Trata-se de uma "grande fortaleza, exemplo típico de engenharia militar, que guarda a única passagem entre o deserto dos tártaros e as encostas meridionais da cadeia de montanhas escarpada e ininterrupta que marca a fronteira entre os estados do Norte e os do Sul de um país sem nome", de acordo com o Dicionário de lugares imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi (Editora Companhia das Letras, 2003)
O Forte Bastiani, entretanto, tem um alcance simbólico bem maior - pelo menos na visão deste blogueiro e de outros milhares de leitores devotos deste livro sublime chamado O deserto dos tártaros (sobre o qual, aliás, já escrevi anteriormente, de forma breve, aqui no blog).
Já que mencionei Alberto Manguel poucas linhas acima, devo dizer que o ensaísta argentino-canadense é um desses leitores devotos do romance de Dino Buzzati, publicado pela primeira vez em 1940.
O Forte Bastiani, entretanto, tem um alcance simbólico bem maior - pelo menos na visão deste blogueiro e de outros milhares de leitores devotos deste livro sublime chamado O deserto dos tártaros (sobre o qual, aliás, já escrevi anteriormente, de forma breve, aqui no blog).
Já que mencionei Alberto Manguel poucas linhas acima, devo dizer que o ensaísta argentino-canadense é um desses leitores devotos do romance de Dino Buzzati, publicado pela primeira vez em 1940.
O forte, escreveu Manguel em Os livros e os dias ¹, é "um lugar que parece impossível de deixar, mas também impossível de alcançar, tão ancorado em sua própria rotina que nada que venha do exterior pode atingi-lo".
Rotina... Até certa idade, pouca ou nenhuma atenção damos a essa palavra; não refletimos sobre o real significado dela, suas implicações. Como disse, só até certa idade. À medida que se envelhece, a maior parte de nós - cuja vida se resume a subsistir dentro das condições que nos são apresentadas e nada além disso - passa a compreender que uma porcentagem grande de nosso "ser no mundo" não passa de um amontoado de hábitos. Há um capítulo magistral em O deserto dos tártaros (o décimo), em que o narrador vai enumerando as "míseras coisas" que foram suficientes para amoldar o protagonista, tenente Giovanni Drogo, "ao monótono ritmo do serviço" ². Buzzati, habilidosamente, repete a palavra hábito(s) entre as primeiras frases de seis parágrafos seguidos no capítulo X, levando o leitor a captar o "torpor" no qual se encontrava Drogo, já impregnado com "o amor doméstico pelos muros cotidianos", em apenas quatro meses de trabalho no forte. O militar, sonhando com atos guerreiros e heroicos, reduz-se a um burocrata.
Se o(a) eventual leitor(a) me permitir, desejo fazer uma digressão.
Escrito na forma de diário, Os livros e os dias revela um pouco do que sentia Alberto Manguel no momento do registro, além de mostrar que nossas leituras são sempre influenciadas pelo contexto circundante, pelo momento histórico em que se está vivendo. Por exemplo, na parte referente a O deserto dos tártaros, Manguel encontrava-se em St. John's, cidade da ilha de Newfoundland (Canadá), entre o finalzinho de 2002 e as primeiras semanas de fevereiro de 2003. O mundo estava apreensivo com a possibilidade da invasão do Iraque por tropas norte-americanas e britânicas - o que acabou acontecendo daí a um mês. Por isso, o ensaísta anota: "A guerra iminente não tem nada de heroico; sabemos que os motivos que conduzem as forças anglo-americanas são menos humanitários que financeiros", acrescentando logo em seguida:
E então Manguel cita um trecho do segundo capítulo, quando Drogo, encaminhando-se, muito jovem ainda, para servir no forte Bastiani pela primeira vez, conversa com o capitão Ortiz, a quem encontrara por acaso na estrada:
Eu também, nessa minha última leitura de O deserto dos tártaros, acabei influenciado pela conjuntura à qual estou sujeito.
No Brasil (e acredito que em vários outros países), membros das forças armadas, embora sejam agentes públicos, sobem nas tamancas quando comparados a outros servidores do Estado, a despeito do fato de que os vencimentos dos primeiros sejam pagos pelo erário, assim como acontece com os salários dos últimos. Um melindre que acarreta problemas, como estamos carecas de saber... Das funções atribuídas às forças armadas, a mais notória é defender a pátria, usualmente interpretado como proteger a nação de investidas provenientes de inimigos/agressores externos. Entretanto, quando não há necessidade dessa defesa, quando não se veem os invasores no horizonte, quando os tártaros não vêm, o que esperar dos militares? Como devem se comportar?
