No encerramento da postagem anterior escrevi o seguinte:
Diante deste cenário de extremo particularismo e concentração no círculo privado da existência - que gera, a meu ver, consequências danosas, entre elas, maior intolerância e enfraquecimento de vínculos de solidariedade suprafamiliar - acho que o ato de ler Literatura, por incrível que pareça, pode servir de atenuante.
Tentarei justificar esse argumento valendo-me de dois ótimos escritores: Luis Fernando Verissimo e Ana Maria Machado.
Em uma crônica apropriadamente intitulada Perigo*, Verissimo fala daqueles livros "que ensinam as pessoas a fazer sucesso". Sem usar o termo, refere-se a boa parte dos manuais chamados de autoajuda. Para o escritor gaúcho, esses livros
Cresce a quantidade de "vencedores" , "numa sociedade em que as chances de vitória são claramente limitadas a quem tem pistolão e o topo já está tomado". Todas estas pessoas, anabolizadas com autoestima e autoconfiança muito acima dos níveis tolerados pela Organização Mundial de Saúde, circulam sempre se julgando muito especiais. Ou seja, mais um exemplo dessa hipertrofia da vida privada e do eu de que estamos falando. Verissimo percebe nisso tudo um fator "desagregador": "As pessoas com controle sobre sua própria vida são geralmente as que nos empurram, buzinam atrás de nós no trânsito e furam a fila do cinema".
Com seu humor característico, o escritor adverte que tudo isso pode, num extremo, chegar a atos violentos; para evitá-los, sugere que as editoras passem a publicar livros que
Ana Maria Machado**, por seu turno, argumenta que a Literatura permite uma melhor compreensão do outro, e predispõe-nos para a capacidade de negociar, para as tentativas de acordo, para a tolerância:
A mesma autora observa também que
Para "curar" as limitações dos pontos de vista circunscritos a nossas "vidinhas", recomendam-se doses de Literatura, três vezes ao dia, antes ou depois das refeições, a critério do paciente...
_________________
* VERISSIMO, Luis Fernando. A eterna privação do zagueiro absoluto: as melhores crônicas de futebol, cinema e literatura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
Diante deste cenário de extremo particularismo e concentração no círculo privado da existência - que gera, a meu ver, consequências danosas, entre elas, maior intolerância e enfraquecimento de vínculos de solidariedade suprafamiliar - acho que o ato de ler Literatura, por incrível que pareça, pode servir de atenuante.
Tentarei justificar esse argumento valendo-me de dois ótimos escritores: Luis Fernando Verissimo e Ana Maria Machado.
Em uma crônica apropriadamente intitulada Perigo*, Verissimo fala daqueles livros "que ensinam as pessoas a fazer sucesso". Sem usar o termo, refere-se a boa parte dos manuais chamados de autoajuda. Para o escritor gaúcho, esses livros
"[...] trazem um risco que não está sendo devidamente analisado. São livros persuasivos e eficientes que chegam a um número cada vez maior de leitores, convencendo-os de que eles são vencedores e de que nada pode detê-los. Mostram as pessoas como otimizar seu potencial para o sucesso, como adquirir autoconfiança e controle sobre suas vidas, como impor sua vontade aos outros e chegar ao topo."
Cresce a quantidade de "vencedores" , "numa sociedade em que as chances de vitória são claramente limitadas a quem tem pistolão e o topo já está tomado". Todas estas pessoas, anabolizadas com autoestima e autoconfiança muito acima dos níveis tolerados pela Organização Mundial de Saúde, circulam sempre se julgando muito especiais. Ou seja, mais um exemplo dessa hipertrofia da vida privada e do eu de que estamos falando. Verissimo percebe nisso tudo um fator "desagregador": "As pessoas com controle sobre sua própria vida são geralmente as que nos empurram, buzinam atrás de nós no trânsito e furam a fila do cinema".
Com seu humor característico, o escritor adverte que tudo isso pode, num extremo, chegar a atos violentos; para evitá-los, sugere que as editoras passem a publicar livros que
"[...] levem as pessoas a reexaminar sua recém-conquistada certeza de vitória e a pensar se ela não é um pouco irrealista, se um empate não seria suficiente. Livros chamados, por exemplo, Você é pior do que pensa, mostrariam que qualquer melhora na opinião que temos de nós mesmos é sempre comprometida pela falta de objetividade e provavelmente é um engano. Haveria capítulos com títulos como Sair da cama de manhã: isto é realmente necessário?, Dez razões pelas quais nada vale a pena."
"Neste sentido é que costumo dizer que ler ficção é um ato político, porque, assim como a poesia, também os romances e contos (e mais os filmes, as peças, as novelas) nos obrigam a entrar na pele de um outro e entender seus motivos, nos acostumando a uma aceitação intrínseca da diversidade".
A mesma autora observa também que
"Ler literatura, livros que levem a um esforço de decifração, além de ser um prazer, é um exercício de pensar, analisar, criticar. Um ato de resistência cultural. Perguntar ' para onde queremos ir? ' e ' como ' pressupõe uma recusa do estereótipo e uma aposta na invenção. Pelo menos, uma certa curiosidade diante de uma opinião que não é exatamente igual à nossa - e o benefício da dúvida, sem a convicção do monopólio da verdade".
Para "curar" as limitações dos pontos de vista circunscritos a nossas "vidinhas", recomendam-se doses de Literatura, três vezes ao dia, antes ou depois das refeições, a critério do paciente...
_________________
** MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.