quinta-feira, 28 de junho de 2012

O "esconderijo" dos acadêmicos ou Culpa e vida intelectual (IV)

Retorno ao pequeno artigo que motivou esta série de postagens - Intelectuais como catalisadores de complexidade*, de Hans Ulrich Gumbrecht.

Na atualidade, para o professor da Universidade Stanford, "o conceito e o valor da verdade se acham pluralizados e remetidos à competência dos respectivos especialistas". Portanto, dificilmente tem-se paciência para as pretensões demasiadamente abrangentes dos "técnicos do saber"**. Segundo o articulista, "fora do mundo intelectual quase ninguém parece esperar da parte dos intelectuais regras universais de comportamento ou preceitos gerais de ação". Ou seja, os intelectuais estão perdendo - se é que já não perderam - sua relevância pública e sua infuência política. Qual a finalidade então, de suas incumbências ("de hábito muito vagas", na avaliação de Gumbrecht) e de suas opiniões (que "possuem, quando muito, um caráter ornamental")? O que farão as sociedades com a "escória de seus intelectuais"?

A resposta do articulista é a seguinte:

"O problema é resolvido em termos políticos e sociais na medida em que hoje, mais do que nunca, boa parte dos intelectuais encontra seu sustento [...] nas universidades e nas instituições secundárias. Assim, a questão sobre o ' papel dos intelectuais ' virou uma questão sobre a 'imagem que os acadêmicos fazem de si mesmos  ".

De fato, excetuando os artistas identificados como tais (e que chegam a um público maior e mais diversificado), quase todos os intelectuais circulam em torno de ou estão diretamente vinculados a universidades. Para "escapar" de consequências negativas que podem advir da estranheza, desconfiança e incompreensão no modo como são vistos por outros segmentos da população, os intelectuais "refugiaram-se" dentro dos muros acadêmicos: o habitat  dos intelectuais tornou-se, precipuamente, o mundo universitário.

Cabe perguntar: qual passaria a ser a função da universidade - este "esconderijo" dos intelectuais? Hans Ulrich Gumbrecht, opinando a partir das ideias de Niklas Luhmann, considera que as universidades tornaram-se um 

"sistema social de segunda ordem [...] cuja tarefa específica, ao contrário da redução de complexidade do ambiente de todos os outros sistemas sociais, residiria precisamente na produção de complexidade. Trocando em miúdos: especialistas da práxis encontram soluções e assim reduzem a complexidade, enquanto a nova consciência da universidade e dos intelectuais poderia vir a ser produzir potenciais alternativas e modelos contrários às já institucionalizadas cosmovisões e formas da práxis ' para estocar ', por assim dizer, e orientados pelo princípio do pensamento ' contra-intuitivo ' ".

Desse modo, os intelectuais passariam a ser "catalisadores de complexidade numa cultura sempre ameaçada por estrutura demais, por organização demais, por uma falta de entropia antes que pela ausência de orientação". Esse novo papel permite o exercício do "pensamento arriscado", pois o intelectual estaria protegido das censuras dos obcecados pela práxis. Contudo, Gumbrecht amplia o conceito de intelectualidade, incluindo os cientistas "clássicos" - físicos, químicos, biólogos. "Equivaleria a uma antecipada sentença de morte se 'o intelectual do futuro' permanecesse um intelectual de perfil exclusivamente artístico e humanista", acredita o professor alemão.

"Escondidos" nas universidades, às vezes sentindo culpa (mas sem sofrer as agruras de outros profissionais atolados nos estágios menos "nobres" da educação institucionalizada...), os intelectuais seguem sua vida cercada de contradições.
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* GUMBRECHT, Hans Ulrich. Intelectuais como catalisadores de complexidade. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 mai. 2001, Caderno Mais! p. 18-19

** Uma das expressões, de sentido negativo, usada por Jean-Paul Sartre para referir-se aos intelectuais (v. postagem anterior)

BG de Hoje

Quem disse que o MUSE e o Radiohead em algum momento estiveram unidos por um cordão umbilical sonoro estava certo. Basta ouvir Invincible, por exemplo, pra perceber a similaridade dos "DNA's".