segunda-feira, 29 de março de 2010

"Porque os corpos se entendem, mas as almas não"

Nesse fim de semana, completamente depauperado, trancafiei-me em casa e decidi rever, em DVD, vários filmes de que gosto muito: entre estes, A primeira noite de um homem (The Graduate - direção de Mike Nichols, 1967), apesar de seu final piegas.

Benjamin Braddock (interpretado por Dustin Hoffman) é um jovem de 21 anos, rico, bem comportado, tímido e mimado (a meu ver, também um pouco covarde). De volta à casa dos pais após a conclusão do curso universitário, Ben demonstra insegurança quanto a seu futuro. Numa festa realizada para homenageá-lo, depara-se com a Sra. Robinson, esposa do sócio de seu pai. A Sra. Robinson (na pele de Anne Bancroft, espetacular), obviamente, é muito mais experiente e decidida. Apesar do roteiro fazer dela uma pessoa rancorosa, alcoólatra e neurótica, é, de longe, a personagem mais interessante da narrativa. Os dois acabam tendo um relacionamento - eufemismo amplamente empregado quando não se quer chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes -, encontrando-se quase todas as noites num grande hotel da cidade para fazerem sexo.
 

Na melhor cena do filme, quando ambos estão deitados na cama após uma transa, Ben dirige-se a Sra. Robinson:

"- Será que podemos conversar um pouco desta vez?
 - Não temos o que conversar". - responde, peremptoriamente, a personagem de Anne Bancroft.

Ben iniste. Agastada, a Sra. Robinson estrila:
" - Por que está fazendo tantas perguntas?"

Os dois tentam conversar, discutem, brigam, mas acabam se reconciliando, de novo fazendo sexo.

A cena é marcante, não deixando de ser ridícula; até um pouco patética. Ben desejava, além da satisfação sexual, uma espécie de... de... (vá lá!) "entendimento espiritual" com sua parceira, nem de longe compreendendo o que implicava aquele "relacionamento"; Benjamin Braddock queria também um pouco de... de... (vá lá!) "amor"...

Acredito sinceramente que, na vida de um casal, possa haver, enquanto durar sua convivência, muito respeito, admiração, lealdade (que não se confunde com fidelidade - os cães são fiéis), estima, afeto e, em parte dos casos, carinho. Ah, e um pouco de sacanagem, porque, afinal, somos humanos, demasiado humanos. Quanto ao chamado "amor" - palavra bastante desgastada mas que adquiriu importância cultural e simbólica gigantesca graças a obras ficcionais, principalmente literárias - nunca presenciei sua manifestação no plano da realidade concreta.

Pelas considerações anteriores, isto aqui está parecendo mais um destes "programetes" de TV em que um "psicólogo" cretino debate com "celebridades", igualmente ou mais idiotas, questões bizantinas, como estabelecer a diferença entre "amor" e "sexo". Para tentar salvar a postagem naufragada - e lembrando que este blog discute principalmente Literatura -, encerro com um belo poema de Manuel Bandeira*, dizendo tudo o que penso a respeito do tema.

"ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não".
__________
* Bandeira, Manuel. Arte de amar. In: __________ . Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993

BG de Hoje

O TOOL é daquelas bandas que estão longe de ser unanimidade. A ala xiita do heavy metal considera-a fresca e pretensiosa. Outros não gostam de seu pendor para o rock progressivo (estilo execrado por nove em cada dez roqueiros). Há ainda quem não aprecie a aproximação do grupo com as artes visuais. Pessoalmente, adoro os clipes da banda e suas animações soturnas. E, chegado em rock pesado, não tenho nada do que reclamar do som do Tool. Abaixo, a ótima canção Sober.