quinta-feira, 5 de maio de 2011

"O coração do entendido adquire conhecimento; e o ouvido dos sábios busca conhecimento"


O título desta postagem está no livro dos Provérbios (Velho Testamento); capítulo 18, versículo 15.

Passagens bíblicas são utilizadas aqui e ali para ilustrar (e até ratificar) pontos de vista. E como as interpretações que se fazem destas são bastante amplas, cobrem uma quantidade variada de situações, ao gosto do freguês. O livro de Provérbios é um dos que mais se presta a esse uso.

No caso do versículo supracitado, claro está que o "conhecimento" referido é aquele derivado do "temor do Senhor" (no mesmo livro; cap. 1, vers. 7). Mas se olharmos para o enunciado sem a inculcação e o condicionamento religiosos, levando em conta apenas o seu "valor de face", este parecerá bem razoável; óbvio até.

Lembrei-me desse versículo, na semana passada, ao ler a entrevista (surpreendente, para mim) concedida pelo pastor Ricardo Gondim à revista Carta Capital* (disponível aqui). Mestre em Teologia pela Universidade Metodista, Gondim havia publicado em seu site um artigo bastante instigante e corajoso, intitulado Deus nos livre de um Brasil evangélico (também disponível aqui). Neste texto, o religioso fala de seu "pavor" com a hipótese de o país seguir rumo à hegemonia de credo neopentecostal. Segundo ele, "avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil".

O pastor exibe preocupação com o empobrecimento cultural e artístico decorrente desse cenário: "Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?", pergunta ele. Para Gondim, "um Brasil evangélico não teria folclore [...] Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derrida nunca teria uma tradução para o português".

A crítica do articulista incide sobre o conservadorismo extremo e o fundamentalismo manifestados por muitas das pessoas abrigadas sob a designação genérica de crentes. Ricardo Gondim considera que

"Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade".

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Uma das razões que me levaram a partir para o ateísmo militante (já apontei duas outras aqui) é contrapor-me às demonstrações de intolerância e a postura francamente irracionalista adotada por certos chefes de igreja, alguns deles bastante influentes (politica e economicamente, inclusive). Pessoas extremamente apegadas a valores religiosos costumam classificar o mundo ao redor (e perdão pelo lugar-comum) com base no critério preto-e-branco, ignorando (por conveniência e má-fé, em muitos casos) a extensa zona cinzenta na qual está envolta a condição humana.

Mesmo sendo ateu, julgo importante manifestações mais esclarecidas, a meu ver, provenientes de representantes do campo teísta, como observei nas declarações do pastor Gondim.

Na entrevista mencionada, ele faz uma observação destoante do pensamento "evangelista" usual:

"É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida".

Penso que seria muito melhor para a convivência em sociedade se os religiosos tivessem uma relação tão fértil e construtiva com o conhecimento (artístico, filosófico, científico...), como o demonstrado pelo pastor Gondim.

* O pastor herege. Carta Capital. São Paulo, ano 16, n. 643, 27 abr. 2011 [ entrevista realizada por Gerson Freitas Jr.]

BG de Hoje

O PREMEDITANDO O BREQUE  ou simplesmente PREMÊ, como  passou a ser chamado por alguns fãs (eu ainda prefiro o nome completo), conseguiu juntar ótimos músicos e produzir canções muito bem-humoradas ao longo da carreira. Rubens (também gravada por Cássia Eller) é uma delas.