O título desta postagem está no livro dos Provérbios (Velho Testamento); capítulo 18, versículo 15.
Passagens
bíblicas são utilizadas aqui e ali para ilustrar (e até ratificar)
pontos de vista. E como as interpretações que se fazem destas são
bastante amplas, cobrem uma quantidade variada de situações, ao gosto
do freguês. O livro de Provérbios é um dos que mais se presta a esse uso.
No caso do versículo supracitado, claro está que o "conhecimento" referido é aquele derivado do "temor do Senhor"
(no mesmo livro; cap. 1, vers. 7). Mas se olharmos para o enunciado sem
a inculcação e o condicionamento religiosos, levando em conta apenas o
seu "valor de face", este parecerá bem razoável; óbvio até.
Lembrei-me
desse versículo, na semana passada, ao ler a entrevista (surpreendente,
para mim) concedida pelo pastor Ricardo Gondim à revista Carta Capital* (disponível aqui). Mestre em Teologia pela Universidade Metodista, Gondim havia publicado em seu site um artigo bastante instigante e corajoso, intitulado Deus nos livre de um Brasil evangélico (também disponível aqui). Neste texto, o religioso fala de seu "pavor" com a hipótese de o país seguir rumo à hegemonia de credo neopentecostal. Segundo ele, "avanços
numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como
seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil".
O pastor exibe preocupação com o empobrecimento cultural e artístico decorrente desse cenário: "Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?", pergunta ele. Para Gondim, "um Brasil evangélico não teria folclore [...] Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derrida nunca teria uma tradução para o português".
A
crítica do articulista incide sobre o conservadorismo extremo e o
fundamentalismo manifestados por muitas das pessoas abrigadas sob a
designação genérica de crentes. Ricardo Gondim considera que
"Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade".
. . . . . .
Uma das razões que me levaram a partir para o ateísmo militante (já apontei duas outras aqui)
é contrapor-me às demonstrações de intolerância e a postura francamente
irracionalista adotada por certos chefes de igreja, alguns deles
bastante influentes (politica e economicamente, inclusive). Pessoas
extremamente apegadas a valores religiosos costumam classificar o mundo ao
redor (e perdão pelo lugar-comum) com base no critério preto-e-branco, ignorando (por conveniência e má-fé, em muitos casos) a extensa zona cinzenta na qual está envolta a condição humana.
Mesmo
sendo ateu, julgo importante manifestações mais esclarecidas, a meu
ver, provenientes de representantes do campo teísta, como observei nas
declarações do pastor Gondim.
Na entrevista mencionada, ele faz uma observação destoante do pensamento "evangelista" usual:
"É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida".
Penso que seria muito melhor para
a convivência em sociedade se os religiosos tivessem uma relação tão
fértil e construtiva com o conhecimento (artístico, filosófico,
científico...), como o demonstrado pelo pastor Gondim.
* O pastor herege. Carta Capital. São Paulo, ano 16, n. 643, 27 abr. 2011 [ entrevista realizada por Gerson Freitas Jr.]
BG de Hoje
O PREMEDITANDO O BREQUE ou simplesmente PREMÊ,
como passou a ser chamado por alguns fãs (eu ainda prefiro o nome
completo), conseguiu juntar ótimos músicos e produzir canções muito
bem-humoradas ao longo da carreira. Rubens (também gravada por Cássia Eller) é uma delas.