quinta-feira, 2 de abril de 2009

E como é que fica o leitor?


Há uma passagem, logo no início de O prazer do texto*, em que Roland Barthes escreve:

"Apresentam-me um texto. Esse texto me enfara. Dir-se-ia que ele tagarela. A tagarelice do texto é apenas essa espuma de linguagem que se forma sob efeito de uma simples necessidade de escritura. [...] O senhor se dirige a mim para que eu o leia, mas para si nada mais sou do que essa direção; não sou a seus olhos o substituto de nada, não tenho nenhuma figura (apenas a da Mãe); não sou para si um corpo, nem sequer um objeto (isto pouco se me dá: não é a alma que reclama seu reconhecimento), mas apenas um campo, um vaso de expansão. Pode-se dizer que finalmente esse texto, o senhor o escreveu fora de qualquer fruição; frígido, como o é qualquer procura, antes que nela se forme o desejo, a neurose."

Embora eu não dê muita bola para os escritos com um pé (às vezes, os dois) na psicanálise, tenho pensado bastante nesse excerto, desde que decidi voltar a escrever cá na blogosfera.

Será que, ao lançar essas minhas impressões de leituras, eu não esteja me comportando justamente como esse "senhor do texto-tagarela"? Alguém que enxerga no futuro ou potencial leitor-visitante apenas "um vaso de expansão"? Tenho escrito coisas "fora de qualquer fruição"? 

Falo disso porque leio alguns blogs nos quais vejo, boa parte das vezes, "essa espuma de linguagem que se forma sob o efeito de uma simples necessidade de escritura", como escreveu Barthes (é preciso dar um desconto no uso que faço dessa citação, pois é preciso ter em mente que ele está falando dos textos que se arvoram literatura). 
 
São postagens tão auto-referentes (ou seria autorreferentes? - Maldita reforma ortográfica!) que às vezes me sinto como um bisbilhotário (mistura de bisbilhoteiro com otário), que nem devia estar metendo o nariz naquilo. Noutros casos, há tanta demonstração de erudição (meio postiça) que faz do espaço para comentários um mero "detalhe".

Evidentemente, não há regras estabelecidas para realizar blogs ou qualquer coisa parecida na Web. Como costuma dizer o Carlos Heitor Cony, vivemos na "era da internet lascada" Além do mais, são páginas pessoais (a propósito: o Pirata escreveu recentemente uma postagem falando sobre as características dos blogs, além de indicar alguns outros ótimos). Logo, cada um escreve o que quiser, ninguém tem nada com isso e estamos conversados. Os incomodados que cliquem em outra freguesia.

Porém, prefiro pensar que, se torno público o que escrevo, deveria me preocupar em não anular nem diminuir o outro que ocupa a posição de destino daquilo que desejo transmitir, mesmo que este outro seja percebido e considerado apenas como virtualidade (e a expressão virtualidade aqui empregada não é acidental).

Temo, contudo que eu próprio incorra, mais do que o suportável, nisso que acabei de criticar no parágrafo anterior, quando lanço minhas bobagens neste blog. Inclusive essa que você acabou de ler.

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* BARTHES, Roland. O prazer do texto (trad. J. Guinsburg). São Paulo: Perspectiva, 1987.