sábado, 30 de maio de 2009

Guia para curar ressaca - um roteiro de rock


Por que é que adolescentes são tão ruidosos? Por que não canalizam essa energia sonora para produzir música?

Estes, por exemplo, próximos a mim agora, aqui nesta lan-house em que digito este texto, ficam gritando "uuuurrruuu!!!" o tempo todo, empolgados com um destes jogos on-line com atiradores. Deviam ir para casa, ligar seus equipamentos de som bem alto e incomodar parentes e vizinhos, como faziam os jovens da minha geração.

Estou com a cabeça estourando. Bebi todas - e mais algumas - nessa madrugada. E como, numa postagem anterior, falei de uma espécie de terapia musical que pode (mas não garante) ajudar na cura da ressaca, vamos a ela.

AVISO: PARA MIM, O MUNDO SE DIVIDE ENTRE AS PESSOAS QUE GOSTAM DE ROCK E O RESTO, AQUELAS QUE ESTÃO ENTRE AS MAIS CHATAS DE TODOS OS CHATOS POSSÍVEIS. SE VOCÊ NÃO APRECIA GUITARRAS ELÉTRICAS, BATERIAS POSSANTES E VOCAIS NERVOSOS, VÁ PARA OUTRO BLOG IMEDIATAMENTE! AGORA! É UMA ORDEM! HÁ UMA LISTA DE LINKS AO LADO!


Levantar da cama é um problema para quem entortou o chifre na noite precedente. Difícil também é movimentar-se pelos cômodos com o cérebro ainda entorpecido. Neste momento, recomendo começar com Pawn Shop, do trio californiano Sublime, para, aos poucos, reacostumar-se com a realidade. Depois de uma boa xícara de café, bem preto e bem amargo, vá de I wanna be sedated, dos Ramones. Olhando-se no espelho e percebendo todo o estrago causado pela esbórnia, aumente o CD-player - caso seus vizinhos sejam tolerantes - e deixe rolar Bullet with butterfly wings, do Smashing Pumpkins (que abre com o sensacional verso "The world is a vampire")

Olhe para o seu quarto: roupas espalhadas por todo lado (infelizmente, apenas suas). Vá para a cozinha: pilhas de vasilhas sujas. Passe pela sala: não está em melhor estado. Alguém tem que dar um jeito nessa zona! E, lamento informar, esse alguém é você.

Chico César afirmou numa entrevista, certa vez, que dá pra se escutar um disco "varrendo a casa". O compositor paraibano queria dizer com isso que, enquanto se faz uma atividade doméstica, nada mais natural do que ouvir boas canções. Como estamos falando de rock, tudo tem que ser num volume bem mais acima. Inicie a faxina com a apropriada I love it loud, da banda-picareta mais bacana da História, o Kiss. E já que a azáfama de limpeza ocupará um bom pedaço da sua tarde, ouça na íntegra cinco discaços: Led Zeppelin II (Led Zeppelin), Time's up (Living Colour), The Real Thing (Faith no More), Far Beyond Driven (Pantera) e Blood Sugar Sex Magik (Red Hot Chili Peppers).

A esta altura, sua capacidade de raciocínio está se restabelecendo (ajudada, logicamente, pela boa música e por aquela caipirinha geladíssima, acompanhada de uma linguicinha frita que você preparou para mitigar trabalhos tão árduos). Está na hora de pensar na nova noitada que se aproxima. Afinal de contas, hoje é sábado!

Se você vai sair para dançar (algo que não faço com prazer há mais de 10 anos), coloque para aquecer Love Shack ou Roam, dos adoráveis B-52's. Se a noite será um pouco mais "cabeça", sugiro The lady don't mind, dos saudosos Talking Heads ou Death or Glory, do Clash. Há possibilidade de uma paquera? Então as pedidas são A stroke of lucky, do Garbage ou I touch myself, com Divinyls (canção que faz parte da trilha sonora do hilário filme Austin Powers). Por fim, se o seu negócio é mesmo encher a cara, sem nenhuma outra justificativa (meu caso), ataque de Jumpin' Jack Flash (Rolling Stones) ou Problem child (AC/DC).

