quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Algumas notas sobre educação (1)


Em 2003, o professor português António Nóvoa, que trabalha na Universidade de Lisboa, produziu, a partir de uma palestra feita no Rio de Janeiro, um pequeno - e extraordinário - texto chamado Cúmplices ou reféns* (publicado na revista Nova Escola, mas pode ser encontrado aqui).

O artigo discute o atual papel das professoras e dos professores. Seriam elas e eles cúmplices ou reféns da preocupante situação do ensino contemporâneo? Nem uma coisa nem outra, diz Nóvoa: "Apenas pessoas. E profissionais. Dimensões que, no caso dos professores, estão irremediavelmente juntas". Mais: para António Nóvoa, vivemos num período em que há "a existência de escolas sem sociedade". E acrescenta:

"Estamos diante de uma ruptura do pacto histórico que permitiu a consolidação e a expansão dos sistemas educativos. Esse pacto, uma das grandes marcas civilizacionais do século 20, fundou-se numa lógica pública, de integração de todas as crianças na escola e de construção de uma cidadania nacional. Sua contestação deriva de nossa incapacidade para responder à multiplicidade de presenças (raciais, étnicas, culturais) que nela habitam. É preciso reconhecer que, hoje, há muitos alunos para os quais a escola não tem sentido, que são provenientes de 'comunidades' que não se veem no projeto escolar e que são indiferentes ao percurso escolar de seus filhos. Estamos perante uma realidade nova, sem paralelo na história".

E o que a irresponsabilidade da sociedade para com a escola causa às professoras e aos professores, atrizes e atores destacados do complexo drama chamado educação?

Ela "projeta sobre os professores um excesso de expectativas e missões".

"Eles são criticados pelas mais diversas (e contraditórias) razões. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade exige que resolvam todos os problemas das crianças e dos jovens. Para além do conhecimento e da cultura, espera-se que ajudem a restaurar os valores, a impor aos jovens as regras da vida social, a combater a violência, a evitar as drogas, a resolver as questões da sexualidade etc. Os professores podem muito. Mas não podem tudo."

Já se foi o tempo em que eu acreditava na ação "redentora""progressista", do trabalho docente. Anos e anos de serviço na Educação Básica (pública) mostraram-me - sem ilusões e sem as distorções da crença ideológica - que há graves fraturas sociais e culturais sobre as quais as escolas (e suas professoras e seus professores) têm pouca (ou nenhuma) possibilidade de intervenção.

O que fazer , então? Cruzar os braços? (em nome da saúde das educadoras e dos educadores, isso até seria recomendável...).

Nóvoa, contudo, tem uma sugestão:

"Defendo a necessidade de uma afirmação pública dos professores como 'comunidade profissional'. No passado eles tiveram voz ativa nos debates educativos e grande parte de sua formação fez-se no interior de projetos e de movimentos pedagógicos. Hoje há silêncio. Os professores estão numa atitude excessivamente defensiva".

Ainda que eu não veja razão para abandonar essa "atitude defensiva", pura e simplesmente - os ataques vêm de todos os lados: do usuário do serviço público, da mídia, até do empregador (no caso, o Estado) - preciso reconhecer a necessidade da afirmação profissional.

Entretanto, são os próprios atos de ensinar e aprender que julgo estarem hoje na berlinda, atingindo, portanto, a essência da profissão.

Volto ao tema na próxima postagem.
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* NÓVOA, António. Cúmplices ou reféns? Nova Escola, São Paulo, Ano XVIII, n. 162, p. 14-15, mai. 2003