O filósofo francês Michel Serres, num pequeno livro (insólita e ridiculamente) intitulado Polegarzinha*, afirma que os jovens, além de outras características, são atualmente "formatados pela mídia propagada por adultos que meticulosamente destruíram a faculdade de atenção deles, reduzindo a duração das imagens a 7 segundos e o tempo de resposta às perguntas a 15 - são números oficiais". Esses sujeitos desenvolvem um outro tipo de relação com o universo livresco e, por conseguinte, instruem-se de modo bastante diverso daquele em que se educaram seus pais, por exemplo. Escreve o ensaísta:
"Nós, adultos, transformamos nossa sociedade do espetáculo em sociedade pedagógica, cuja concorrência esmagadora, orgulhosamente inculta, ofusca a escola e a universidade. Pelo tempo de exposição de que dispõe, pelo poder de sedução e pela importância que tem, a mídia há muito assumiu a função de ensino
Criticados, menosprezados, vilipendiados, já que pobres e discretos [...]**, nossos professores se tornaram os menos ouvidos dentro desse sistema instituidor dominante, rico e ruidoso".
Por outro lado (e dessa vez mais otimista***), o filósofo francês acrescenta que
"As ciências cognitivas mostram que o uso da internet, a leitura ou a escrita de mensagens com o polegar, a consulta à Wikipédia ou ao Facebook não ativam os mesmos neurônios nem as mesmas zonas corticais que o uso do livro, do quadro-negro ou do caderno. Essas crianças podem manipular várias informações ao mesmo tempo. Não conhecem, não integralizam nem sintetizam da mesma forma que nós, seus antepassados.
Não têm mais a mesma cabeça".
Falar da influência dos mass media na educação já não é novidade desde McLuhan, mas nem por isso trata-se de uma discussão caduca. Os meios audiovisuais para a comunicação de massa e a publicidade podem ter se tornado dominantes em matéria de ensino há bastante tempo, como ressalta Michel Serres, mas a escola, institucionalmente falando, permanece até hoje presa à mesma organização e aos mesmos rituais existentes desde antes dessa dominação. E tudo se torna ainda mais complexo com o advento do ciberespaço e dos dispositivos tecnológicos contemporâneos (smartphones, tablets, notebooks, consoles para games).
Para ser justo com o autor, o pequeno livro de Serres vai ganhando viés francamente otimista no avançar das páginas (v. terceira nota de rodapé ao fim desta postagem). Este blogueiro, entretanto, é cronicamente um pessimista.
Se concordarmos com o filósofo francês que o indivíduo hoje tem uma outra cabeça (e isso, penso eu, não se aplica apenas ao jovem), é pouco provável, porém, que esse mesmo sujeito esteja disposto a enveredar-se por uma difícil arte chamada leitura (com sua "antiquada" maneira de prover conhecimento) . Importante: não me refiro aqui à leitura funcional, garantida àqueles adequadamente alfabetizados e prática indispensável em nosso atual estágio civilizatório. Tenho em mente um tipo de leitura que chamaria, na falta de melhor nome, de leitura imersiva. Esse tipo de leitura roga ao sujeito sua concentração, sua curiosidade, sua paciência, sua perspicácia, às vezes sua rendição (e, às vezes, sua resistência), seu ceticismo, seu espanto, sua incerteza e fragilidade. Não raro, a leitura imersiva exige do leitor tudo isso ao mesmo tempo. Mais do que pura técnica, a arte da leitura imersiva presume um estado de espírito bem pouco comum na maioria dos indivíduos habilitados a ler nos dias atuais,
Por isso, para muitos, essa leitura - considerada difícil - não será sequer tentada. Tal situação deixa alguns educadores hesitantes (como este blogueiro) e os coloca numa posição bem incômoda.
Na próxima semana escreverei sobre o romance Americanah, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.
__________
* SERRES, Michel. Polegarzinha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013 [ Tradução de Jorge Bastos]
** No trecho suprimido da citação, Serres fala especificamente da situação dos professores universitários franceses, mas, mutatis mutandis, pode-se aplicar a observação ao caso brasileiro.
*** O ensaísta acredita que a emergência dessa nova mentalidade juvenil e o atual momento histórico podem ocasionar mudanças positivas na sociedade e nas suas instituições. E procura demonstrar isso no decorrer do livro.
BG de Hoje
Não preciso dizer nada. Uma das mais preciosas jóias da música pop em todos os tempos: Time of the season (THE ZOMBIES)