quinta-feira, 24 de março de 2011

Blog: uma chatice? (3)


Em Cibercultura*, o filósofo Pierre Lévy afirmou que a "emergência do ciberespaço, de fato, provavelmente terá - ou já tem hoje - um efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações quanto teve, em seu tempo, a invenção da escrita". Embora não concorde com muitos pontos de vista do pensador francês (como já expus aqui), acho que sua avaliação não foi nem um pouco exagerada.

Lévy defende que a cibercultura "dá forma a um novo tipo de universal: o universal sem totalidade". O processo de interconexão mundial estabelecido pela Internet/Web, segundo ele,

"atinge de fato uma forma de universal, mas não é o mesmo da escrita estática. Aqui, o universal não se articula mais sobre o fechamento semântico exigido pela descontextualização, muito pelo contrário. Esse universal não totaliza mais pelo sentido, ele conecta pelo contato, pela interação geral".

Infelizmente, porém, minha trajetória na educação formal, minha formação profissional e minha construção como leitor (para além de "consumidor" de informação) foram baseadas no "fechamento semântico", na busca pela "totalidade" (uma parte da aspiração, explícita ou implícita, das obras literárias - como, aliás, de todas as obras de arte - é estabelecer ou simular uma totalidade, ainda que provisória). Desse modo, confesso, não sem certa vergonha, minha inadaptação e desconforto em meio a era virtual.

Mas o que isso tem a ver com os blogs?

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Passada a primeira leva de blogs (embora ainda existam alguns deste tipo), nos quais as atualizações giravam em torno das trivialidades da vida do autor ("Comi salada de repolho ontem; peidei a madrugada toda." ou "Vacinei meu gato; o coitadinho parece estar com o Mal da Vaca Louca", etc.), muitos blogueiros começaram a adotar temas mais específicos. O conteúdo da ferramenta mudou, os textos ficaram maiores, mas também mais conscienciosos, elaborados e até informativos. As trivialidades migraram para o Facebook. E junto com elas, os leitores...

O caderno Tec**, da Folha de S. Paulo, publicou matéria no dia 02/03/11 tratando justamente da impopularidade crescente dos blogs, sobretudo entre os mais jovens (mas, curiosamente, houve aumento de participação na faixa das pessoas entre 34 e 45 anos, pelo menos nos EUA). O jornal entrevistou Jon Sobel, um dos editores do Blogcrictics, ligado ao Technorati. O executivo afirma que "ter um blog, afinal, dá muito trabalho. Você tem que passar um bom tempo escrevendo e ele precisa estar sempre atualizado (poucos dos novos blogs conseguem)".

Sobel lembra que "as pessoas são preguiçosas e [ao mesmo tempo] ambiciosas demais. É possível que elas estejam mais realistas sobre as chances de permanecer em um projeto como um blog".

Ele acredita que a tendência de declínio é irreversível, mas é otimista. Perguntado sobre qual a motivação para manter ativa a ferramenta, ele diz:

"Para alguns, são as mesmas razões de quando eles começaram: comunicação, ficar em contato com conhecidos ou manter um arquivo pessoal. Para outros é ambição: eles enxergam o blog como um caminho para as coisas maiores. Também tem gente que tem paixão pelo que faz, um interesse continuado e até uma obsessão pelo assunto do qual trata".

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Sei que parecerá arrogante e pretensioso o que vou escrever abaixo (e talvez seja mesmo). Paciência.

No atual estágio de minha vida, não me interessa tanto a comunicação. Interessa-me sabedoria.

E tenho feito um uso excessivamente bobo da Web e que me distancia dessa busca. Inclusive através de meu blog. Há muita coisa publicada na Rede. O que realmente vale a pena?

