sexta-feira, 23 de abril de 2010

Jogando água no chope da virtualidade (3)

Como se empregaram anteriormente os termos virtual e digital ao longo das postagens, acho apropriado defini-los melhor. Para tanto, recorro ao já clássico livro de Pierre Lévy, Cibercultura (São Paulo: Editora 34, 1999). Segundo o filósofo francês,

"A palavra ' virtual ' pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela ' realidade virtual ' decorre em boa parte da confusão entre esses três sentidos. Na acepção filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização. O virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal (a árvore está virtualmente presente no grão). No sentido filosófico, o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Mas no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade - enquanto a ' realidade ' pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. A expressão ' realidade virtual ' soa então como um oxímoro, um passe de mágica misterioso. Em geral acredita-se que uma coisa deva ser real ou virtual, que ela não pode, portanto, possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em filosofia o virtual não se opõe ao real mais sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade. Se a produção da árvore está na essência do grão, então a virtualidade da árvore é bastante real (sem que seja, ainda, atual)".

Não há, portanto, oposição entre virtual e real. A virtualidade refere-se a algo muito comum em nossa época mas que seria simplesmente inimaginável séculos ou mesmo décadas atrás: a possibilidade de suprimir obstáculos decorrentes das barreiras geográficas e do tempo, apenas com o uso de aparelhos e máquinas ao alcance da mão; algo verdadeiramente revolucionário e sem precedentes. Nossas sociedades, nossas economias, nossas manifestações artísticas, enfim, nossas culturas estão diante de um fenômeno avassalador (não à toa, usa-se a metáfora do dilúvio na introdução do livro Cibercultura)

E quanto ao digital?

Digitalização, sendo direto, é traduzir em números uma mensagem, uma informação.

Para Lévy, no geral, "não importa qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida digitalmente". E são esses dígitos que circulam através dos circuitos eletrônicos, das redes de fibras óticas e outros meios de transmissão. E o mais importante:

"Mesmo se falamos muitas vezes de ' imaterial ' ou de ' virtual ' em relação ao digital, é preciso insistir no fato de que os processamentos em questão são sempre operações físicas elementares sobre os representantes físicos dos O e 1: apagamento, substituição, separação, ordenação, desvio para determinado endereço de gravação ou canal de transmissão".

Agora a pergunta: se a virtualidade é revolucionária e, hoje em dia, indispensável na vida de milhões de seres humanos e se os processos de digitalização favoreceram enormemente outros tantos milhões, por que desafiar/desafinar o "coro dos contentes" e jogar água no chope da virtualidade?

Tento responder a partir da próxima postagem, falando ainda do livro de Lévy.


BG de Hoje

Sem muito o que comentar, música de primeira. Compacto, com o baterista e compositor CURUMIN.