"declaro não serem os versos que escrevo obras
de arte mas bases, paredes e donaires
de templos construídos com mãos e com sobras
de paixões, mergulhos, fodas, livros, viagens"
Antonio Cicero, no poema Templo
Estou retomando a série de postagens sobre poesia; nas próximas, destacarei Antonio Cicero.
Como (quase) todos os leitores do poeta e filósofo carioca, cheguei à seus escritos através da música popular, uma vez que o autor é também letrista - e dos bons (aliás, ainda nesta série, falarei das relações poeta-letrista e poema-letra de música, de modo geral).
Os versos iniciais de Virgem (transformado em canção por Marina Lima) são marcantes - a despeito da simplicidade - , numa composição que fala da insignificância dos indivíduos e das relações criadas (e a findar) entre eles, frente à concretude do mundo: "As coisas não precisam de você:/ Quem disse que eu tinha que precisar?". Vejo em Água Perrier (musicado por Adriana Calcanhoto) uma beleza e uma concisão tremendas: "Adoro esse olhar blasé/que não só já viu quase tudo/mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver". Os dois textos estão reunidos no livro Guardar*, publicado em 1996.
Por ora, leiamos o soneto Dita:
"Qualquer poema bom provém do amor
narcíseo. Sei bem do que estou falando
e os faço eu mesmo pondo à orelha a flor
da pele das palavras, mesmo quando
assino os heterônimos famosos:
Catulo, Caetano, Safo ou Fernando.
Falo por todos. Somos fabulosos
por sermos enquanto nos desejando.
Beijando o espelho d'água da linguagem,
jamais tivemos mesmo outra mensagem,
jamais adivinhando se a arte imita
a vida ou se a incita ou se é bobagem:
desejarmo-nos é a nossa desdita,
pedindo-nos demais que seja dita".
Penso que o "amor narcíseo" de que fala o poeta e do qual, segundo ele, os bons poemas provêm, não se refere tanto à satisfação egocêntrica, mas à busca por reconhecer-se, "fabuloso", no "espelho d'água da linguagem". E qual a imagem refletida a satisfazê-lo? A dos "heterônimos famosos:/Catulo, Caetano, Safo ou Fernando". O poeta fala por eles porque é, antes de tudo, um leitor deles.
Na próxima postagem discuto a relação entre a poesia e a Filosofia, de acordo com Antonio Cicero.
Penso que o "amor narcíseo" de que fala o poeta e do qual, segundo ele, os bons poemas provêm, não se refere tanto à satisfação egocêntrica, mas à busca por reconhecer-se, "fabuloso", no "espelho d'água da linguagem". E qual a imagem refletida a satisfazê-lo? A dos "heterônimos famosos:/Catulo, Caetano, Safo ou Fernando". O poeta fala por eles porque é, antes de tudo, um leitor deles.
Na próxima postagem discuto a relação entre a poesia e a Filosofia, de acordo com Antonio Cicero.
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* CICERO, Antonio. Guardar: poemas escolhidos. Rio de Janeiro: Record, 1996
Conheça também o site do artista: http://www2.uol.com.br/antoniocicero/
Conheça também o site do artista: http://www2.uol.com.br/antoniocicero/
BG de Hoje
Aproveitando, no BG, ADRIANA CALCANHOTO, cantando Inverno, música composta a partir de poema homônimo de Antonio Cicero, no qual se encontram os belíssimos versos: "Lá mesmo esqueci/que o destino/sempre me quis só/no deserto sem saudades, sem remorsos, só/sem amarras, barco embriagado ao mar".