sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Nocautes (1)

ROUPINHA DE MARINHEIRO - Dalton Trevisan



Muito me interessa o "mundinho" de Dalton Trevisan: pequenos canalhas, historietas de amor dignas de letras de boleros cafonas, situações cômicas e trágicas envolvendo pobres-diabos, uma sordidez suburbana que acaba sendo a de nós todos, num domingo à tarde, depois da macarronada. "Mundinho" que nos é apresentado, vapt-vupt, em três ou quatro páginas. Às vezes, duas.

Poderia escrever sobre dezenas de ótimos contos do escritor paranaense. Escolho Roupinha de marinheiro, do livro Abismo de rosas *, por ser o melhor, entre aqueles que estão no primeiro livro desse autor lido por mim, muitos anos atrás.

A narrativa se organiza em torno de um evento banal: um velório. Mas visto pelos olhos de um menino. Tudo é descrito com eficiente economia:

"Vizinhos na calçada, coroas no corredor e, ali na sala, o primeiro defunto. Nunca mais esqueceu o cheiro: flor murcha, vela derretida, cigarro apagado. No canto o espelho oval coberto de pano preto. Nos grandes castiçais quatro velas acesas".


Preocupações e pensamentos típicos de criança: Como será estar morto? O defunto nunca mais poderia beijar a noiva com sua boca torta, nem comer mais broinha de fubá mimoso. Uma mosca entra no nariz do defunto: "Para onde foi? Será que ela sai? E se João espirrasse?"

No entanto, a torpeza das relações familiares está ali, presente, nas lembranças da avó severa. Nem tudo é desagradável, porém:

"Quando vovó morreu, a tia Zezé consolou o menino, aninhado no seu roliço braço nu, o peitinho estalando a blusa de cambraia - ai, que bom se vovó morresse todo dia".


É como eu disse. Muito me interessa esse "mundinho" de Dalton Trevisan

Guimarães Rosa na próxima postagem.

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* TREVISAN, Dalton. Abismo de rosas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976