A internet também tem seus "apóstolos". De Nicholas Negroponte a Pierre Lévy, todos eles ressaltam as maravilhas da web. Nesses últimos anos de internauta, porém, só tenho a dizer que educadores como eu continuam a ser tão mal remunerados como sempre foram...
Mas voltemos ao tema. A superxposição de vidas privadas e o culto em torno do eu ganharam notável impulso com o advento das tecnologias de comunicação e informação, como os celulares - o que já observamos. E, logicamente, situação similar pode ser percebida também na Internet.
Dos sites de relacionamento, passando pelo envio de e-mails com piadinhas e fotos, inclusão de videos domésticos no Youtube e chegando à blogosfera, temos acesso, de forma sem precedente na história, ao que acontece na "vidinha" de centenas de milhares de totais desconhecidos. E antes que me classifiquem como o maior "apocalíptico" da era da Internet, deixo registrado que mantenho um perfil no Orkut (e em outros sites do tipo), troco e-mails além daqueles necessários ao trabalho, divirto-me muito no Youtube e, como se pode facilmente constatar, aderi ao mundo dos blogs. Não sou tão infenso às tecnologias; o ponto de discussão aqui é outro.
Pergunto: o que fazer com tanta "informação" sobre situações particulares de gente que nunca vimos mais gorda? A resposta mais simples (e melhor): nada. Felizmente, não há viés utilitário (pelo menos, não imediato) em cada um desses estoques de dados sobre vidas privadas.
Contudo, meu receio surge em razão do que é que se está perdendo ao mergulharmos de cabeça nesse tsunami de particularismo. E neste caso - e só neste caso - concordo com as opiniões de autores como Mark Bauerlein (que escreveu The Dumbest Generation), quando argumentam que a era digital, apesar de toda a acessibilidade que deu ao conhecimento historicamente acumulado, pode criar "vácuos intelectuais" na sociedade, ao estimular (até involuntariamente) o abandono de meios tradicionais de veiculação do saber e da informação e favorecer uma excessiva imersão nas vidas privadas (próprias e alheias).
No mês passado li um artigo* de Nicholas D. Kristof, jornalista do New York Times. Kristof tratava de uma tendência da era da Internet: escolher somente aquilo que vai ao encontro de nosso ponto de vista e de nossa visão de mundo. Na busca individual por notícias, ele afirma que
"[...] em geral, não desejamos realmente informações confiáveis, e sim as que confirmem nossas ideias preconcebidas. Podemos acreditar intelectualmente no valor do choque de opiniões, mas na prática gostamos de nos encerrar no útero tranquilizador de uma câmara de eco".
Kristof alerta para os riscos de, por exemplo, selecionar os blogs a serem lidos apenas por afinidades ideológicas e/ou afetivas. Pode-se argumentar que ele, no fundo, está apenas defendendo os chamados "jornalões" (dos quais é funcionário), mas é difícil não refletir sobre alguns de seus argumentos:
"[...] vamos nos irritar menos com o que lemos e veremos nossas ideias preconcebidas confirmadas com mais frequência. O perigo é que esse ' noticiário ' autosselecionado aja como entorpecente, mergulhando-nos num estupor autoconfiante por meio do qual enxergaremos as coisas em preto e branco, sendo que os fatos normalmente se desenrolam em tons de cinza".
Diante deste cenário de extremo particularismo e concentração no círculo privado da existência - que gera, a meu ver, consequências danosas, entre elas, maior intolerância e enfraquecimento de vínculos de solidariedade suprafamiliar - acho que o ato de ler Literatura, por incrível que pareça, pode servir de atenuante. Mas isso fica para o último texto da série.
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* KRISTOF, Nicholas D. O meu jornal diário. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 mar. 2009, Caderno Mundo, p. 18.