segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre best-sellers (3)

Já disse que a Milena, do blog Nenhum Lugar, tem um dos textos mais adoráveis entre os blogs que costumo ler? Se não disse, fica dito agora. Sobre os best-sellers, ela foi econômica e instigante:

" 1. Best-sellers são os livros do gosto médio, das gentes que pensam que livros servem para entreter ou consolar.

Mas tenho vontade de dizer:

2.
Best-sellers são os livros que eu nunca li e que eu tenho a impressão de que todo mundo lê. Tipo: quem tem algum contato com a leitura e ainda não leu Crepúsculo? Só uma gente metida a besta como nós!!"

Estou propenso a concordar. Mas não sem antes problematizar um pouco. Só um pouquinho...

Na apresentação da edição brasileira de O visconde partido ao meio *, de Italo Calvino, há a reprodução de uma resposta dada pelo escritor italiano, durante uma entrevista com estudantes, trinta anos após a publicação do romance.

Calvino, observando que seu livro trata da incompletude característica dos seres humanos, afirma que "queria sobretudo escrever uma história divertida para divertir a mim mesmo, e possivelmente para divertir os outros".

Para Italo Calvino, o divertimento pode (e deve) fazer parte da obra literária:

"Creio que divertir seja uma função social, corresponde a minha moral: penso sempre no leitor que deve absorver todas estas páginas: é preciso que ele se divirta, é preciso que ele tenha também uma gratificação; esta é a minha moral: alguém comprou o livro, despendeu dinheiro, investe parte de seu tempo nele, deve divertir-se. Não sou só eu que penso assim; por exemplo, também um escritor muito atento aos conteúdos como Bertolt Brecht dizia que a primeira função social de uma obra teatral era o divertimento. Penso que o divertimento seja uma coisa séria".

Carlos Drummond de Andrade - outro dos heróis deste blog -,no "aviso" aos novos leitores que consta em sua Antologia poética **, enxerga a Literatura com olhos diferentes:

"Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição".

Como se nota, Calvino não vê incompatibilidade entre Literatura e entretenimento, nem Drummond, entre esta e a sua "função" consoladora. Como leitor de ambos, sempre encontro agradáveis formas de passar o tempo com o romancista italiano e, em momentos de angústia - e são vários! - sinto-me reconciliado comigo mesmo lendo o poeta brasileiro.

Milena, doutora em Teoria da Literatura, ao falar sobre "os livros que servem para entreter e consolar", não se referia, obviamente, a obras como as produzidas pelos autores anteriomente citados. Livros podem entreter e consolar, mas, na condição de obras de arte (e é disso que fala Milena) não fazem (ou, pelo menos, não deveriam fazer) apenas isso.

A arte é - para usar uma expressão de Hannah Arendt - o aditamento de algo à existência. Esse algo pode ser, no caso da Literatura, uma visão de mundo rara, ou uma nova forma de expressão linguística, ou um recurso inusitado, ligado a metalinguagem, enfim, algo que torne a obra literária singular em comparação com outras, para "fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero", como nos diz Manuel Bandeira ***. E os best-sellers não alcançam essa condição.

Há, porém, outro ponto fundamental na definição de Milena: o modo como os supostos conhecedores da "boa" Literatura lidam com os best-sellers. E, é preciso reconhecer, existe preconceito nessa relação.

Prefiro reler Crime e castigo ou Otelo, o mouro de Veneza várias vezes a ler qualquer coisa escrita por Stephenie Meyer; do mesmo modo, sou mais A chave do tamanho do que qualquer um dos Harry Potters (ainda que tenha lido todos). A questão, porém, não é essa.

Creio que as pessoas que atuam na promoção da leitura - mais diretamente, os professores e bibliotecários - precisam incluir, em seus planos de trabalho, o respeito aos gostos e preferências de leitura dos indivíduos com os quais convivem, por mais distintos que sejam dos nossos. Mas não se pode fechar os olhos para o poderoso esquema de marketing utilizado pela indústria editorial, para divulgar seus produtos e, assim, obter maiores fatias do mercado; isso deve ser criticado.

Iria falar também aqui de uma crônica de Ruy Castro, mas fica para a "conversa" com outro colaborador desta série. E, a propósito, na próxima postagem, debaterei com meu grande camarada Pirata Z (ou, como também está sendo conhecido, Z ninguém).


* CALVINO, Italo. O visconde partido ao meio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996 (tradução de Nilson Moulin)
** ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 40 ed. Rio de Janeiro: Record, 1998

*** BANDEIRA, Manuel. Nova poética. In: Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993

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