sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Quem está imune à indústria cultural? (I)


É bastante corriqueiro encontrar aficionados por música pop* que execram determinados artistas e suas obras, alegando faltar a estas (e a estes) qualquer valor artístico/estético, sendo meramente comerciais. Fãs de rock, por exemplo (como este blogueiro), costumam agir assim. Isso é bastante curioso (para não dizer incoerente) pois poucas manifestações culturais foram tão comerciais e "fabricadas" quanto o rock, sobretudo a partir da década de 1960, inclusive com ações publicitárias em nível planetário. Tudo fazendo parte do modus operandi da indústria musical. E justamente por isso, o rock já foi (e talvez ainda seja) visto como a "antimúsica".

Pensar sobre isso, entre outras coisas, me lembrou Apocalípticos e integrados**, que reli recentemente. Julgo que os pontos de vista expostos nesse trabalho de Umberto Eco - acerca da indústria cultural e da cultura de massa - ainda são válidos, mesmo que alguns dos ensaios ali incluídos tenham sido elaborados há mais de 50 anos.

Voltarei a falar de música pop quando tratar especificamente do texto A canção de consumo. No momento, prefiro me deter no ensaio que abre o livro: Cultura de massa e "níveis" de cultura, . Após elencar os argumentos daqueles que atacam a cultura de massa (isto é, os apocalípticos) e os daqueles que fazem a apologia desta (os integrados), o pensador italiano considera que:

"O erro dos apologistas é afirmar que a multiplicação dos produtos da indústria seja boa em si, segundo uma ideal homeostase do livre mercado, e não deva submeter-se a uma crítica e a novas orientações". Por outro lado, "o erro dos apocalípticos-aristocráticos é pensar que a cultura de massa seja radicalmente má, justamente por ser um fato industrial, e que se possa ministrar uma cultura subtraída ao condicionamento industrial.

Isso é importante: não há mais como recuar no tempo, nem fugir para o lindo-território-exclusivo-da-alta-cultura. As atividades humanas, no atual momento histórico, estão sob o condicionamento industrial e a cultura de massa é uma realidade a qual todos estamos vinculados. Acho oportuno agora recuperar um trecho do prefácio do livro:

"A nosso ver, se devemos operar em e para um mundo construído na medida humana, essa medida deverá ser individuada não adaptando o homem a essas condições de fato, mas a partir dessas condições de fato. O universo das comunicações de massa é - reconheçamo-lo ou não - o nosso universo; e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzida e reproduzível, das novas formas de comunicação visual e auditiva. Ninguém foge a essas condições, nem mesmo o virtuoso, que indignado com a natureza inumana desse universo da informação, transmite o seu protesto através dos canais de comunicação de massa, pelas colunas do grande diário, ou nas páginas do volume em paperback, impresso em linotipo e difundido nos quiosques das estações".[E, na atualidade, também postando seu protesto no Twitter ou no Facebook, acrescentaria este blogueiro]


Há muito ainda a dizer sobre esses temas e sobre esse livro. Prosseguirei na semana que vem.
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* O termo música pop está sendo usado aqui em oposição à música erudita. Ao falar em música pop quero me referir a todas as obras que se voltam para o mercado consumidor mais amplo, não especializado e mais "popular"; noutras palavras, a música passível de "tocar no rádio".

** ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001 [Tradução de Pérola de Carvalho]

BG de Hoje

Outro dia vendo uma série de vídeos do DEEP PURPLE, ouvi o tecladista Jon Lord dizer que a canção Child in time é a canção de um loser. Passei a gostar mais ainda dela.