A associação entre herói e soldado é, a meu ver, bastante discutível. Digo isso não só pelos vários crimes de guerra cometidos ao longo da história, mas porque a própria ideia de guerra em si não me predispõe a vinculá-la, automaticamente, ao heroísmo ³. De todo modo, soldados existem para guerrear. Mas vejamos a situação nas dezenas de nações pelo mundo afora que - felizmente, aliás - não têm invasores (refiro-me a outros exércitos) para combater. O Brasil, por exemplo. Seus militares, sobretudo oficiais, não acabam se convertendo em meros burocratas, aferrolhados a regulamentos, códigos e regras incompreensíveis para os "paisanos", tal como os personagens dentro do forte Bastiani? Há uma passagem no capítulo XIV de O desertos dos tártaros que vai bem ao encontro do que estou querendo dizer.
O comandante do forte, coronel Filimore, acaba de saber que a movimentação ocorrida no outro lado da fronteira é apenas um trabalho topográfico da parte do reino do Norte e não uma ameaça como chegaram a crer alguns de seus subordinados (e ele mesmo quase foi tomado pela esperança de entrar em combate, agir como guerreiro e tornar-se "herói"). Leiamos o último parágrafo do capítulo XIV:
Penso que muitos militares (e aqui tenho em mente sobretudo o caso brasileiro) nunca encontraram (e nunca encontrarão) "inimigos ávidos de batalha". São "soldados inócuos". Por isso - e este é o grande perigo - podem acabar inventando adversários dentro do próprio país. E já que, na visão deles, trata-se de oponentes propensos à beligerância, precisam ser exterminados, pois é o que as forças armadas fazem: entram em guerra com o inimigo, buscando aniquilá-lo. Já foi assim durante a ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. E nada garante que, a depender do resultado das eleições neste domingo (e seus desdobramentos), não volte a ser. Quem serão agora os indivíduos e grupos tachados como inimigos? Membros da sociedade civil - cidadãos e cidadãs cujas visões de mundo e ideário sejam distintos do que apregoa o mandatário de plantão - correm risco? Confesso que tenho muito receio e não estou tranquilo.
Voltemos, porém, à discussão do romance de Dino Buzzati.
Há um personagem secundário em O deserto dos tártaros que nunca me sai da cabeça, malgrado sua insignificância. Falo do alfaiate Prosdocimo.
Ele é cheio de si, dá-se muita importância, mas vive nos porões do forte, esquecido. Afirma estar lá apenas em "caráter ab-so-lu-ta-men-te pro-vi-só-rio". E já faz 15 anos...
Prosdocimo representa, penso eu, a tendência negativa que muitos têm para se acomodar (sendo este blogueiro um desses muitos). O personagem aparece pela primeira vez no capítulo VII. Trabalha numa oficina, acompanhado de um velhinho (seu irmão) e mais três ajudantes (que riem dele disfarçadamente). Giovanni Drogo procura-o para encomendar uma capa. Ambos iniciam uma conversa, mas logo o alfaiate do regimento é chamado e sai. Nesse momento, o velhinho se aproxima de Drogo e faz um alerta: não fique no forte, saia enquanto é tempo, não faça como os outros, a esperar um evento que nunca acontece.
É quando o (então) jovem protagonista começa a dar-se conta de uma das maiores ilusões a vigorar no forte Bastiani: a esperança de cumprir um destino heroico.
Reproduzo a seguir os cinco últimos parágrafos do capítulo VII. Peço paciência ao(à) eventual leitor(a) - valerá a pena; a prosa de Dino Buzzati é muito bonita:
Essa "hora milagrosa, que, pelo menos uma vez, cabe a cada um" é raríssima, quase nunca surge. Mas a maioria de nós - pelo menos quando somos jovens - não consegue abandonar a crença de que algo grande nos aguarda, ainda que sejamos constituídos de pura mediocridade.
A esperança na "hora milagrosa" perdura, contudo. Segue-se com ela durante anos Até que, tardiamente, constata-se a fuga do tempo. E nada aconteceu. Os tártaros não vieram. Não se fez outra coisa além de aguardar. O que se ganhou com a espera?