Millôr Fernandes certa vez disse mais ou menos o seguinte (infelizmente, não disponho agora da fonte): "Um dia, estaremos todos dentro da televisão. O problema é que não haverá ninguém do lado de fora para assistir". Parafraseando-o, eu diria que em breve estaremos todos escrevendo dentro da Web. O problema é que não haverá ninguém do lado de fora - ou mesmo dentro dela - para ler o que está sendo escrito.
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* LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999 [tradução de Carlos Irineu da Costa]

** [Des] caminhos dos blogs. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 mar. 2011, Caderno Tec

BG de Hoje

Eu sei, eu sei, esta banda estava no BG passado, mas acontece que AC/DC é fundamental: If you want blood (you've got it).

quarta-feira, 23 de março de 2011

Blog: uma chatice? (2)

"Hoje, cada ser humano conectado à rede é uma miniempresa de comunicação de si mesmo, atrás de atenção. O que pode nos levar a encarar as opiniões não como o que elas são, pontas de icebergs que revelam nossas visões de mundo, muitas vezes sem graça e parecidas com as da maioria das pessoas, mas como commodities a serem oferecidas ao mercado"

Antonio Prata

Recentemente, na sua coluna jornalística*, Juca Kfouri discorria sobre as gafes cometidas por jogadores de futebol por causa de suas "tuitadas". Mas, a certa altura, resolveu falar sobre os colegas de profissão que mantêm blogs. Relatou que há muitos jornalistas "chocados com o grau de agressividade dos comentaristas" e por isso "acharam melhor parar com a brincadeira". NOTA: Como a Web favorece a cada um com "raivinha" do mundo soltar seus cachorros - de forma bem covarde, aliás - graças à segurança decorrente da distância de trocentos milhões de bytes entre os emissores e os receptores das mensagens, não é mesmo? Isso sem mencionar a condição de "anônimo". Embora, no meu caso, felizmente, só tive um problema desse tipo (e foi no blog antigo).

Kfouri acrescenta um depoimento pessoal: "Nada me surpreendeu tanto na minha vida de mais de 40 anos na profissão do que o tal de blog. Mais: se eu soubesse, não teria feito um". Devo acrescentar que sou leitor eventual do blogdojuca.uol.com.br

Quem deu essa declaração é um profissional de imprensa que já atuou (e atua) em jornal, revista, rádio e TV, acumulando nessas mídias (muita) credibilidade ao longo dos anos. E que não precisava de um blog para cavar espaço e ser lido/ouvido/visto.

Por fim, arremata: "Porque o blog escraviza, como se obrigasse a não parar de produzir, de trabalhar". Peço ao(a) leitor(a) para lembrar-se dessa frase na minha conclusão da postagem.

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O cronista Antonio Prata, no início deste mês, publicou um texto magistral ** sobre os detritos espalhados pela Web afora.

Reconhecendo que é ótimo o fato de que "o debate tenha se democratizado por todos as revoluções culturais e políticas ocorridas de Gutenberg a Zuckerberg", Prata, por outro lado, alerta para o que há de babaquice nesta "competição mundial por audiência". Ele observa:

"Atrás dos sinais imediatos de reverberação - retuítes, comentários no blog, polegares erguidos no Facebook ou mesmo e-mails desaforados à redação - , muita gente parece não refletir sobre o que pensa deste ou daquele assunto, mas calcular: qual a opinião mais cool, ou polêmica, ou bizarra, ou engraçada, para oferecer na bolsa mundial de ideias?"

Tal "niilismo de salão", segundo o cronista, "embora seja mero jogo para a plateia, apresenta-se como pensamento crítico, uma defesa da liberdade individual contra as amarras da moral e do Estado, mas nada tem de corajoso".

Se tá valendo escrever qualquer coisa e emitir qualquer ponto de vista, mesmo ofensivo, "chocar a burguesia não é uma afronta, mas caminho para o sucesso".

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Já disse em outra oportunidade que acompanho, periodicamente, uns 60 blogs mais ou menos (dentro dos limites que estabeleci para mim mesmo no uso da Web) e em vários deles já notei essa tática do "atropelando todo mundo", criticada por Antonio Prata. E observando o que escreveu Juca Kfouri, começo a lamentar ter criado (mais uma vez) um blog. Porque pode não parecer ao(a) leitor(a), mas manter esse espaço me dá trabalho, mesmo que tenha sido um prazer.

Tentando responder a última pergunta que deixei no texto anterior (e pedindo desculpas pela franqueza com que a respondo), começo a achar que ler - e principalmente escrever -  postagens está se tornando uma chatice...