Que a ressaca de amanhã seja mais suportável que a de hoje!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

"[...]Satélites da tua subjetividade objetiva"

"Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu..."

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos


O jornalista Arthur Dapieve, referindo-se a O Estrangeiro, escreveu, certa vez, que a narrativa de Albert Camus é "uma espécie um tanto perversa de livro de autoajuda". Parafraseando-o, eu diria que, a propósito do poema Se te queres matar, por que não te queres matar*, de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, estamos diante de um tipo um tanto cruel de texto de autoajuda.

Devo esclarecer, desde já, que, ao lado de Elegia 1938 e A máquina do mundo (ambos de Carlos Drummond de Andrade), considero Se te queres matar ... um dos mais belos poemas que já li.

Como se sabe, este texto remete ao suicídio (real) do escritor Mário de Sá-Carneiro, amigo de Pessoa. Mas não é isso que nos interessa. Dada a sua extensão (pode ser encontrado na íntegra aqui), concentremo-nos nestas estrofes:

"Encara-te a frio, e encara frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memórias dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?"

De início, não há como não destacar a genialidade de composição do poeta, ao intercalar nos versos aquilo que é orgânico (portanto, "material") com o não-orgânico (ou seja, "sentimental"), de maneira aparentemente fortuita, e cujo efeito é mostrar que não há superioridade de um sobre o outro. Não há "escrúpulos químicos" na vida; e são os mesmos impulsos que fazem circular o sangue e produzem essa coisa que se convencionou chamar de "amor". "A vida de todos os dias retoma o seu dia" após a morte de qualquer pessoa; o "ritmo alegre da vida" não se lembra daqueles que morreram...

Depois, a grande profundidade filosófica do poema transparece.

Antes uma observação: Ricardo Reis, outro dos heterônimos de Pessoa, afirmou, a respeito de Álvaro de Campos, que este faz, na verdade, uma "prosa ritmada". De fato, a maioria dos melhores poemas de Campos tem uma certa "narratividade". Em Se te queres matar... não é diferente.

Falávamos, entretanto, do ponto em que o poema chega à Filosofia. Uma palavra: solipsismo.

Abbagnano** define o solipsismo como sendo a "tese de que só eu existo e de que todos os outros entes (homens e coisas) são apenas idéias minhas". Também afirma que "Kant empregou o termo solipsismo para indicar a totalidade das inclinações que, quando satisfeitas, produzem felicidade". Ainda segundo o autor, "frequentemente, o solipsismo foi declarado irrefutável, pelo menos com provas teóricas; tal era a opinião de Schopenhauer". Obviamente, a irrefutabilidade só se dá no plano idealista. Ainda assim, o termo chegou, até o século XX, no pensamento de Wittgenstein.

Enxergar as outras pessoas como "satélites da tua subjetividade objectiva" - uma das características do solipsismo - não é um privilégio daquele que é exortado no poema: "se é assim, ó mito, não serão os outros assim?". O desencanto do poeta encontra aqui sua melhor expressão. Todos só vivem em seus próprios mundos individualistas.
__________
* PESSOA, Fernando. Poemas de Álvaro de Campos: obra poética IV. Porto Alegre: L & PM, 2006

**
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007

domingo, 24 de maio de 2009

Kiríllov

 
[Postagem atualizada em 06/05/2021]

"Sou obrigado a me matar, porque o ponto mais importante do meu arbítrio é: eu mesmo me matar".

do personagem Kiríllov, em Os demônios, de Dostoiévski

 
 
Ah, Dostoiévski e seus melodramas, dos quais sempre brota excelente literatura... Assim acontece, por exemplo, n'Os Irmãos Karamazov. O escritor russo também é responsável por algumas das personagens mais inesquecíveis da Literatura universal: Raskólnikov e Svidrigáilov (Crime e Castigo) ou o Príncipe Míchkin (O idiota) representam bem essa galeria.

