quinta-feira, 23 de maio de 2013

Depressão: sintoma social (I)



"A tristeza, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado".

Maria Rita Kehl - O tempo e o cão


Está ocorrendo uma "patologização generalizada da vida subjetiva", afirma a psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl. Basta que o indivíduo queixe-se de algum tipo de alteração de humor para que se lhe indique um antidepressivo, indo, claro, ao encontro dos interesses dos fabricantes de remédios:

"As estratégias de expansão da indústria farmacêutica merecem atenção especial não apenas porque tendem a influir no aumento dos diagnósticos de depressão, mas principalmente porque difundem uma versão patológica e medicalizável de todas as formas de inquietação, oscilação de ânimo e inadaptação à norma que caracterizam a vida e a vitalidade psíquicas - em detrimento da existência das manifestações do inconsciente", escreve Maria Rita Kehl no livro O tempo e o cão: a atualidade das depressões*.

Comprei esse trabalho há dois anos mas só o li mês passado. Devo dizer que quase nada entendo de psicanálise. A obra é cheia de temas e conceitos especializados da área - função simbólica transubjetiva, fantasma, castração, identificação fálica, etc. Não os compreendo, o que tornou a leitura bem capenga. Apresentarei, entretanto, apenas o que consegui pinçar não obstante minha ignorância nesse campo.

O grande mérito de O tempo e o cão, penso, é defender o ponto de vista que supõe ser a depressão "um dos sintomas sociais contemporâneos". Segundo a psicanalista,

"A depressão é a expressão de mal-estar que faz água e ameaça afundar a nau dos bem-adaptados ao século da velocidade, da euforia prêt-à-porter, da saúde, do exibicionismo e, como já se tornou chavão, do consumo generalizado. A depressão é sintoma social porque desfaz, lenta e silenciosamente, a teia de sentidos e de crenças que sustenta e ordena a vida social desta primeira década do século XXI [...] Se o tédio, o spleen, o luto e outras formas de abatimento são malvistos no mundo atual, os depressivos correm o risco de ser discriminados como doentes contagiosos, portadores da má notícia da qual ninguém quer saber"

E citando Colette Soler: 

" 'Uma civilização que valoriza a competitividade e a conquista, mesmo se em última análise esta se limite à conquista do mercado, uma tal civilização não pode amar seus deprimidos, mesmo que ela os produza cada vez mais, a título de doença do discurso capitalista' ".

O livro O tempo e o cão: a atualidade das depressões será o assunto central da nova série de postagens.
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* KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.

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