O deserto dos tártaros pertence à categoria das narrativas que se escolhe ler pela vida inteira. Tenho certeza de que voltarei constantemente a esse livro. Saiba desde já o(a) eventual leitor(a) que tenho ainda muito a dizer sobre ele. Não faltará ocasião, espero.
Na próxima postagem, pretendo discutir o fenômeno do anti-intelectualismo, partindo, desabusadamente, do pensamento de Jean-Jacques Rousseau.
Rotina... Até certa idade, pouca ou nenhuma atenção damos a essa palavra; não refletimos sobre o real significado dela, suas implicações. Como disse, só até certa idade. À medida que se envelhece, a maior parte de nós - cuja vida se resume a subsistir dentro das condições que nos são apresentadas e nada além disso - passa a compreender que uma porcentagem grande de nosso "ser no mundo" não passa de um amontoado de hábitos. Há um capítulo magistral em O deserto dos tártaros (o décimo), em que o narrador vai enumerando as "míseras coisas" que foram suficientes para amoldar o protagonista, tenente Giovanni Drogo, "ao monótono ritmo do serviço" ². Buzzati, habilidosamente, repete a palavra hábito(s) entre as primeiras frases de seis parágrafos seguidos no capítulo X, levando o leitor a captar o "torpor" no qual se encontrava Drogo, já impregnado com "o amor doméstico pelos muros cotidianos", em apenas quatro meses de trabalho no forte. O militar, sonhando com atos guerreiros e heroicos, reduz-se a um burocrata.
Se o(a) eventual leitor(a) me permitir, desejo fazer uma digressão.
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Escrito na forma de diário, Os livros e os dias revela um pouco do que sentia Alberto Manguel no momento do registro, além de mostrar que nossas leituras são sempre influenciadas pelo contexto circundante, pelo momento histórico em que se está vivendo. Por exemplo, na parte referente a O deserto dos tártaros, Manguel encontrava-se em St. John's, cidade da ilha de Newfoundland (Canadá), entre o finalzinho de 2002 e as primeiras semanas de fevereiro de 2003. O mundo estava apreensivo com a possibilidade da invasão do Iraque por tropas norte-americanas e britânicas - o que acabou acontecendo daí a um mês. Por isso, o ensaísta anota: "A guerra iminente não tem nada de heroico; sabemos que os motivos que conduzem as forças anglo-americanas são menos humanitários que financeiros", acrescentando logo em seguida:
"Na história de Buzzati, por outro lado, o trágico sentimento de absurdo que subjuga o leitor brota em grande parte da completa futilidade da empresa heroica. Nenhuma razão humanitária ou financeira pode ser invocada. A fronteira não apresenta nenhum problema, o deserto dos tártaros não viu nenhum tártaro até onde a memória alcança, os heróis nunca têm a chance de ser heroicos".
E então Manguel cita um trecho do segundo capítulo, quando Drogo, encaminhando-se, muito jovem ainda, para servir no forte Bastiani pela primeira vez, conversa com o capitão Ortiz, a quem encontrara por acaso na estrada:
"- Então o forte nunca serviu para nada?
- Para nada - disse o capitão".
Eu também, nessa minha última leitura de O deserto dos tártaros, acabei influenciado pela conjuntura à qual estou sujeito.
No Brasil (e acredito que em vários outros países), membros das forças armadas, embora sejam agentes públicos, sobem nas tamancas quando comparados a outros servidores do Estado, a despeito do fato de que os vencimentos dos primeiros sejam pagos pelo erário, assim como acontece com os salários dos últimos. Um melindre que acarreta problemas, como estamos carecas de saber... Das funções atribuídas às forças armadas, a mais notória é defender a pátria, usualmente interpretado como proteger a nação de investidas provenientes de inimigos/agressores externos. Entretanto, quando não há necessidade dessa defesa, quando não se veem os invasores no horizonte, quando os tártaros não vêm, o que esperar dos militares? Como devem se comportar?
A associação entre herói e soldado é, a meu ver, bastante discutível. Digo isso não só pelos vários crimes de guerra cometidos ao longo da história, mas porque a própria ideia de guerra em si não me predispõe a vinculá-la, automaticamente, ao heroísmo ³. De todo modo, soldados existem para guerrear. Mas vejamos a situação nas dezenas de nações pelo mundo afora que - felizmente, aliás - não têm invasores (refiro-me a outros exércitos) para combater. O Brasil, por exemplo. Seus militares, sobretudo oficiais, não acabam se convertendo em meros burocratas, aferrolhados a regulamentos, códigos e regras incompreensíveis para os "paisanos", tal como os personagens dentro do forte Bastiani? Há uma passagem no capítulo XIV de O desertos dos tártaros que vai bem ao encontro do que estou querendo dizer.