Encerro a série na próxima.
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* KFOURI, Juca. Twitter, com moderação. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 mar. 2011, p. 13, Caderno Esportes.

** PRATA, Antonio. Atropelando todo mundo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 mar. 2011, p. 2, Caderno Cotidiano.

BG de Hoje

Eu já fiz o teste. Mesmo quem não curte rock pesado não consegue deixar de sacudir a carcaça ao ouvir You shook me all night long, do AC/DC.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Blog: uma chatice? (1)

A seção mais bacana da revista Carta Capital, acho eu, chama-se Blogs do Além. Assinada por Vitor Knijnik, a página traz "postagens" de gente morta (essas sim, verdadeiras celebridades), tudo feito com ótimas e engraçadas sacadas. Divirto-me lendo principalmente as informações do "Perfil". Por exemplo, este do escritor Jack Kerouak (edição de 23/02/11):

"Escritor-símbolo da Beat Generation. Se quiser saber mais sobre mim, me dê um pouco de benzedrina e um litro de gim e nunca mais paro pra te contar".

Ou este outro, descrevendo a "homepage" de Luz del Fuego (edição de 16/03/11):

"Um lugar onde a cobra vai fumar. Ou seja, esse é um ambiente aberto e sem toldo. Não quero problemas com os fiscais da prefeitura".

No texto Eu quero ter um zilhão de amigos e bem mais forte poder governar, "postado" por ninguém menos que Alexandre, o Grande (edição de 02/03/11), pode-se ler:

"Nesse momento, muitos dos lugares que estiveram sob meu poder são palcos de revoltas populares, potencializadas pelas redes sociais. Leio que comunidades rebeldes não estão organizadas em torno de grandes líderes, de bandeiras ideológicas ou religiosas. Parece que o pessoal quer mesmo é emprego, dinheiro no bolso, sinal de Wi Fi estável e uma senha fácil de decorar".

O ex-pupilo de Aristóteles sugere então, a essas localidades, a adoção da "democracia facebuquiana":

"Na democracia facebuquiana, todos seriam obrigados a aceitar como amigo todo e qualquer cidadão de seu país. Nem aquele cunhado que lhe deve dinheiro poderia ser ignorado. De tal forma que qualquer indivíduo poderia propor uma nova lei ou emenda. As votações seriam simples, no esquema curtir ou deixar de curtir. As que tivessem mais curtir obviamente seriam aprovadas".

(Outros "blogueiros-defuntos" podem ser encontrados em www.blogsdoalem.com.br)

O negócio funciona porque, junto com a criatividade de Knijnik, o leitor reconhece prontamente um tipo de organização de texto - o blog -, com suas características gráficas específicas, comicamente "desvirtuadas" e exploradas pelo colunista de Carta Capital.

Numa postagem do ano passado (ver Blogs: entre a egolatria e o rancor), defendi que o blog é um gênero textual. Boa parte dos internautas/leitores está familiarizada com sua modelagem e outros tantos usuários da Web acabam criando e mantendo seu próprio "lugar" na blogosfera.

Entretanto, tenho lido e ouvido por aí que estes sites pessoais simplificados, diários virtuais, páginas de opinião (ou qualquer outra definição que queiram dar) estão perdendo terreno para novas formas de comunicação via computador, tornando-se cada vez mais impopulares.

O que há com os blogs? Já estão obsoletos e serão substituídos pelo que se escreve no Twitter ou noutras redes sociais? Há uma "crise de leitura" na blogosfera como, supostamente (e guardando as devidas proporções) haveria na leitura de livros? Os blogueiros estão descuidando da pena, digo, do teclado? O leitor já está de saco cheio? Ler (ou escrever) postagens é uma chatice?

Retomo o assunto na próxima postagem.

BG de Hoje

Algumas (boas) cantoras, infelizmente, são sempre acusadas de serem somente "crias" dos produtores musicais. Caso de Zélia Duncan (apenas para citar um exemplo brasileiro) e Amy Winehouse (mundialmente conhecida, claro). ALANIS MORISSETTE também carregou a pecha. Em 1995, comprei o disco Jagged Little Pill, principalmente por causa de Hand in my pocket, melodia e letra simples, que gosto de cantar em casa, sozinho. Mas a melhor do álbum, para mim, continua sendo Wake up. OBS. No vídeo abaixo, a artista canadense até se aventura a tocar guitarra no final da apresentação!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (7)

Já passou da hora de "vencermos" o ensaio de Octavio Paz* (disponível aqui). Aos quatro últimos excertos escolhidos, pois. Observações pessoais, sob forma de notas, mais adiante, tal como na última postagem.

