"Era
enjoativo de tão doce mas se eu rompesse a polpa cerrada e densa,
sentiria seu gosto verdadeiro. Com a ponta da língua pude sentir a
semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até
atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto".
Do conto Verde lagarto amarelo, de Lygia Fagundes Telles
Final de ano é sempre a mesma coisa: reuniõezinhas de confraternização no trabalho, amigo-secreto (ou oculto,
como se diz aqui em BH) com o pessoal da faculdade, almoços e jantares
em família, aos quais comparece, maciçamente, a parentada, etc. E com
nossa vida irreversivelmente determinada pela economia - além de uma
pesada "contribuição" da publicidade - caímos de boca, com gula.
Brindamos, sorrimos, dançamos: parece comercial de shopping center ou mensagem de final de ano da Globo, só que mal ensaiada.
Abaixo da superfície do que gostaríamos de ser, entretanto...
Há sempre um jogo em todo diálogo: do debate mais sofisticado com especialistas de uma determinada área do conhecimento, à mais banal e insossa série de perguntas e respostas que empreendemos, por exemplo, quando solicitamos algum serviço ou produto pelo telefone.
Em Verde lagarto amarelo*, Lygia Fagundes Telles compõe um desses jogos ao narrar o encontro de dois irmãos, Rodolfo e Eduardo. Há uma disputa, o reavivamento de um antigo conflito, ainda que não seja explicitamente assumido. Às vezes, os jogadores nem precisam verbalizar. A escritora nos exibe as estratégias dos personagens pela maneira como estes se colocam em cena, através do que nos diz o narrador, Rodolfo.
Mágoas renitentes, demonstrações de afeto negadas, lembranças de injustiças: tudo ameaça vir à tona, como o suor que tanto incomoda o narrador: "Era menino ainda mas houve um dia em que quis morrer para não transpirar mais". A presença do irmão evoca recordações desagradáveis:
Rodolfo olha para dentro de si ao mesmo tempo em que sente o "suor de bicho venenoso, traiçoeiro, malsão". O retrato de Eduardo é completamente diferente: "era bonito, inteligente, amado, conseguia sempre fazer tudo muito melhor [...], muito melhor do que os outros, em suas mãos as menores coisas adquiriam outra importância".
É curioso: a esmagadora maioria das pessoas não se vê como um réptil nojento. Mas é nessa época do ano que as minhas (e acho que também as suas) viscosidades deletérias e mais recônditas escorrem em abundância, maculando a superfície do que gostaríamos de ser.
Melhor tomar uns porres.
Abaixo da superfície do que gostaríamos de ser, entretanto...
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Há sempre um jogo em todo diálogo: do debate mais sofisticado com especialistas de uma determinada área do conhecimento, à mais banal e insossa série de perguntas e respostas que empreendemos, por exemplo, quando solicitamos algum serviço ou produto pelo telefone.
Em Verde lagarto amarelo*, Lygia Fagundes Telles compõe um desses jogos ao narrar o encontro de dois irmãos, Rodolfo e Eduardo. Há uma disputa, o reavivamento de um antigo conflito, ainda que não seja explicitamente assumido. Às vezes, os jogadores nem precisam verbalizar. A escritora nos exibe as estratégias dos personagens pela maneira como estes se colocam em cena, através do que nos diz o narrador, Rodolfo.
Mágoas renitentes, demonstrações de afeto negadas, lembranças de injustiças: tudo ameaça vir à tona, como o suor que tanto incomoda o narrador: "Era menino ainda mas houve um dia em que quis morrer para não transpirar mais". A presença do irmão evoca recordações desagradáveis:
"E me trazia a infância, será que ele não vê que para mim foi só sofrimento? Por que não me deixa em paz, por quê? Por que tem que vir aqui e ficar me espetando, não quero lembrar de nada, não quero saber de nada!"
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Rodolfo olha para dentro de si ao mesmo tempo em que sente o "suor de bicho venenoso, traiçoeiro, malsão". O retrato de Eduardo é completamente diferente: "era bonito, inteligente, amado, conseguia sempre fazer tudo muito melhor [...], muito melhor do que os outros, em suas mãos as menores coisas adquiriam outra importância".
É curioso: a esmagadora maioria das pessoas não se vê como um réptil nojento. Mas é nessa época do ano que as minhas (e acho que também as suas) viscosidades deletérias e mais recônditas escorrem em abundância, maculando a superfície do que gostaríamos de ser.
Melhor tomar uns porres.
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* TELLES, Lygia Fagundes. Verde lagarto amarelo. In: ___________. Antes do baile verde. Rio de Janeiro: Rocco, 1989
* TELLES, Lygia Fagundes. Verde lagarto amarelo. In: ___________. Antes do baile verde. Rio de Janeiro: Rocco, 1989
RECESSO
Este blog - e este blogueiro - entram em recesso. A página voltará a ser atualizada no dia 17/01/2011. Ao(à) leitor(a) habitual e ao(à) visitante acidental, boas festas e até a volta.
BG de Hoje
Sempre
se espera que nalguma esquina da vida a nossa sorte mude. Mesmo os mais
pessimistas têm essa sensação de vez em quando. O RADIOHEAD talvez seja o grupo de rock mais deprê das últimas décadas (e também um dos mais apurados, é necessário acrescentar). Em Lucky, Thom Yorke arrisca: "I feel my luck could change"... o ano que vem... Será?
OBS: o clipe é triste, triste...
OBS: o clipe é triste, triste...