sábado, 13 de agosto de 2011

O ato de escrever: vaidade, autoafirmação ou compartilhamento de saber? (1)


Num de seus melhores escritos* (apenas em minha opinião, claro), o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto fez extraordinária reflexão sobre o ato de escrever. Por enquanto, apenas reproduzo o poema; falarei dele (e de um assunto relacionado) mais adiante.

EXCEÇÃO: BERNANOS, QUE SE DIZIA ESCRITOR DE SALA DE JANTAR

Por que é o mesmo o pudor
de escrever e defecar?
Não há o pudor de comer,
de beber, de incorporar,
e em geral tem mas pudor
quem pede do que quem dá.
Então por que quem escreve,
se escrever é afinal dar,
evita gente por perto
e procura se isolar?

Escrever é estar no extremo
de si mesmo, e quem está
assim se exercendo nessa
nudez, a mais nua que há,
tem pudor de que outros vejam
o que deve haver de esgar,
de tiques, de gestos falhos,
de pouco espetacular
na torta visão de uma alma
no pleno estertor de criar.

(Mas no pudor do escritor
o mais curioso está
em que o pudor de fazer
é impudor de publicar:
com o feito, o pudor se faz
se exibir, se demonstrar,
mesmo nos que não fazendo
profissão de confessar,
não fazem para se expor
mas dar a ver o que há.)

Convido o(a) leitor(a) a refletir junto comigo nesta e na próxima postagem.
__________
* MELO NETO, João Cabral de. Exceção: Bernanos, que se dizia escritor de sala de jantar. In: A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 90-91 [Esse poema integra o livro Museu de Tudo, publicado originalmente em 1974)

BG de Hoje

No chamado movimento grunge, por razões óbvias, sempre gostei mais dos grupos que não se distanciavam do heavy metal tradicional. Caso do SOUNDGARDEN (e do Alice in Chains, minha banda predileta, claro). Além do mais, o quarteto contava com o guitarrista "zen" Kim Thayil e o excepcional cantor Chris Cornell. Em Blow up the outside world (canção feita sob medida para os permanentemente-putos-com-a-vida, como é o meu caso), Cornell escreveu uma das suas melhores letras. OBS: Abaixo, competente versão ao vivo.