8) "Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é - ritmo, cor, significado - e, ainda assim, é outra coisa: imagem. A poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. [...] o fato de serem imagens, e o estranho poder de suscitarem no ouvinte ou no espectador constelações de imagens transformam em poemas todas as obras de arte".

9) "Portanto, a leitura de um só poema nos revelará, com maior certeza do que qualquer investigação histórica ou filológica, o que é a poesia".

10) "E não apenas a história nos faz ler com olhos diferentes um mesmo texto. Para alguns o poema é a experiência do abandono; para outros, do rigor [...] Cada leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre: já o trazia dentro de si".

11) "Há uma característica comum a todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação. Cada vez que o leitor revive realmente o poema, atinge um estado que podemos, na verdade, chamar de poético. A experiência pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para ser outro. Tal como a criação poética, se dá na história, é história e, ao mesmo tempo, nega a história [...] Revive uma imagem, nega a sucessão, retorna no tempo. O poema é mediação: graças a ele, o tempo original, pai dos tempos, encarna-se num momento. A sucessão se converte em presente puro, manancial que se alimenta a si próprio e transmuta o homem. A leitura do poema mostra grande semelhança com a criação poética. O poeta cria imagens; o poema faz do leitor imagem; poesia".

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  • Num de seus mais belos poemas** (em minha opinião, claro), João Cabral de Melo Neto nos dá essa "constelação de imagens" de que fala Octavio Paz, partindo do número quatro - símbolo de exatidão para o poeta:
"O número quatro feito coisa
ou coisa pelo quatro quadrada,
seja espaço, quadrúpede, mesa
está racional em suas patas;
está plantada, à margem e acima
de tudo o que tentar abalá-la,
imóvel ao vento, terremotos,
no mar maré, ou no mar ressaca.
Só o tempo que ama o ímpar instável
pode contra essa coisa ao passá-la
mas a roda, criatura do tempo,
é uma coisa em quatro, desgastada".

Muitos dos que hoje se intitulam poetas estão longe de insuflarem no leitor tal sugestão imagética...
  • A leitura de um bom poema nos ensina mais sobre a poesia do que os pesados estudos críticos e/ou analíticos. Como estudioso de Literatura, obviamente, não concordo por inteiro com essa opinião. Ainda assim, o que dizer da leitura de centenas de bons poemas (sem recorrer aos pesados estudos críticos)ao longo de toda uma vida, como o fez Octavio Paz? Não há outra "alternativa": é preciso ler efetivamente os textos!
  • Eu sou do lado do rigor...
  • No excerto nº 11, o escritor mexicano menciona um dos mais fantásticos sentimentos que alguém pode experimentar durante a fruição estética: a sensação de co-autoria em relação ao criador/idealizador da obra de arte. Sábias e belas palavras: "Cada vez que o leitor revive realmente o poema, atinge um estado que podemos, na verdade, chamar de poético. A experiência pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para ser outro".
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* PAZ, Octavio. Poesia e Poema. In: __________. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 15-31 [tradução de Olga Savary]

** MELO NETO, João Cabral de. O número quatro. In: _________. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 [o poema em questão faz parte do livro Museu de tudo, publicado pela primeira vez em 1974]

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Convido o(a) leitor(a) para, nas próximas postagens, refletirmos juntos sobre a blogosfera e o ato de "blogar" (a série sobre poesia será retomada mais à frente, quando falarei sobre Antonio Cicero). Até a semana que vem.

BG de Hoje

O NIRVANA sempre teve um pé no punk. Pouca gente discorda disso, penso eu. E essa "ligação umbilical" fica mais evidente ainda em canções maravilhosas como Breed.

sábado, 12 de março de 2011

Poesia: questão de tudo ou nada? (6)

Retomando a discussão do ensaio Poesia e Poema, de Octavio Paz *, incluo abaixo mais cinco excertos. Serão citados em bloco. Ao final da postagem, alinhavo algumas observações propositalmente esparsas sobre estes (para mim, ainda não é o momento de concluir nada).