O comandante do forte, coronel Filimore, acaba de saber que a movimentação ocorrida no outro lado da fronteira é apenas um trabalho topográfico da parte do reino do Norte e não uma ameaça como chegaram a crer alguns de seus subordinados (e ele mesmo quase foi tomado pela esperança de entrar em combate, agir como guerreiro e tornar-se "herói"). Leiamos o último parágrafo do capítulo XIV:
"A mosca esvoaçava pela sala, a bandeira em cima do telhado do forte se afrouxara, o coronel falava em disciplina e regulamentos, na planície do norte avançavam fileiras de soldados, não mais inimigos ávidos de batalha, mas soldados inócuos como eles, não impelidos ao extermínio, porém enviados numa operação cadastral, e seus fuzis estavam descarregados, as adagas, sem fio. Pela planície do norte abaixo alastra-se aquele inofensivo simulacro de exército, e no forte tudo se estagna de novo no ritmo dos dias de sempre".
Penso que muitos militares (e aqui tenho em mente sobretudo o caso brasileiro) nunca encontraram (e nunca encontrarão) "inimigos ávidos de batalha". São "soldados inócuos". Por isso - e este é o grande perigo - podem acabar inventando adversários dentro do próprio país. E já que, na visão deles, trata-se de oponentes propensos à beligerância, precisam ser exterminados, pois é o que as forças armadas fazem: entram em guerra com o inimigo, buscando aniquilá-lo. Já foi assim durante a ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. E nada garante que, a depender do resultado das eleições neste domingo (e seus desdobramentos), não volte a ser. Quem serão agora os indivíduos e grupos tachados como inimigos? Membros da sociedade civil - cidadãos e cidadãs cujas visões de mundo e ideário sejam distintos do que apregoa o mandatário de plantão - correm risco? Confesso que tenho muito receio e não estou tranquilo.
Voltemos, porém, à discussão do romance de Dino Buzzati.
. . . . . . .
Há um personagem secundário em O deserto dos tártaros que nunca me sai da cabeça, malgrado sua insignificância. Falo do alfaiate Prosdocimo.
Ele é cheio de si, dá-se muita importância, mas vive nos porões do forte, esquecido. Afirma estar lá apenas em "caráter ab-so-lu-ta-men-te pro-vi-só-rio". E já faz 15 anos...
Prosdocimo representa, penso eu, a tendência negativa que muitos têm para se acomodar (sendo este blogueiro um desses muitos). O personagem aparece pela primeira vez no capítulo VII. Trabalha numa oficina, acompanhado de um velhinho (seu irmão) e mais três ajudantes (que riem dele disfarçadamente). Giovanni Drogo procura-o para encomendar uma capa. Ambos iniciam uma conversa, mas logo o alfaiate do regimento é chamado e sai. Nesse momento, o velhinho se aproxima de Drogo e faz um alerta: não fique no forte, saia enquanto é tempo, não faça como os outros, a esperar um evento que nunca acontece.
É quando o (então) jovem protagonista começa a dar-se conta de uma das maiores ilusões a vigorar no forte Bastiani: a esperança de cumprir um destino heroico.
Reproduzo a seguir os cinco últimos parágrafos do capítulo VII. Peço paciência ao(à) eventual leitor(a) - valerá a pena; a prosa de Dino Buzzati é muito bonita:
"Agora Drogo finalmente entendia. Fitava as sombras múltiplas dos uniformes pendurados, que tremulavam conforme oscilavam as luzes, e pensou que naquele exato momento o coronel, no recôndito de seu gabinete, abrira a janela para o norte. Estava certo: numa hora tão triste como aquela, pela escuridão e pelo outono, o comandante do forte olhava para o setentrião, para as voragens do vale.
Do deserto do norte devia chegar a sorte, a aventura, a hora milagrosa, que, pelo menos uma vez, cabe a cada um. Para essa vaga eventualidade, que parecia tornar-se cada vez mais incerta com o tempo, os homens consumiam ali a melhor parte das suas vidas.