N' Os demônios, romance publicado em 1871, encontramo-nos imersos num desses mundos singulares criados por Dostoiévski, ao lado de "seres" como Stiepan Trofímovitch e sua fatuidade afrancesada, Piotr Vierkhoviénski e sua canalhice insidiosa, Nikolai Stavróguin e sua "nobre" perversidade. O livro, contudo, nos apresenta duas personagens que merecem atenção, apesar de ocuparem poucas páginas: o jovem militar Erkel e o engenheiro Aleksiêi Nílitch Kiríllov. Tratemos apenas deste último na postagem de hoje.

Paulo Bezerra, o tradutor da edição* aqui observada, afirma, no posfácio da obra (Um romance profecia) que "encontramos em Kiríllov um nietzscheano sem Nietzsche". De fato, a oposição ao cristianismo do filósofo alemão e sua concepção de super-homem estão em correspondência com as palavras ditas pela personagem dostoievskiana, ao longo do romance. Observemos esta passagem, como exemplificação:

"A vida é dor, a vida é medo, e o homem é um infeliz. Hoje tudo é dor e medo. Hoje o homem ama a vida porque ama a dor e o medo. E foi assim que fizeram. Agora a vida se apresenta como dor e medo, e nisso está todo o engano. Hoje o homem ainda não é aquele homem. Haverá um novo homem, feliz e altivo. Aquele para quem for indiferente viver ou não viver será o novo homem. Quem vencer a dor e o medo, esse mesmo será Deus. E o outro Deus não existirá" [grifos meus]

Mas Kiríllov é também aquele que antecipou muito do que se encontra na base do pensamento existencialista. Há uma sentença famosa de Albert Camus (O mito de Sísifo) na qual se afirma que "só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio.". Como se pode ler na epígrafe dessa postagem, é pela afirmação da autonomia do indivíduo, de sua livre escolha, que Kiríllov deseja se matar. Leiamos ainda este outro trecho:

"Será que ninguém, em todo o planeta, depois de ter eliminado Deus e acreditado no arbítrio, não se atreve a proclamar o arbítrio no seu aspecto mais pleno? É o que ocorre com aquele pobre que recebe uma herança, fica assustado e não se atreve a chegar-se ao saco por se achar fraco para possuí-lo. Quero proclamar o arbítrio. Ainda que sozinho, mas o farei".

"O arbítrio no seu aspecto mais pleno"... E o que seria mais pleno (nesse sentido) do que dispor da própria vida? A radicalidade da ideia de liberdade exposta por Kiríllov é encantadora e assustadora ao mesmo tempo. Provavelmente, mais assustadora, pois o narrador fez questão de elencar o engenheiro no rol dos endemoninhados do romance, uma vez que, para Dostoiévski, o ateísmo era inaceitável.

Ainda assim, ao descrever o que se experimentava durante um ataque epiléptico, são de Kiríllov essas palavras quase poéticas (e nesse ponto, há uma total identificação da personagem com o autor, também vítima da doença):

"Existem segundos - apenas uns cinco ou seis simultâneos - que você sente de chofre a presença de uma harmonia eterna plenamente atingida. Isso não é da terra; não estou dizendo que seja do céu, mas que o homem não consegue suportá-lo em sua forma terrestre. Precisa mudar fisicamente ou morrer. É um sentimento claro e indiscutível. É como se de súbito você sentisse toda a natureza e dissesse: sim, isso é verdade!"

Ao falar sobre o suicídio, não pude deixar de recordar-me de um poema de Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa. Isso fica para a próxima postagem, entretanto.

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* DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios. (trad. Paulo Bezerra). São Paulo: Ed. 34, 2004

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A solidão e as cidades


"Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão".