3) "Todas as atividades verbais, para não abandonar o âmbito da linguagem, são susceptíveis de mudar de signo e se transformar em poemas: desde a interjeição até o discurso lógico".

4) "Por si mesma, cada criação poética é uma unidade autossuficiente. A parte é o todo. Cada poema é único, irredutível e irrepetível".

5) "A única característica comum a todos os poemas consiste em serem obras, produtos humanos, como os quadros dos pintores e as cadeiras dos carpinteiros. No entanto, os poemas são obras de um feitio muito estranho: não há entre um e outro a relação de parentesco que de modo tão palpável se verifica com os instrumentos de trabalho. Técnica e criação, utensílio e poema são realidades distintas".

6) "A chamada 'técnica poética' não é transmissível porque não é feita de receitas, mas de invenções que só servem para seu criador".


7) "Inclusive, pode-se acrescentar que não se fala a prosa, escreve-se. A linguagem falada está mais perto da poesia que da prosa; é menos reflexiva e mais natural, e daí ser mais fácil ser poeta sem o saber do que prosador. Na prosa a palavra tende a se identificar com um dos seus possíveis significados, à custa dos outros: ao pão, pão; e ao vinho, vinho. Essa operação é de caráter analítico e não se realiza sem violência, já que a palavra possui vários significados latentes, tem uma certa potencialidade de direções e sentidos. O poeta, em contrapartida, jamais atenta contra a ambiguidade do vocábulo. No poema a linguagem recupera sua originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõem a prosa e a fala cotidiana. A reconquista de sua natureza é total e afeta os valores sonoros e plásticos tanto como os valores significativos. A palavra, finalmente em liberdade, mostra todas as suas entranhas, todos os seus sentidos e alusões, como um fruto maduro ou como um foguete no momento de explodir no céu. O poeta põe em liberdade sua matéria. O prosador aprisiona-a".

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  • Mudar a disposição das frases numa bula de remédio ou numa lista de compras, por exemplo, e com isso simular um agrupamento de versos, faz do novo texto resultante um poema, se o "poeta" ou os leitores enxergarem-no como tal, uma vez que ninguém tem mais "autoridade" para dizer que não o seja. Seria isso verdade - na prática, ali, "na bucha" - dentro do "sistema literário"?
  • Num famosíssimo texto**, Mario Quintana escreveu: "Um poema como um gole d'água bebido no escuro/[...]/ Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/[...]/Triste/Solitário/Único/Ferido de mortal beleza". Ponto para Octavio Paz: "Cada poema é único, irredutível e irrepetível" (embora eu tenha, para adequação ao que estou escrevendo, reduzido a obra de Mario Quintana)
  • Embora alguns gostem (por razões inconfessáveis?) de dizer que escrevem "por divertimento" ou porque "baixou o espírito poético", a Literatura que vale a pena ser lida, penso eu, nasce de um labor (que, geralmente, não é sinônimo de ganha-pão)
  • A "técnica poética" pode não ser transmissível. Isso não quer dizer que não exista...
  • Suponho, por suas observações (ver excerto nº 7), que o poeta mexicano atribuía superioridade - ainda que não muito grande - à poesia, em relação à prosa. E, neste momento, serei honesto: sou um péssimo leitor de poemas. Preferencialmente,  leio romances (contos, uma vez ou outra).
Termino o "papo" sobre este ensaio - mas não a série! - na próxima postagem.

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* PAZ, Octavio. Poesia e Poema. In: ______________. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 15-31 [tradução de Olga Savary]

** QUINTANA, Mario. O Poema. In: ____________. Poesias. 11 ed. São Paulo: Globo, 1997. p. 151-152 [ faz parte do livro Aprendiz de feiticeiro]

BG de Hoje

A cantora mineira MARINA MACHADO regravou essa sensacional canção de Marcos Valle, do irmão dele, Paulo Sérgio Valle e de Laudir de Oliveira: A Paraíba não é Chicago. Habilidosa junção de baião com funk.