quinta-feira, 13 de maio de 2010

A poesia de Chico César



Dias atrás, tomávamos cerveja num boteco perto de onde moro. Dinei e eu ouvíamos Aos vivos (1995), disco que apresentou Chico César ao público brasileiro. NOTA: Entre as coisas que mais aprecio no Bar do Dinei é a boa - e variada - trilha sonora, sempre presente, desde a sua inauguração. Durante a execução do CD, reconhecíamos o compositor competente e o violonista apurado em cada uma das faixas. Chamei atenção também para a qualidade das letras do artista paraibano, sobretudo em canções como Béradêro e Dança. E, durante a nossa conversa, mencionei o livro Cantáteis: cantos elegíacos de amozade (Editora Garamond, 2007), um longo poema dividido em 141 cantos. Só fui conhecer esse trabalho do Chico César poeta no ano passado. Mas serviu para firmar minha convicção de que o autor sabe (muito) bem o que fazer com as palavras.


No posfácio, César esclarece que o livro foi escrito em 1993, "movido por esse sentimento híbrido (amozade)" e tem uma "musa paulistana", Tata Fernandes. Mas a musa, 

"mais que pessoa em si, é uma representação de um tipo de mulher de São Paulo. Urbana, letrada, combativa, independente, frequentadora dos círculos intelectuais alternativos, das rodas artísticas".

Uma mulher que tem

"suas mil e uma artes
seus livros de roland barthes
que não li, não sinto falta
seu beijo doce de flauta
seu olhar de pernilongo
sua dança rap jongo
clareiam minha câmara escura
escritora e escritura
li seus versos, tonteci
e dessa tontice caí
na doença que me cura"
(canto 8)

Mas uma mulher que pode ser várias:

"pras mulheres de que falo
dona dadá frida khalo
ciciolina anaïs 
pagu anaide beiriz
isadora christiane f.
as que me deram tabefe
minha mãe minhas irmãs
ana mae büde e as alemãs
essas e outras admiro
mas há uma que prefiro
pra ela meus rataplãs"
(canto 107)

O poema também é uma homenagem à cidade de São Paulo - megalópole menos cantada que o Rio de Janeiro, mas que deve ser tão fascinante quanto.

Chico César admite que escreveu o livro "estimulado pela existência e consistência" de textos como Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto), Os Cantos (Ezra Pound)  e A Divina Comédia (Dante Alighieri). Explica o autor:

"Sei que o fato de esses poemas existirem e pesarem decididamente na balança da literatura universal deveria me silenciar em definitivo. Mas deu-se o contrário. E cometi Cantáteis. Atribuo hoje à falta de juízo que acomete os apaixonados. Era como eu me encontrava".

Ainda que não carregue o peso das obras mencionadas, Cantáteis é uma ótima leitura.


Nem sempre o trabalho é desagradável...

Hoje, a turma de G. estava na biblioteca. Os alunos manuseavam livros, quando G. - sete anos de idade - vê a imagem da Esfinge ilustrada na capa de um deles. Admirada, exclama: "Olha, um livro do Egipslon!". Não consegui conter as gargalhadas...

BG de Hoje

Já que falei em CHICO CÉSAR, abaixo a interpretação da cantora mineira TITANE para a música Dança, de autoria do compositor paraibano. No show, ela está acompanhada de ótimos músicos aqui de Minas, como Gilvan de Oliveira e Maurício Tizumba. O próprio César participa da apresentação.