Não haviam se adaptado à existência comum, as alegrias das pessoas comuns, ao destino medíocre; lado a lado, viviam com a mesma esperança, sem nunca mencioná-la, porque não se davam conta ou simplesmente porque eram soldados, com o pudor ciumento do próprio íntimo.
Até Tronk, talvez. Tronk [o sargento-mor] seguia os itens do regulamento, a disciplina matemática, o orgulho da responsabilidade escrupulosa, e se iludia imaginando que aquilo lhe bastava. Mas se lhe tivessem dito: será sempre assim enquanto viver, tudo igual até o fim, também ele teria acordado. Impossível, teria dito. Alguma coisa diferente ainda deverá acontecer, alguma coisa de realmente digno, de que se possa dizer: agora, mesmo que tenha acabado, paciência.
Drogo compreendera o fácil segredo deles, e com alívio pensou estar fora disso, espectador não contaminado. Dentro de quatro meses, graças a Deus, ele os deixaria para sempre. Os obscuros fascínios da velha construção tinham-se dissolvido, ridículos. Assim pensava. Mas por que o velhinho continuava a fitá-lo com aquela expressão ambígua? Por que Drogo sentia o desejo de assobiar um pouco, de tomar vinho, de sair ao ar livre? Quem sabe para demonstrar a si mesmo que estava realmente livre e tranquilo?"
Essa "hora milagrosa, que, pelo menos uma vez, cabe a cada um" é raríssima, quase nunca surge. Mas a maioria de nós - pelo menos quando somos jovens - não consegue abandonar a crença de que algo grande nos aguarda, ainda que sejamos constituídos de pura mediocridade.
A esperança na "hora milagrosa" perdura, contudo. Segue-se com ela durante anos Até que, tardiamente, constata-se a fuga do tempo. E nada aconteceu. Os tártaros não vieram. Não se fez outra coisa além de aguardar. O que se ganhou com a espera?
O deserto dos tártaros pertence à categoria das narrativas que se escolhe ler pela vida inteira. Tenho certeza de que voltarei constantemente a esse livro. Saiba desde já o(a) eventual leitor(a) que tenho ainda muito a dizer sobre ele. Não faltará ocasião, espero.
Na próxima postagem, pretendo discutir o fenômeno do anti-intelectualismo, partindo, desabusadamente, do pensamento de Jean-Jacques Rousseau.
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¹ MANGUEL, Alberto. Os livros e os dias: um ano de leituras prazerosas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. [Tradução de José Geraldo Couto]
² BUZZATI, Dino. O deserto dos tártaros. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017 [Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas]
³ Não estou alegando que não possa haver qualquer traço de heroísmo durante conflitos armados; a própria resistência ao fascismo e ao nazismo durante a 2ª Guerra Mundial é algo imensamente valoroso. O que estou dizendo é que a associação entre a figura do soldado e a figura do herói não é nem dada de antemão, nem imediata e muito menos óbvia per se.
BG de Hoje
Não sei por que até hoje nunca falei desta canção aqui no blog. Rocket Man foi lançada em 1972 (tem, portanto, a minha idade). Muitos críticos de música pop consideram-na uma das melhores composições de todos os tempos (eu concordo com essa avaliação). Na época do lançamento, ELTON JOHN contava com uma banda excelente. É a mesma que fez a gravação em estúdio, até onde sei, participando ativamente da elaboração dos arranjos (destaco o violão, o coro durante o refrão, a bateria suave - mas que se faz notar - e, claro, o piano do cantor-compositor britânico). Rocket Man também me fascina pela letra - triste e irônica ao mesmo tempo - falando de um sujeito que trabalha no espaço sideral (e que tipo de serviço poderia ser mais emocionante?), mas cumpre sua tarefa rotineiramente, sem qualquer sentimento especial, a não ser a saudade da esposa. Bernie Taupin, parceiro antigo de John, disse certa vez que, ao escrever a letra, foi inspirado, entre outras fontes, por um conto de Ray Bradbury, o autor de ficção científica mais poético que conheço. Abaixo, um vídeo lindo, dirigido por um cineasta iraniano (Majid Adin) e por um animador irlandês (Stephen McNaily), no qual a canção serve de trilha sonora para narrar o drama de um refugiado. Incluí também no BG uma versão feita pela desconhecida cantora Carol Kay, encontrada por acaso no Youtube, só voz e teclado, mas que achei muito bonita.