Carlos Drummond de Andrade, no poema A Bruxa



Dia desses, ouvindo uma das mais belas canções de Chico Buarque (As vitrines*) fui possuído pela lembrança de uma pessoa por quem tenho imensa afeição e que atualmente se encontra, mais até do que a distância geográfica - concreta e existente -, muito longe de mim.

Lembrei-me também - e é isso o que importa aqui, afinal - de um poema de Ferreira Gullar, parte integrante daquele que é, talvez, o seu mais popular livro (e, na minha opinião, o melhor), Dentro da noite veloz, lançado na década de 1970. Reencontrei o texto numa reunião de sua obra** adquirida no ano passado: o poema em questão é Pela rua.

Tanto em Pela rua quanto n'As vitrines os dois poetas tratam, de maneira invulgar, de tema bastante frequente: os encontros e (principalmente) os desencontros que ocorrem todos os dias, todas as horas, nas grandes cidades; "cidade" que "era um vão" nas palavras de Chico Buarque; e "cidade" que "é grande/ tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só", nos versos de Gullar. Enxerga-se todo o complexo tecido urbano a partir da relação deste com o "objeto" de estima (o nosso e o deles).

Chico Buarque, mais sintético - até porque se trata da letra de uma composição musical - mas não menos extraordinário, encontra, na própria paisagem da cidade, os meios para fixar-se numa individualidade: "os letreiros a te colorir/ embaraçam a minha visão"; e, mais adiante: "nos teus olhos também posso ver/ as vitrines te vendo passar".

Ainda que elabore versos como "cruzas a rua/ miragem/ que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios/ e se esvai nas nuvens", Ferreira Gullar, em Pela rua, prefere enfocar a multiplicidade que caracteriza o espaço urbano e como isso se liga à pessoa desejada:

"Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,

misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.

Mas que esperança! Tenho

uma chance em quatro milhões".

É estranho, embora facilmente explicável, que as grandes cidades sejam lugares de muita solidão, mesmo com tantas e tantas pessoas nas ruas, nos bares. Suas multidões nos provocam a perversa ilusão de que estamos em companhia. Não obstante, não consigo imaginar outro tipo de lugar para viver.

E é curioso constatar que dois fatores essenciais para a convivência moderna - o princípio da impessoalidade (uma das poucas contribuições positivas que o capitalismo ajudou a sedimentar em parte de nosso comportamento e em um sem-número de relações sociais) e o senso de preservação da vida privada (no sentido de distingui-la da esfera pública) são também os responsáveis por esse sentimento de solidão. Contudo, aprofundar-se nessa reflexão foge (e muito) da capacidade analítica deste blogueiro.

Melhor é ouvir a canção e ler o poema.
___________
* do disco Almanaque, de 1981

** GULLAR, Ferreira. Toda poesia (1950 - 1999). 16 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O último apague a luz

O tema dominante do blog - Literatura - será hoje deixado de lado.

Cheguei para o trabalho nesta tarde e fui informado de que a diretora da escola em que trabalho foi mordida por um aluno. A polícia teve que ser acionada. Pela manhã, nesse mesmo dia, já tinha lido num jornal local a notícia de que uma estudante de 15 anos morrera supostamente de overdose de cocaína, na véspera, após passar mal dentro de uma outra escola, localizada na divisa entre Belo Horizonte e Contagem, município que integra a região metropolitana da capital mineira. Nesse último caso, a família afirma que houve negligência por parte da escola.

O que revelam as duas situações?

