"A nós nos bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais".
Mario Quintana
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais".
Mario Quintana
Procure ser sincero na resposta. As conversas que você mantém com as outras pessoas de sua convivência têm sido satisfatórias, equilibradas, reconfortantes? É, também tenho detestado...
Em uma passagem de Quarup (livro de Antonio Callado*), o inverossímil ex-padre, protagonista do romance, em determinado momento faz a seguinte reflexão:
Penso que o romancista, neste trecho, desejava referir-se a um tema recorrente na Literatura: a (im)possibilidade de "libertar" certas palavras, termos, formas linguísticas e narrativas dos lugares-comuns, das conotações que se tornam convencionais. Para a continuação de nosso assunto, contudo, vou me valer apenas desse achado que é a expressão "diálogo de monólogos".
Espanta-me, frequentemente, a observação dos bate-papos (OK, reconheço, sou indiscreto centenas de vezes). Há muito pouco respeito pelos turnos da conversação: não se espera que o interlocutor termine sua fala; atropela-se o que está sendo dito, sem o menor constrangimento. Ou, em outros casos, aquele que fala, numa ânsia patética, procura não deixar brechas para que o interlocutor faça suas observações. Qual a razão disso?
Bem, não sou psicólogo nem estudioso de comportamentos. Dou de barato que tais situações se dão, em parte, por causa das rotinas sufocantes em que vivemos. Corre-se da casa para o trabalho, depois do trabalho para outro compromisso, daí para casa, já que é imprescindível dormir cedo para fazer tudo de novo no outro dia, e "tempo é dinheiro". Massacrados por horários, temos poucas oportunidades para qualquer tipo de conversa fiada com aqueles que nos são mais próximos. Resultado: quando uma dessas oportunidades aparece, despeja-se (a palavra é essa mesma), até nos ouvidos de pessoas nem tão íntimas, toda a nossa (humana) necessidade de comunicar o que vai por nossos corações e mentes.
Não me oponho a conversas desinteressadas (se é que essas existem); como dito acima, são uma necessidade humana. Mas as conversas adquiriram o formato de diálogos de monólogos, a meu ver, insuportáveis. Fala-se muito de si mesmo - e o que é pior - fala-se muito de meras banalidades e insignificâncias das quais todos nós estamos carecas de saber e experimentar em nossas próprias "vidinhas".
Essa característica dos colóquios (palavra antiquada esta, não?) acima apontada é, segundo penso, mais um desdobramento dessa projeção e hipertrofia do eu que venho discutindo desde a postagem anterior, ao falar do uso de celulares. Além disso e dos "diálogos de monólogos", a avalanche do eu (da qual, voluntária ou involuntariamente, também faço parte) não poderia encontrar lugar melhor para se acomodar no que a internet. Prossigo em outra postagem.
Em uma passagem de Quarup (livro de Antonio Callado*), o inverossímil ex-padre, protagonista do romance, em determinado momento faz a seguinte reflexão:
"As palavras, as palavras, pensou Nando. A luz só nasce dos monólogos. Firma-se em diálogos de monólogos ou em debates de monólogos. De palavras em debate não. Só areando todas as palavras de novo. Esfregando. Até reluzirem outra vez".
Penso que o romancista, neste trecho, desejava referir-se a um tema recorrente na Literatura: a (im)possibilidade de "libertar" certas palavras, termos, formas linguísticas e narrativas dos lugares-comuns, das conotações que se tornam convencionais. Para a continuação de nosso assunto, contudo, vou me valer apenas desse achado que é a expressão "diálogo de monólogos".
Espanta-me, frequentemente, a observação dos bate-papos (OK, reconheço, sou indiscreto centenas de vezes). Há muito pouco respeito pelos turnos da conversação: não se espera que o interlocutor termine sua fala; atropela-se o que está sendo dito, sem o menor constrangimento. Ou, em outros casos, aquele que fala, numa ânsia patética, procura não deixar brechas para que o interlocutor faça suas observações. Qual a razão disso?
Bem, não sou psicólogo nem estudioso de comportamentos. Dou de barato que tais situações se dão, em parte, por causa das rotinas sufocantes em que vivemos. Corre-se da casa para o trabalho, depois do trabalho para outro compromisso, daí para casa, já que é imprescindível dormir cedo para fazer tudo de novo no outro dia, e "tempo é dinheiro". Massacrados por horários, temos poucas oportunidades para qualquer tipo de conversa fiada com aqueles que nos são mais próximos. Resultado: quando uma dessas oportunidades aparece, despeja-se (a palavra é essa mesma), até nos ouvidos de pessoas nem tão íntimas, toda a nossa (humana) necessidade de comunicar o que vai por nossos corações e mentes.
Não me oponho a conversas desinteressadas (se é que essas existem); como dito acima, são uma necessidade humana. Mas as conversas adquiriram o formato de diálogos de monólogos, a meu ver, insuportáveis. Fala-se muito de si mesmo - e o que é pior - fala-se muito de meras banalidades e insignificâncias das quais todos nós estamos carecas de saber e experimentar em nossas próprias "vidinhas".
Essa característica dos colóquios (palavra antiquada esta, não?) acima apontada é, segundo penso, mais um desdobramento dessa projeção e hipertrofia do eu que venho discutindo desde a postagem anterior, ao falar do uso de celulares. Além disso e dos "diálogos de monólogos", a avalanche do eu (da qual, voluntária ou involuntariamente, também faço parte) não poderia encontrar lugar melhor para se acomodar no que a internet. Prossigo em outra postagem.
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* CALLADO, Antonio. Quarup. 12 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984