sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Algumas notas sobre educação (2)



Na postagem anterior, eu afirmara que os próprios atos de educar e aprender estavam na berlinda, atingindo, portanto a essência da profissão docente.

Para melhor compreender a possível "crise" atual do ensino, vou lançar mão de um livro que conheci este ano e de cuja leitura saí bastante perturbado. Trata-se de O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual, do filósofo francês (nascido na Argélia) Jacques Rancière (Editora Autêntica, 2002).

Confesso que tive receio a princípio. Antes da leitura, parecia-me tratar-se de mais uma dessas publicações iconoclastas destinadas a "reinventar a roda" no campo educacional. A Educação, a cada quinze ou vinte anos, desde o início do século passado, sofre um abalroamento de modas pedagógicas, sem que se perceba qualquer mudança significativa na sua qualidade.

De fato, o livro de Rancière exige um novo posicionamento por parte do leitor em relação às suas crenças a respeito do que seja ensinar e do que seja aprender. Sendo direto: é um livro difícil, apesar das suas 140 e poucas páginas. Mas fascinante.

A partir das experiências de Joseph Jacotot, um pedagogo francês do século XIX - considerado "extravagante" até por seus contemporâneos - o autor adverte:

"Não se trata de uma questão de método, no sentido de formas particulares de aprendizagem, trata-se de uma questão propriamente filosófica: saber se o ato mesmo de receber a palavra do mestre - a palavra do outro - é um testemunho de igualdade ou de desigualdade. É um questão política: saber se o sistema de ensino tem por pressuposto uma desigualdade a ser ' reduzida ', ou uma igualdade a ser verificada
".

Sem negar a origem marxista de seu pensamento, no passado, o filósofo francês - com uma lucidez admirável - critica a ingênua (ou, contraditoriamente, maquiavélica) ideia de que a Escola detém "o poder fantasmático de realizar a igualdade social ou, ao menos, de reduzir a ' fratura social ' ".

Com a palavra, Jacques Rancière:

"
[Nossas sociedades] se representam como sociedades homogêneas, em que o ritmo vivo e comum da multiplicação das mercadorias e das trocas anulou as velhas divisões de classes e fez com que todos participassem das mesmas fruições e liberdades. Não mais proletários, apenas recém chegados que ainda não entraram no ritmo da modernidade, ou atrasados que, ao contrário, não souberam se adaptar às acelerações desse ritmo. A sociedade se representa, assim, como uma vasta escola que tem seus selvagens a civilizar e seus alunos em dificuldade a recuperar. Nestas condições, a instrução escolar é cada vez mais encarregada da tarefa fantasmática de superar a distância entre a igualdade de condições proclamada e a desigualdade existente, cada vez mais instada a reduzir as desigualdades tidas como residuais. Mas a tarefa última desse sobre-investimento pedagógico é, finalmente, legitimar a visão oligárquica de uma sociedade-escola em que o governo não é mais do que a autoridade dos melhores da turma".

A "lição pessimista" de Joseph Jacotot - a partir da análise de Jacques Rancière - tem algo a dizer sobre tudo isso. Este livro incômodo será o tema das próximas atualizações.