Antes de responder a pergunta, porém, preciso fazer algumas considerações. Ninguém mais parece ficar chocado com notícias de violência e crimes dentro de instituições escolares, sobretudo públicas. Pode haver apenas algum espanto em relação ao grau do descalabro. Veja, por exemplo, a escola em que trabalho. É considerada light, se comparada a outras instituições municipais públicas como ela. São poucos os casos de agressão física, alguns xingamentos e ofensas aqui e ali - mas todos já estamos acostumados a isso, não é mesmo? - e pouco dano (atualmente) ao patrimônio. Ah, me esqueci de comentar que, sete anos atrás, um vigilante levou um tiro de raspão no braço, dentro da escola, entre as 12 e 13 horas (eu disse 12 e 13 horas) numa tentativa de assalto. Só que se trata de um caso isolado... Em outras unidades municipais e estaduais de Belo Horizonte e região metropolitana, para usar uma expressão bem ao gosto dos adolescentes, o bicho tá pegando, bem mais do que na minha "escolinha light ". Nelas ocorrem homicídios, roubos e tráfico de drogas, dentro e fora dos portões ou nas imediações. No resto do Brasil, a coisa não está diferente (e a esse respeito, vale a pena ler a matéria que o Pirata fez para a Revista Brasileiros).

Mas respondendo a pergunta anteriormente formulada. A primeira situação revela um total rebaixamento da condição do educador, que pode ser chutado, socado, mordido e tudo fica por isso mesmo. Na segunda situação, com total desfaçatez, pessoas que não assumem responsabilidade alguma, transferem para o ombro de professores o ônus por uma situação que escapa à atuação dos educadores (e, que me perdoem pela obviedade dessa afirmação: professores são profissionais do ensino e não agentes de segurança).

Eu costumo ler e ouvir muitas pessoas, até gente muito bem-intencionada, afirmando, com um simplismo irritante, que "a educação é o futuro" ou "a solução dos problemas do Brasil está na educação". O buraco é muito mais embaixo...

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Leio que o deputado federal Sérgio Moraes (PTB - RS) está "se lixando" para a opinião pública*. Como se vê, já não há preocupação nem de salvaguardar as aparências. O nobre parlamentar é o relator do caso contra Edmar Moreira (aquele do castelo). Moraes, que já presidiu o Conselho de Ética da Câmara (!), tem processos na justiça por agressão e lenocínio, entre outros. É esse tipo de gente que representa a população brasileira no Legislativo.

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Estou cansado, muito cansado.
 
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* Para relator, não há motivo para cassar dono de castelo. Folha de S. Paulo, 07 mai. 2009, p. 4 (Caderno Brasil)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Autocrítica

A última série de postagens foi cheia de pontificações bastante arrogantes de minha parte. Perdão. Para não ter que jogar no lixo os argumentos anteriormente expostos e, ao mesmo tempo, realizar uma autocrítica, vou aproveitar a letra da canção Eu sou melhor que você, do (extinto) grupo carioca Mulheres Q Dizem Sim (do qual saiu o competente guitarrista Pedro Sá, que está atualmente na banda que toca com Caetano Veloso).

EU SOU MELHOR QUE VOCÊ
Composição de Maurício Pacheco

Todo mundo acha que pode, acha que é pop, acha que é poeta

Todo mundo tem razão, sempre vence e na hora certa
Todo mundo prova sempre pra si mesmo que não há derrota
Todo homem tem voz grossa e tem pau grande
E é maior do que o meu, do que o seu, do que o de todos nós.

Todo mundo é referência e se compara só pra ver quem é melhor

Todo homem é mais bonito do que eu, mas eu sou mais que todos
Todo mundo tem suingue, é forte, é feliz e sabe sambar
Todos querem mas não podem admitir a coexistência do orgulho e do amor


Porque

Eu sou melhor que você!
Eu sou melhor que você!
(Mas por favor fique comigo que eu não tenho mais ninguém)

Todo mundo diz que sabe e quando diz que não sabe é porque

É charmoso não saber algo que todas as pessoas já sabem como é

Porque todo mundo é original, é especial, é o que todos queriam ser
Não basta ser inteligente tem que ser mais do que outro pra ele te reconhecer

Porque
Todo mundo ganha grana só pra dizer que ela não vale nada

Todo mundo diz que é contra a violência e sempre dá porrada
Todos querem se apaixonar, sem se arriscar, nem se expor, nem sofrer

Todas querem vida fácil sem ser puta e com reputação se reprimem e começam a dizer

Eu sou melhor que você!

