"Conheci o que os gregos ignoram: a incerteza".
Do narrador do conto A loteria na Babilônia, de Jorge Luis Borges
Destino, providência, desígnio divino.... Não são poucos os que creem nessas noções. Por outro lado, também, não são poucos aqueles que acreditam haver uma ordem velada do universo, ainda não acessível ao entendimento humano, mas que nada tem de mágica, ordem esta intrínseca à própria natureza. Num caso ou noutro, a sorte e - sobretudo - o acaso são "forças" consideradas menores, inócuas até.
Porém... e se assim não fosse? É essa a indagação que parece conduzir Jorge Luis Borges no extraordinário conto A loteria na Babilônia*.
O narrador nos diz ser "de um país vertiginoso onde a loteria é parte principal da realidade: até o dia de hoje, pensei tão pouco nela como na conduta dos deuses indecifráveis ou de meu próprio coração". Originalmente um simples jogo de azar, a loteria cresce progressivamente, adquirindo "valor eclesiástico, metafísico". O motivo do crescimento? A introdução de "elementos não pecuniários", com a possibilidade do "sorteado" receber como "prêmio" dádivas, mas também sofrimento e desgraça. Ora - nos diz o narrador - "as vicissitudes do terror e da esperança (esse "vaivém") é algo "notoriamente delicioso". Ricos e pobres participavam igualmente. A loteria tornou-se "uma nova ordem" e "uma etapa histórica necessária". O poder público passou a controlar a Companhia responsável e a loteria tornou-se "secreta, gratuita e geral".
Escreve Borges:
A Companhia parecia controlar tudo e declarou - "argumento breve, que agora figura nas escrituras sagradas" - que "a loteria é uma interpolação do acaso na ordem do mundo e que aceitar erros não é contradizer o acaso: é corroborá-lo".
Mas a sacada genial do escritor argentino, nesse conto, foi também especular: não estaria o próprio acaso sujeito a algum tipo de orientação?
Desconsideramos frequentemente o acaso. Talvez seja um erro.
Na próxima postagem, escrevo sobre o livro O senhor das moscas, de William Golding.
Porém... e se assim não fosse? É essa a indagação que parece conduzir Jorge Luis Borges no extraordinário conto A loteria na Babilônia*.
O narrador nos diz ser "de um país vertiginoso onde a loteria é parte principal da realidade: até o dia de hoje, pensei tão pouco nela como na conduta dos deuses indecifráveis ou de meu próprio coração". Originalmente um simples jogo de azar, a loteria cresce progressivamente, adquirindo "valor eclesiástico, metafísico". O motivo do crescimento? A introdução de "elementos não pecuniários", com a possibilidade do "sorteado" receber como "prêmio" dádivas, mas também sofrimento e desgraça. Ora - nos diz o narrador - "as vicissitudes do terror e da esperança (esse "vaivém") é algo "notoriamente delicioso". Ricos e pobres participavam igualmente. A loteria tornou-se "uma nova ordem" e "uma etapa histórica necessária". O poder público passou a controlar a Companhia responsável e a loteria tornou-se "secreta, gratuita e geral".
Escreve Borges:
"Uma jogada feliz podia motivar sua elevação ao concílio dos magos ou o aprisionamento de um inimigo (notório ou íntimo) ou ainda o encontro, na pacífica treva do quarto, da mulher que começa a nos inquietar ou que não esperávamos rever; uma jogada adversa: a mutilação, a variada infâmia, a morte"
A Companhia parecia controlar tudo e declarou - "argumento breve, que agora figura nas escrituras sagradas" - que "a loteria é uma interpolação do acaso na ordem do mundo e que aceitar erros não é contradizer o acaso: é corroborá-lo".
Mas a sacada genial do escritor argentino, nesse conto, foi também especular: não estaria o próprio acaso sujeito a algum tipo de orientação?
"O ébrio que improvisa um mandato absurdo, o sonhador que desperta de repente e afoga com as mãos a mulher que dorme ao lado, acaso não executam uma secreta decisão da Companhia? Esse funcionamento silencioso, comparável ao de Deus, provoca toda sorte de conjeturas".
Desconsideramos frequentemente o acaso. Talvez seja um erro.
Na próxima postagem, escrevo sobre o livro O senhor das moscas, de William Golding.
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* BORGES, Jorge Luis. A loteria na Babilônia. In: _________. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 53-61 [Tradução de Davi Arrigucci Jr.]
BG de Hoje
Stinkfist é uma faixa do 2º disco do TOOL (Aenima, lançado em 1996). Musicalmente, considero essa banda norte-americana uma das mais agradáveis de se ouvir no (quase sempre repetitivo) universo do rock pesado. E, além disso, como os clipes são espetaculares!