O ENTERRADO VIVO*
Carlos Drummond de Andrade
É sempre no passado aquele orgasmo
É sempre no presente aquele duplo,
É sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
* ANDRADE, Carlos Drummond de. José e outros. 9 ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006 [Originalmente, este poema integrou o livro Fazendeiro do ar, publicado em 1955]