprego:
"O sistema escolar repousa ainda sobre uma segunda grande ilusão, de que a maioria do que se aprende é resultado do ensino [...] Mas a maioria das pessoas adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da escola [...] A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo, a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada [...] A fluência na leitura é também, quase sempre, resultado dessas atividades extracurriculares. A maioria das pessoas que lê muito e com prazer crê que aprendeu isso na escola; quando conscientizadas, facilmente abandonam esta ilusão".
Vendo como a escola lida com a leitura, diariamente, não consigo deixar de concordar mais uma vez com Ivan Illich.
Venho formando, ao longo dos anos, a convicção de que as escolas são apenas espaços de guarda (Illich diria, no seu estilo, espaços de confinamento) nos quais crianças e jovens são lá colocados para que os adultos - os pais e mães deles - possam trabalhar (ou fazer outra coisa qualquer). E só.
* ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1973 [tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth]
** Embora o livro só tenha vindo a público no ano de 1970
*** Marcela Cajardo observa que "Illich trabalhou de maneira essencialmente intuitiva, sem referências maiores à experiência acumulada no domínio das teorias socioeducacionais ou de aprendizagem. Sua crítica surgiu e se desenvolveu em um vácuo teórico, o que explica, talvez, o pequeno crédito dado a suas teorias educacionais" [grifo meu] (CAJARDO, Marcela. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010. p. 26)
O trecho citado acima foi incluído para aproveitar a atmosfera "manifestativa" dos últimos dias, além de servir como demonstração do estilo rascante adotado pelo autor em seus escritos (há uma frase de efeito cunhada por ele da qual nunca me esqueci: "A escalada das escolas é tão destrutiva quanto a escalada armamentista, apenas que menos visível"). Vejamos outro exemplo desse modo verdadeiramente polêmico de se expressar:
"A escola não é, de forma alguma, a única instituição moderna que tem por finalidade primordial bitolar a visão humana da realidade. O secreto currículo da vida familiar, do recrutamento militar, da assistência médica, do assim chamado profissionalismo, ou dos meios de comunicação de massa têm importante papel na manipulação institucional da cosmovisão humana, linguagem e demandas. Mas a escola escraviza mais profunda e sistematicamente, pois unicamente ela está creditada com a função primordial de formar a capacidade crítica e, paradoxalmente, tenta fazê-lo tornando a aprendizagem dos alunos - sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a natureza - dependente de um processo pré-empacotado. A escola nos toca tão de perto que ninguém pode esperar ser dela libertado por meio de outra coisa qualquer".
Considero exagerado (e até falso) dizer que "a escola escraviza", mas, por outro lado, quem, sinceramente, acredita que essa instituição consegue "formar a capacidade crítica"? E é assustador como aceitamos, há décadas - naturalmente e sem colocar em dúvida - que a escolarização obrigatória, por si só, é benéfica para a sociedade. E nunca imaginamos alternativas a isso (a esse propósito, gostaria de falar sobre a proposta de Illich denominada "Serviço de consultas a educadores em geral", mas fica para outra oportunidade).
Mais outra passagem, pois diz respeito ao que tento fazer (em vão, aliás) no meu atual emprego:
"O sistema escolar repousa ainda sobre uma segunda grande ilusão, de que a maioria do que se aprende é resultado do ensino [...] Mas a maioria das pessoas adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da escola [...] A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo, a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada [...] A fluência na leitura é também, quase sempre, resultado dessas atividades extracurriculares. A maioria das pessoas que lê muito e com prazer crê que aprendeu isso na escola; quando conscientizadas, facilmente abandonam esta ilusão".
Vendo como a escola lida com a leitura, diariamente, não consigo deixar de concordar mais uma vez com Ivan Illich.
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Venho formando, ao longo dos anos, a convicção de que as escolas são apenas espaços de guarda (Illich diria, no seu estilo, espaços de confinamento) nos quais crianças e jovens são lá colocados para que os adultos - os pais e mães deles - possam trabalhar (ou fazer outra coisa qualquer). E só.
* ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1973 [tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth]
** Embora o livro só tenha vindo a público no ano de 1970
*** Marcela Cajardo observa que "Illich trabalhou de maneira essencialmente intuitiva, sem referências maiores à experiência acumulada no domínio das teorias socioeducacionais ou de aprendizagem. Sua crítica surgiu e se desenvolveu em um vácuo teórico, o que explica, talvez, o pequeno crédito dado a suas teorias educacionais" [grifo meu] (CAJARDO, Marcela. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010. p. 26)
BG de Hoje
Para mim, uma das melhores músicas dos RAMONES: Strength to endure. E, incrivelmente, não é cantada por Joey Ramone e sim por C. J., o baixista que acabava de substituir Dee Dee, membro original da banda.