Eu sou melhor que você!
(Mas por favor fique comigo que eu não tenho mais ninguém)

Esta canção está no disco Mulheres Q Dizem Sim (Warner Music, 1994)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

"Todos têm a vidinha deles" (4)

No encerramento da postagem anterior escrevi o seguinte:

Diante deste cenário de extremo particularismo e concentração no círculo privado da existência - que gera, a meu ver, consequências danosas, entre elas, maior intolerância e enfraquecimento de vínculos de solidariedade suprafamiliar - acho que o ato de ler Literatura, por incrível que pareça, pode servir de atenuante.

Tentarei justificar esse argumento valendo-me de dois ótimos escritores: Luis Fernando Verissimo e Ana Maria Machado.

Em uma crônica apropriadamente intitulada Perigo*, Verissimo fala daqueles livros "que ensinam as pessoas a fazer sucesso". Sem usar o termo, refere-se a boa parte dos manuais chamados de autoajuda. Para o escritor gaúcho, esses livros

"[...] trazem um risco que não está sendo devidamente analisado. São livros persuasivos e eficientes que chegam a um número cada vez maior de leitores, convencendo-os de que eles são vencedores e de que nada pode detê-los. Mostram as pessoas como otimizar seu potencial para o sucesso, como adquirir autoconfiança e controle sobre suas vidas, como impor sua vontade aos outros e chegar ao topo."

Cresce a quantidade de "vencedores" , "numa sociedade em que as chances de vitória são claramente limitadas a quem tem pistolão e o topo já está tomado". Todas estas pessoas, anabolizadas com autoestima e autoconfiança muito acima dos níveis tolerados pela Organização Mundial de Saúde, circulam sempre se julgando muito especiais. Ou seja, mais um exemplo dessa hipertrofia da vida privada e do eu de que estamos falando. Verissimo percebe nisso tudo um fator "desagregador": "As pessoas com controle sobre sua própria vida são geralmente as que nos empurram, buzinam atrás de nós no trânsito e furam a fila do cinema".

Com seu humor característico, o escritor adverte que tudo isso pode, num extremo, chegar a atos violentos; para evitá-los, sugere que as editoras passem a publicar livros que

"[...] levem as pessoas a reexaminar sua recém-conquistada certeza de vitória e a pensar se ela não é um pouco irrealista, se um empate não seria suficiente. Livros chamados, por exemplo, Você é pior do que pensa, mostrariam que qualquer melhora na opinião que temos de nós mesmos é sempre comprometida pela falta de objetividade e provavelmente é um engano. Haveria capítulos com títulos como Sair da cama de manhã: isto é realmente necessário?, Dez razões pelas quais nada vale a pena."

Ana Maria Machado**, por seu turno, argumenta que a Literatura permite uma melhor compreensão do outro, e predispõe-nos para a capacidade de negociar, para as tentativas de acordo, para a tolerância:

"Neste sentido é que costumo dizer que ler ficção é um ato político, porque, assim como a poesia, também os romances e contos (e mais os filmes, as peças, as novelas) nos obrigam a entrar na pele de um outro e entender seus motivos, nos acostumando a uma aceitação intrínseca da diversidade".

A mesma autora observa também que

"Ler literatura, livros que levem a um esforço de decifração, além de ser um prazer, é um exercício de pensar, analisar, criticar. Um ato de resistência cultural. Perguntar ' para onde queremos ir? ' e ' como ' pressupõe uma recusa do estereótipo e uma aposta na invenção. Pelo menos, uma certa curiosidade diante de uma opinião que não é exatamente igual à nossa - e o benefício da dúvida, sem a convicção do monopólio da verdade".

Para "curar" as limitações dos pontos de vista circunscritos a nossas "vidinhas", recomendam-se doses de Literatura, três vezes ao dia, antes ou depois das refeições, a critério do paciente...

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* VERISSIMO, Luis Fernando. A eterna privação do zagueiro absoluto: as melhores crônicas de futebol, cinema e literatura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

** MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.