segunda-feira, 8 de junho de 2015

Por que preciso falar de Serena Williams?


E não é falar apenas da atleta, mas sobretudo das questões que emergem do seu papel (involuntário, talvez) de símbolo para o enfrentamento do racismo e do machismo.

Concentremo-nos, inicialmente, na atleta.

Ao vencer o Aberto da França no último sábado, Serena Williams chegou a seu vigésimo título em Grand Slams. Se conquistar mais três, ultrapassará a alemã Steffi Graf, ex-número 1, já aposentada. Nem a detentora do recorde duvida que ela atingirá a marca (leia aqui).

Nessa final em Roland Garros, mesmo ainda se recuperando de uma forte gripe, Serena conseguiu superar a tcheca Lucie Safarova, valendo-se de seus mais eficientes recursos: a força do saque e a precisão e vigor nos winners, evitando as desgastantes trocas de bola. Ela é simplesmente a maior tenista de todos os tempos, embora eu seja suspeito para afirmar isso - pois sou um fã ardoroso. Consideremos os últimos 12 ou 13 anos: ela nunca foi de fato ameaçada em sua supremacia pelas outras jogadoras. Perdeu posições no ranking em algumas temporadas anteriores, é verdade, mas apenas por causa de lesões, nunca por deficiência técnica. Pude assistir a jogos com excepcionais atletas - Martina Navratilova, Gabriela Sabatini, Monica Seles, Martina Hingis, a própria Steffi Graf, Justine Henin - mas em nenhuma havia tanta energia e intensidade quanto se pode ver em Serena Williams. Como já registrei aqui, ela, certamente, é um verdadeiro fenômeno do esporte.

Vamos agora para o domínio extra-quadra. 

Apesar de seu talento e da indiscutível capacidade atlética, por que Serena Williams tem menos visibilidade midiática e, por consequência, menos contratos publicitários do que a segunda colocada do ranking, a russa Maria Sharapova? NOTA: Em confrontos diretos, Williams leva enorme vantagem sobre a adversária. Num artigo da revista Rolling Stone, que foi bastante comentado - e recriminado -  há dois anos, Stephen Rodrick escreveu:

"Here are the facts. Serena is the number-one tennis player in the world. Maria Sharapova is the number-two tennis player in the world. Sharapova is tall, white and blond, and, because of that, makes more money in endorsements than Serena, who is black, beautiful and built like one of those monster trucks that crushes Volkswagens at sports arenas. Sharapova has not beaten Serena in nine years. Think about that for a moment"*.

Rodrick, apesar da escorregada**, não coloca panos quentes: a tenista russa, por ser alta, branca e loura - o estereótipo da garota-propaganda - movimenta mais grana com publicidade do que a número um do mundo, que não tem nenhuma dessas características. Serena, com sua pele negra e seu corpo forte (e exuberante), parece não se "adequar" ao mundinho estreito e nada inclusivo (nem atento à diversidade humana) dos publicitários...

Ainda um último ponto. Há muito tempo não vejo uma hegemonia tão evidente no mundo esportivo. Penso, hoje em dia, no caso do judoca francês Teddy Riner, imbatível em sua categoria, sendo hepta campeão mundial.  E até pouco tempo atrás tínhamos Kelly Slater ditando as regras no surfe. Mas nada se parece com o que Serena Williams vem fazendo nos últimos anos. E por que seus feitos não são tão reverenciados como os de outros mitos do esporte? Aliás, é o caso de também perguntar por que os grandes feitos das mulheres no mundo esportivo não têm a mesma visibilidade, nem repercutem tanto quanto as atuações dos homens?NOTA: A esse respeito, basta ver que a derrota de Djokovic para Wawrinka - e o sérvio mais uma vez não conseguiu o título em Roland Garros - teve muito mais destaque nos programas esportivos do que a final feminina no mesmo torneio. 

Para garantir maior diversidade, num mundo plural e complexo como este em que vivemos, seria muito bom se os ídolos realizassem diferentes atividades (chega da monocultura esportiva do futebol!) e pertencessem a  todos os gêneros, com corpos, cor de pele e cabelos que representassem a diversidade humana. É por esse motivo (e por alguns outros) que exalto Serena Williams.

* Tradução aproximada: "Eis os fatos. Serena é a jogadora de tênis número-um no mundo. Maria Sharapova é jogadora de tênis número-dois no mundo. Sharapova é alta, branca e loura, e, por causa disso, faz mais dinheiro em anúncios publicitários do que Serena, que é negra, bonita e esculpoda como um desses caminhões-monstro que passam por cima de Volkswagens nas arenas de esporte. Sharapova não derrotou Serena em nove anos. Pense um pouco sobre isso".
** No seu suposto elogio, ao comparar a tenista com um veículo, o jornalista pisa na bola

BG de Hoje

Muitas vezes fico maravilhado com a riqueza da música brasileira, mesmo sendo, primeiramente, um apaixonado pelo rock inglês e norte-americano. Não me refiro às horripilantes duplas "sertanejas" (léguas distantes do sertão) ou ao primitivo e embrutecido "pancadão" (equivocadamente chamado de funk pela mídia nacional e pela massa desinformada). Infelizmente, porém, esses são os gêneros que predominam no mercado atual (sem falar no repetitivo pagode mauricinho). Mas as rádios e a TV já privilegiaram a qualidade em sua programação noutros tempos. Por exemplo: esta esplêndida composição de Sivuca e Glória Gadelha - Feira de Mangaio - foi um grande sucesso popular na voz de CLARA NUNES! É impossível ouvir essa canção e não ser contagiado por seu ritmo, sua harmonia, sua letra. Rádios e TV do Brasil, por favor, voltem a tocar boa música!.