segunda-feira, 17 de maio de 2010

Você conhece o e-mala?



Em entrevista dada ao jornal Financial Times, no ano de 2006, o cineasta alemão Werner Herzog fez um alerta: "a solidão humana aumentará em proporção direta ao avanço nas formas de comunicação". Concordo inteiramente.

Sinais de fumaça, cartas, telefones convencionais e celulares, correio eletrônico - todos são modos de encurtar distâncias e aproximar seres humanos ao longo da história. Utilíssimos, sem dúvida, se usados com moderação. Além disso, quem não gosta de ser lembrado por um amigo ausente? Se bem que há uma frase - extremamente irritante, aliás - que ouvimos bastante nos dias de hoje: "você anda sumido!". Parece que as pessoas se esqueceram de que nunca foi tão fácil encontrarmo-nos/ falarmo-nos/ visitarmo-nos. Basta querer. Se não o fazemos, aí já é outra história...

Mas existe um personagem, no meio dessa atual fase da "comunicação total" ainda mais irritante: trata-se do e-mala (o termo, infelizmente, não é criação minha).

O e-mala, a todo o tempo, nos envia piadinhas "ótimas" e "inéditas"; "lindas" apresentações de powerpoint; fotos "engraçadas"; vídeos "interessantes"; textos quilométricos "imperdíveis"; promoções "fantásticas"; provocações "sadias" envolvendo futebol e não para por aí... O e-mala sofre da febre do encaminhamento: mal abre um e-mail, faz questão de espalhá-lo para todos os seus contatos, sem a mínima preocupação ou cuidado de saber quais, naquela lista imensa, precisariam realmente receber aquilo.

Importante: não se trata do famigerado spam: o e-mala é "dos nossos". Pode ser qualquer um: eu, você, nossa colega de trabalho, nosso parente, aquele sujeito legal que tem um site bacana. Será que é assim tão simples excluir ou bloquear mensagens de alguém por quem temos consideração ou estima?

e-mala deseja realmente comunicar ou informar algo? Duvido. No fundo, acho que o e-mala quer apenas chamar atenção para si. Busca estar sempre presente, vicariamente, com seu envio ininterrupto de e-mails. Ele faz parte de uma nova leva de neuróticos - provavelmente a maioria de nós: os carentes da era da Internet.

Meu amigo z ninguém, com a verve que lhe é característica, mesmo reconhecendo  nos "blogues, çaites, feicibuqui, orcuti, tuíter e tantos outros meios de comunicação" algo válido, não abandona a postura crítica e denomina alguns destes, acertadamente, "piercings virtuais", nos quais as "gentes escrevem não de uma cadeira, mas de um divã". O e-mala, mesmo não sendo "autor" das mensagens que envia, quer esfregar na nossa cara (ou na nossa tela) o seu piercing...

Criamos nossos blogs ou fotologs, nossos perfis em redes de relacionamento e nossos sites pessoais, mas continuamos a ser ignorados - do mesmo modo que o somos na vida fora da Internet. Sim, caro(a) leitor(a), não se esqueça: continua existindo uma vida fora da Internet. Só que nesta há suor, mau hálito, chatice, feiúra, flatulências, semblantes de tédio ou desapontamento, quando não de puro ódio, falta de dinheiro, violência e outras tantas coisas desagradáveis que acontecem e são percebidas e sofridas frequentemente no plano não-virtual (leia-se, nossa vidinha de todo dia). E todos queremos evitar isso, não é mesmo? Desejamos um mundo olímpico, no qual seremos todos apolíneos e não teremos defeitos. Dionisíacos apenas quando bem humorados. E como somos bem-humorados e agradáveis na Internet...

Peço encarecidamente: procure diminuir o seu grau de "e-malice". Venho tentando controlar o meu, mesmo sabendo ser difícil.

Há algo preocupante nisso tudo e que, suponho, já pode ter acontecido também com você. Cheguei a apagar mensagens sérias e urgentes de amigos sem sequer lê-las e cujo conteúdo era relevante. Mas como foram enviadas num bolo de outras coisas sem importância, tiveram como fim a lixeira.

Não sou um exemplo de seriedade, longe disso até. Gosto, às vezes, de receber "e-mails de entretenimento", enviados por amigos e amigas, mas - e isso é fundamental - alguns destes procuram selecionar apenas aquilo que sabem ser de meu interesse, justamente por conviverem comigo. E melhor ainda, de vez em quando, eles têm a elegância de dirigir-se pessoalmente ao indivíduo a quem enviam os e-mails, demonstrando que o consideram mais do que apenas a sequência de caracteres numa massa de endereços, sobre a qual despejam sua carência. Sinal de respeito. Procuro fazer o mesmo sempre que posso.

Pratique a gentileza virtual. Recorde-se sempre de que o tempo das pessoas é precioso.

BG de Hoje

Bullet with butterfly wings é uma canção acachapante. O seu início, com o verso "the world is a vampire", já entrou para a história do rock. Que tal uma execução da música ao vivo, com a formação original do SMASHING PUMPKINS: Billy Corgan, James Iha, D'Arcy Wretzky e o baterista Jimmy Chamberlin? OBS: No vídeo, há primeiro uma apresentação informativa - em francês - e pouco depois é que "o pau quebra". Aproveite!