Voltemos ao ensaio A canção de consumo. Umberto Eco chama atenção para o desconhecimento de boa parte dos ouvintes, sobretudo adolescentes e jovens, de que a indústria cultural (no caso, musical) modela, de forma planejada, o gosto coletivo, chegando até a promover determinados tipos de comportamento e "atitudes", para além da dimensão propriamente artística/estética:
"[...] quando os jovens pensam escolher os modelos baseados em seu comportamento individual, não se dão conta de quanto agora o comportamento individual se articula com base na determinação contínua e sucessiva dos modelos. Do outro [lado da questão], está o fato de que, na sociedade em que vivem, esses adolescentes não encontram nenhuma outra fonte de modelos; ou pelo menos, nenhuma tão enérgica e imperativa".
E, de certo modo, o produto da indústria musical acaba satisfazendo "algumas tendências autênticas dos grupos aos quais se dirige".
Recuperando o prefácio de Apocalípticos e integrados*, a indústria cultural é "um sistema de condicionamentos", a que todos na atualidade estamos sujeitos (tanto os menos quanto os mais ingênuos).
Quantos fãs de rock se deram (ou se dão) conta de que ao vestir determinadas roupas, cortar o cabelo de tal modo ou repetir certas gírias, não estão apenas reproduzindo um modelo erigido pela indústria cultural (refiro-me ao rock, mas o mesmo vale para outros subgêneros da música pop)? E pensando num campo de produção artística mais familiar para mim, quantos leitores de 50 tons de cinza ou A guerra dos tronos, por exemplo, se dão conta de que sua disposição de leitura, nesse caso, foi motivada por uma eficiente estratégia de publicidade/marketing da indústria editorial?
Tudo isso não quer dizer que devamos expulsar de nossas vidas (o que seria impossível, aliás) a cultura de massa (melhor dizendo, os mass media ou meios de massa, como prefere o pensador italiano). Necessitamos compreender que a "civilização de massa" é uma nova "ordem antropológica [...], válida para indicar um preciso contexto histórico (aquele em que vivemos), onde todos os fenômenos comunicacionais - desde as propostas para o divertimento evasivo até os apelos à interiorização - surgem dialeticamente conexos [...]"
Nossas sociedades urbanizadas de hoje são sociedades de massa. Essa é nossa realidade histórica. Nesse contexto, "todos os que pertencem à comunidade se tornam, em diferentes medidas, consumidores de uma produção intensiva de mensagens a jato contínuo, elaboradas industrialmente em série, e transmitidas segundo os canais comerciais de um consumo regido pelas leis de oferta e da procura".
Em tal situação, é improdutiva a postura aristocrática do apocalíptico (remanescente, talvez, de uma aversão ao acesso crescente da população pobre aos bens culturais). Mas também é censurável o entusiasmo acrítico dos integrados diante dos produtos dos mass media.
Ninguém mais está imune à indústria cultural. Para o "mal" ou para o "bem".
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* ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001 [Tradução de Pérola de Carvalho]
BG de Hoje
Essa canção já teve gravações marcantes (Santa Esmeralda e, principalmente, a original com Nina Simone). Mas ainda prefiro THE ANIMALS: Don't let me be misunderstood.